sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Elogio do aniversariante

Foi por volta do século IV que o que até então havia sido uma celebração do nascimento do deus sol, a Brumália, foi adaptada para celebrar o nascimento de Jesus. Sendo as raízes do natal pagãs ou não, é impressionante que essa celebração continue efervescente 17 séculos depois. As ruas, supermercados, feiras, açougues estavam hoje tomados por uma multidão desesperada para garantir os últimos preparativos. Não se pode negar, o natal é alguma coisa especial. É uma data como nenhuma outra.

Mesmo por entre o monte de entulho que foi sendo acrescentado à data, fica lá no fundinho ainda alguma lembrança associada ao nascimento de alguém numa periferia absolutamente desimportante do império romano há mais de dois mil anos. Somente alguém muito diferente seria capaz de ser celebrado de forma tão intensa por tanto tempo. Mas diferente como? Haverá os que apontam para seus ensinos de paz e de amor, ou para seu aparente ativismo político mas nada disso isolado seria capaz de explicar a particularidade fantástica de Jesus Cristo. A Bíblia, contudo, pode.

Ela diz que Jesus é nosso substituto na pena do pecado (“— Aí está o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” João 1:29). Mas não é só isso. Ela diz que Ele é a melhor terapia que existe (“— Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei descanso.” Mateus 11:28). Mas é mais que isso. Ela diz que Ele garante que a morte física não será o fim da história (“Então Jesus afirmou: — Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” João 11:25). Mas é mais que isso. Ela diz que Jesus nos garante mais do que simplesmente a sobrevivência, Ele dá sentido à vida (“Eu vim para que as ovelhas tenham vida, a vida completa” João 10:10). Jesus é mais do que isso, contudo. Ele é o caminho, a verdade e a vida (João 14:6) e nos confere uma paz muito superior à que o mundo tenta nos vender (João 14:27). Jesus é tudo isso e muito mais e tem sido muito mais em minha vida. E, se Seu nascimento foi importante há dois mil anos atrás, não pode se comparar com o impacto que terá quando nascer no seu coração.

“Escutem! Eu estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa, e nós jantaremos juntos.” (Apocalipse 3:20).

Feliz natal, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 23/12/11

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Alerta

Qual é o propósito de sua vida? Qual é sua grande missão, aquela que dá sentido a sua existência? Se você tem uma resposta para essas perguntas, acrescento ainda outra: o que falta para sua missão estar completada?

Na história de Naamã aparece uma menininha cativa. Separada dos pais, levada à força para uma nação estrangeira de hábitos e religião esquisitos. Diferentemente de outros cativos famosos, como José e Daniel, ela não chegou a galgar altos postos na hierarquia Síria. Nenhum biógrafo se demorou muito nela. Sua história é contada para as criancinhas como exemplo de como uma criança pode ser útil, mas não vai muito mais longe do que isso. Será que ela cumpriu sua missão? Será que sua vida teve um propósito?

Em outra ocasião aqui contei a história de uma amiga gaúcha que em um momento particularmente negro de sua vida, precisou fazer uma viagem solitária a Belo Horizonte; ela chegou à igreja central no dia em que havia toda uma programação voltada para homenagear um casal que havia falecido dias antes em um acidente aéreo. O sermão daquela manhã a tocou profundamente, arrancou lágrimas aos litros e lavou uma parte dolorida de sua alma. Além disso, ela foi notada, mesmo em uma igreja tão grande, por duas famílias diferentes em momentos diferentes; uma delas a levou para almoçar, outra para passear pela cidade e depois acordaram de madrugada para levá-la ao distante aeroporto de Confins.

Enquanto ficamos esperando algo grandioso acontecer, enquanto ficamos aguardando nos encontrar numa situação ideal para podermos brilhar, a vida vai acontecendo. Agora mesmo. Deus chama todos Seus filhos para trabalhar e lhes concede os mais variados dons e as mais variadas tarefas também. Há as grandes e há as pequenas também. Ele espera que estejamos prontos a responder sim a qualquer tipo de chamado, em qualquer situação. Para minha amiga deprimida, o sermão foi uma tábua de salvação, mas aquelas pessoas dispostas a identificar um rosto estranho na multidão e agir de forma solidária, inclusiva e terna foram as cordas que terminaram de tirá-la da escuridão em que se encontrava. Não é só o pr. Bullón que faz o serviço de Deus, a pessoa que está ao lado daquela alma em frangalhos e a abraça é tão parte do corpo de Deus quanto o pregador.

Mas é preciso estar atento aos chamados dEle para sermos Suas mãos, Seus pés, Seus olhos, Sua voz mesmo agora, pelos caminhos que caminhamos distraidamente, esperando algo acontecer em um futuro longínquo...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Feriado da alma

Em frente à minha janela há uma araucária linda e uma outra árvore cujas folhas pinguelam suavemente os resquícios da chuva que parou há pouco. Da base do tronco dessas árvores até o alto de suas copas, se eu ajustar bem o foco, posso ver centenas de digitais do Criador. Atrás de mim meus filhos brincam de esconde esconde e em suas risadas posso identificar o DNA do Criador. Deus está aqui, Sua presença preenche cada centímetro cúbico da atmosfera que me rodeia. É claro. É evidente. Mas, se é assim, por que Ele diz “buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo coração” (Jeremias 29:13) ? Por que Deus precisa ser buscado e por que a condição para encontrá-lo é tão custosa?

Na parábola de Jesus, o homem que encontrou o tesouro escondido no campo vendeu tudo o que tinha para comprar o campo e ficar com o tesouro. O homem que procurava pérolas preciosas precisou vender todo seu patrimônio para ter nas mãos a pérola de grande preço que encontrou. Um achou sem querer o tesouro, o outro estava procurando intensamente, mas ambos, ao identificarem o valor daquilo que encontraram, precisaram aplicar-se inteiramente para ter.

Você não faz concessões a Deus. Você se entrega inteiramente. “Cristo diz: ‘Quero tudo o que é seu’”, afirma C. S. Lewis. “Não quero uma parte do seu tempo, uma parte do seu dinheiro e uma parte do seu trabalho: quero você. Não vim para atormentar o seu ser natural, vim para matá-lo. As meias medidas não me bastam. Não quero cortar um ramo aqui e outro ali; quero abater a árvore inteira. Não quero raspar, revestir ou obturar o dente; quero arrancá-lo. Entregue-me todo o ser natural, não só os desejos que lhe parecem maus, mas também os que se afiguram inocentes – o aparato inteiro. Em lugar dele, dar-lhe-ei um ser novo. Na verdade, dar-lhe-ei a mim mesmo; o que é meu se tornará seu”.

A igreja católica instituiu no século XI a quaresma, um período de abstenção de carne e privação. Foi permissiva, contudo, com a instituição do carnaval (ou “adeus à carne”) antecedendo esse período. A festa rapidamente se tornou a válvula de escape moral. Você pode tirar um feriado para descansar o corpo, então também pode tirar um feriado para descansar a moral – era a ideia.


Ninguém é de ferro, ninguém é perfeito, eu também sou filho de Deus, é só uma fase, Deus vai entender. Não importa o nome que você dá a isso, não se tira feriados morais. A moral não admite concessões. É preciso aplicar o coração inteiro para ver a Deus. Ele quer pessoas, não retalhos de pessoas, porque pessoas inteiras, ainda que feridas, ainda que fracassadas, ainda que mutiladas pelo pecado, podem ser refeitas a Sua imagem e semelhança.


Deus precisa ser buscado porque os olhos de pessoas que não se entregam integralmente perderam a capacidade de enxergá-lO. Pense nas coisas, nas partes de você próprio que você precisa abdicar para estar apto a vê-lO de novo e entregue a Ele. “Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo” (Isaías 55:6).

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma tolice

Saul fora coroado rei havia pouco tempo e já tinha um exécito gigantesco de filisteus para encarar. Ele convocou o povo todo, mas nem todo mundo atendeu. Os que atenderam eram menos de 10% do número de filisteus e terrivelmente menos preparados que os filisteus. Suas armas eram relhas e foices, ao passo que os filisteus tinham carros, cavalos, espadas e escudos. Para piorar, Samuel havia prometido aparecer e nada. Estava atrasdo e seu exército que já era minguado diminuia a cada dia.

Naquela situação aflitiva, Saul tomou uma péssima decisão: mandou trazerem animais e fez, ele mesmo, um sacrifício. Ele não era sacerdote, não tinha esse direito. Então Samuel aparece e pergunta por que ele fez aquela loucura e Saul respondeu contando a situação em que se encontrava e que ficou angustiado porque ainda não tinha apaziguado a Deus, ou buscado o favor de Deus.

- O que você fez foi uma tolice - vaticinou Samuel energicamente. Uma tolice.

Saul havia sido escolhido para ser rei. Ele deveria saber o que é graça. Ele não tinha nada que o tornasse mais apto ao cargo. Era filho de uma casa insignificante da menor das tribos de Israel. Mesmo assim ele foi escolhido desse jeito, sem haver feito nada de muito notório para merecer a distinção. Pessoas atingidas pela graça jamais deveriam imaginar que precisam fazer algo para apaziguar a Deus ou para atrair Seu favor. Ele já foi dado. Já foi provado, com o sangue de Jesus. Querer convencer Deus a favorecê-lo é uma tolice, uma tolice trágica porque Saul ali perdeu seu status.

Você foi atingido pela graça. Pode não ser nenhum rei, mas Deus o escolheu quando você não merecia ser escolhido, mas esquecido. Então, como diz Yancey, não há nada que você possa fazer para Deus amá-lo mais. Não há nada que você possa fazer para Deus amá-lo menos.

Se as coisas vão mal (para mim, por exemplo, algumas coisas vão muito mal agora, estou pregando para mim mesmo, primeiro), não é hora de comprar o favor de Deus. É hora de confiar no Deus que já ama.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Juízes

No carro da frente, alguém joga uma lata de refrigerante pela janela. Do seu lado, uma menina usa minissaia rosa e uma bota de veludo marrom apesar do calor que faz. Do outro lado, tem um sujeito com tatuagem no rosto e uma quantia infindável de piercings e um sujeito casado nitidamente tentando cantar a moça de visual gótico. Há gente de todos os tipos, cores, formas e tamanhos ao nosso redor e, assim mesmo, Jesus diz: “não julgueis para que não sejais julgados” (Mateus 7:1).

O ato de julgar pressupõe três fases básicas: a fase de conhecimento , a fase de decisão e a fase da execução da sentença. Na primeira você reúne os elementos que influenciarão na decisão; a segunda é quando você decide se aqueles elementos todos resultam em um saldo positivo ou negativo; e a terceira é quando você em coerência com a decisão. Reunir os elementos e decidir se eles são bons ou maus é inevitável. Você não pode fugir das duas primeiras fases. É inevitável ter uma opinião sobre lixo pela janela, piercings, cafonice, canalhice, devoção religiosa, humildade, orgulho, preguiça, homossexualismo, simpatia, hipocrisia e tudo o mais que compõe a complexa fauna humana. Algumas coisas você achará boas, outras você achará ruins, e entre o extremo bom e o extremo ruim há muitos tons de cinza.

É na fase da execução que temos alguma liberdade de atuação. Podemos dar o veredito e condenar aquilo que achamos ruim ou seguir o conselho de Jesus e abster-se de julgar. Não julgar, portanto, é diferente de não ter uma opinião. A opinião está lá, mas você escolhe não executar a sentença. Em lugar disso, Jesus convida você a interceder.

Hebreus 7:25 afirma que Jesus “por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”. Ele é o nosso exemplo, nosso modelo; somos convidados a fazer a mesma coisa: em lugar de acusar, alienar, desprezar ou evitar aquilo que é moralmente mau, intercedemos por eles. Oramos por eles.

Muita energia se perde no meio cristão em acusar o pecado ou o afrouxamento das normas morais. Há muito dedo na cara e bons cristão dizem que isso é “chamar o pecado pelo nome”. “Haja em vós”, conclama o apóstolo Paulo, “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5). Melhor, muito melhor do que ser um revelador do pecado é ser aquele que ora para que o pecado cesse.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Super poderes

Mãe, começou o filho de 5 anos de uma amiga, o Jesus tem muito poder, não é? É, filho. Ele pode fritar uma pessoa com raios se quiser, não é, mãe? Ele pode dar um soco muito forte em alguém e voar, não pode? Enquanto a mãe pensava na resposta mais tecnicamente correta, ele chegou onde pretendia desde o começo: você acha que se eu pedir bastante Ele não pode me dar uns poderes, mãe?

A Bíblia diz que Deus distribui entre todos que O seguem alguns dons. Nas listas de dons que encontramos na Bíblia não achamos voar, fritar pessoas, super força, ficar invisível ou em chamas, para tristeza de meninos que curtem super heróis. Em lugar disso há coisas bem mais sutis como ensinar, orar e profetizar. Paulo diz que devemos procurar com afinco os melhores dons, mas há um risco grande aqui. Podemos estar buscando os dons com motivos muito parecidos com os do menino que quer superpoderes.

João é um bom exemplo a ser seguido, nesse contexto. Foram-lhe dado grandes dons. Ele pregava com poder, tinha um discernimento prodigioso do certo e do errado, conseguia julgar as pessoas com uma sabedoria sobrehumana. Multidões afluíam até ele para ouvi-lo falar e para serem batizadas por ele. Até que veio Jesus e aí a assistência de João começou a minguar. Seus seguidores disseram: ei, aquele que você batizou está fazendo concorrência para você! Ele respondeu: Convém que ele cresça e que eu diminua (João 3:30).

João sabia que seus dons tinham um propósito e esse propósito era apontar e engrandecer a Cristo. Muitos cristãos não sabem disso. Eles buscam “os melhores dons” porque são aqueles que os colocam em maior evidência. A popularidade e a fama que advém do exercício de dons espirituais podem ser tão sedutoras quanto as que vêm do exercício dos talentos mais mundanos.

Se não temos em mente o propósito dos dons, estamos em perigo de persegui-los por motivos mesquinhos e egoístas. Seu exercício será uma catástrofe, então. Oswald Chambers observou que “se você se torna uma necessidade para uma alma, você está fora da ordem de Deus... Bondade e pureza nunca deveriam atrair atenção para si próprios, mas deveriam simplesmente atuar como imãs que conduzem a Jesus Cristo”. Na mosca. O afã de ser especial, de ser imprescindível para alguém pode obnubilar nosso objetivo real. Nossos dons deveriam conduzir as pessoas a desenvolver uma relação pessoal com Jesus, passando a dependerem dEle e só dEle para tudo.

Ou, como João ilustrou: “O que tem a noiva é o noivo; o amigo do noivo que está presente e o ouve muito se regozija por causa da voz do noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim” (João 3:29). Que a noiva e o noive se beijem. Nosso papel é apresentá-los.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Mais feliz

Que a paz esteja com você, Maria! Você é muito abençoada. O Senhor está com você” (Lucas 1:27). Foi assim que o anjo Gabriel saudou a adolescente Maria em Nazaré, antes de comunicar que ela seria mãe do filho de Deus. Muito abençoada. Outras versões dizem que ela havia achado graça aos olhos de Deus. Não vejo grandes complexidades nisso, mas algo naquelas palavras a fez cismar. “Porém Maria, quando ouviu o que o anjo disse, ficou sem saber o que pensar. E, admirada, ficou pensando no que ele queria dizer” (verso 29).

Nós sabemos a resposta. Maria recebeu a missão de gestar, dar à luz, amamentar e fazer crescer ninguém menos que o Filho de Deus. Sua missão foi espetacular e sua experiência única na História humana.

Anos mais tarde, uma mulher anônima chegou a essa mesma conclusão: "Ora, enquanto ele {Jesus} dizia estas coisas, certa mulher dentre a multidão levantou a voz e lhe disse: Bem aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que te amamentaste" (Lucas 11:27)

Jesus não discordou. Realmente, Maria era uma bem aventurada, ou seja, era muito feliz por ter tido essa oportunidade. Mas Jesus aproveitou para dizer que havia uma classe de pessoas que podiam alcançar uma felicidade ainda maior que essa:
"Mas ele respondeu: Antes bem aventurados os que ouvem as palavras de Deus, e a observam" (Lucas 11:28).

Um privilégio ainda maior do que ser mãe do Filho de Deus está reservado para mim e para você se tão somente dermos ouvidos a Suas palavras e deixarmos que elas revolucionem nossa vida.É simples e é garantido pelo próprio Deus.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O mensageiro e a mensagem

A primeira ordem de Jesus é “vem e segue-me”. A última é “vá e pregue”. A igreja enfatiza muito a última ordem porque ela dá o sentido de missão e de propósito de ser da própria igreja, mas há um perigo gigantesco em atender a essa ordem sem haver atendido à primeira antes.

Jesus nos constituiu pregadores a toda nação, tribo, língua e povo, mas também nos chamou para uma condição de filhos e filhas de Deus. É como filhos e filhas que levamos a mensagem ao mundo. Não somos um mensageiro cuja missão seja entregar uma mensagem que nem sabemos qual é, depois lavar as mãos e dar a missão por cumprida. Nós levamos a mensagem que vivemos. O evangelho é pregado “em testemunho” (Mateus 24:14). Não somos meros veículos de uma mensagem; somos a própria mensagem, somos uma carta escrita de modo tal que todos que não abrem uma Bíblia a possam ler de forma inequívoca no nosso sorriso, nas nossas escolhas, na nossa conduta e nas prioridades que elegemos para nossa vida.

Às vezes penso em Noé. Pedro diz que Deus o constituiu “pregoeiro da justiça” e Hebreus afirma que pela sua justiça ele condenou os homens de seu tempo. Significa que Noé não apenas limitou-se a construir a arca segundo o modelo mostrado por Deus, mas que ele se ocupou de pregar a seus contemporâneos acerca do juízo que viria. Quando a chuva enfim veio, encontrou Noé e sua família abrigados na arca, o que significa, por outro lado, que Noé não apenas pregava. Chegava um momento em que ele pedia licença porque tinha uns pregos a pregar. Havia coerência estrita entre a pregação e a vida do pregador. Sua família notava isso.

A igreja tem uma missão e essa missão envolve também pregar acerca de um juízo que está se aproximando. Haverá fogo como um dia houve água. A arca que há para ser construída hoje e que possibilitará passar incólume por aquele dia é nosso caráter. Poucos na igreja, contudo, pregam sobre esse dia. Menos ainda pregam e laboram na construção de seu caráter. Sem problemas. Não é preciso muitos, nem que eles sejam muito brilhantes. Só é preciso que eu esteja entre eles e o máximo de pessoas ao meu redor esteja também. Se eles puderem ler essa mensagem em minha vida, ótimo. Minha vida não terá sido em vão.

Mas só serei um mensageiro eficaz se antes eu tiver atendido à primeira ordem e tiver seguido Jesus, andado com Ele, passado horas e horas na Sua companhia, ouvindo Sua voz, admirando Sua ética e Seu caráter. Caso contrário serei um mero mensageiro, e não um filho dEle, e mensageiros não mudam vidas. A mensagem é que muda, com o poder do testemunho.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O Senhor está aqui

“Conheçamos e prossigamos em conhecer o Senhor” é a recomendação de Oséias (6:3). O que eu sei sobre Ele é pouco e insatisfatório. O que pode a larva que se arrasta por um galho de árvore saber da floresta em que ela está? Esse pensamento, longe de me conformar, só aumenta a sede.

Dizemos, por exemplo, que Ele é onipresente. Como se pudéssemos conceber alguém que está em todo lugar ao mesmo tempo. Nossa limitação espacial torna o conceito extremamente abstrato. Mas conhecer e prosseguir em conhecer pode implicar em ver mesmo aí coisas novas. Deus não está limitado no espaço, mas não só : no tempo também . Assim, dizer que Ele é onipresente implica em que neste exato instante Ele está aqui, me propiciando escrever essas toscas e imperfeitas linhas, mas também em algum dia perdido na minha primeira infância, enquanto eu empilhava blocos de madeira na casa silenciosa, e também em uma tarde esquecida da adolescência enquanto eu dormia com um livro de ciências na barriga, e também em algum dia escondido em um futuro distante, enquanto eu dirijo à noite tentando enxergar por entre o movimento frenético do limpador de parabrisa. Deus está aqui e agora, mas também ontem e amanhã e sempre. Quando sinto e quando ignoro, tocando minha vida distraidamente.

Ele não estava com José apenas quando ele foi coroado governador do Egito. Ele estava lá também quando ele chorava dentro da cisterna, ou no caminho para o Egito sob o estalar do chicote. Ele estava lá quando parecia dar tudo errado, quando José era atirado injustamente no cárcere. Deus estava lá. Ele é onipresente, Ele está sempre, Ele é sempre. Ele estava lá quando João Batista foi decapitado. Quando Pedro foi crucificado. Com o jovem rico antes, mas também na manhã seguinte à escolha que determinou seu destino. Ele está lá mesmo quando tudo indica que não está.

Quais as consequências dessa percepção? Pode ser um estímulo à confiança mas pode ser também de desconforto por saber-me constantemente sob os olhos de alguém. A escolha é minha. Só não posso me iludir pensando que a ignorância desse fato era melhor do que o conhecimento.

A floresta é imensa e eu não passo de uma larva.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Para que se lembrem de mim

“Há algo no olhar do homem que pertence à essência das coisas que não perecem”, disse com a costumeira maestria Cyro dos Anjos. Há uma angústia pela morte, um pavor do esquecimento. O mundo hoje chora a morte de Steve Jobs, o emblemático líder da Apple, empresa que, em um cenário de extrema competitividade, conseguiu causar uma impactante e - tudo indica - duradoura transformação no mundo.
Embora prematura, sua morte tem um quê de pacífica. Afinal de contas, Jobs deixou um legado. Seu nome não será esquecido. Tão cedo, pelo menos.

Porque ser esquecido é um dos maiores medos do ser humano. O pensamento de que sua vida pode ter sido completamente inútil, completamente descartável é uma tortura que fustiga toda vez que somos defrontados com a inescapável fragilidade da vida. No amargo final de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", Machado de Assis explora esse sentimento colocando na boca de seu protagonista este lamento: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de minha miséria”. No Oriente Antigo, a pior desgraça para alguém era morrer sem passar adiante seu nome. "Lembra-te de mim", foi o clamor do ladrão na cruz para Jesus.

A Bíblia nos garante que não precisamos ser Steve Jobs para deixar um legado, para termos nosso nome lembrado não por uma geração ou duas, mas pela eternidade afora. Há apenas um prérrequisito: "E ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam" (Apocalipse 14:13). O prérrequisito é morrer "no Senhor". É, antes de chegar esse dia, que chega para 100% de nós, os vivos, desenvolver um relacionamento de amizade e confiança com Deus, aguardando Sua volta com fidelidade.

Se você tiver essa experiência, é um bem aventurado, todas as suas obras o acompanharão, você não será esquecido pela eternidade afora. Não precisa se preocupar com o esquecimento. Seu nome estará gravado nas mãos de quem é eterno.

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O que você quer ganhar?

Naquele dia seus ouvidos foram assaltados por um ruído incomum. Era uma multidão que vinha para Jericó. Tateando ele conseguiu segurar as vestes de alguém para perguntar o que estava acontecendo, quando ficou sabendo que Jesus, o nazareno, estava chegando à cidade. Era sua grande chance. Ele largou para trás sua capa, provavelmente uma das coisas mais preciosas e valiosas que tinha, não queria que nada atrapalhasse seu caminho até Jesus. Começou a gritar desesperadamente por Jesus, e conseguiu fazer com que sua voz suplantasse o barulho da multidão. Jesus olha para aquele cego e pergunta o que ele quer.

Imagine Bill Gates chegando para um filho seu e perguntando o que ele quer ganhar de natal. Se você é filho de um dos homens mais ricos do mundo, o que pede? Suponho que não seja um brinquedinho que dão no lanche do McDonald´s ou uma nova mochila para ir à escola.

- Senhor, eu quero ver – foi a resposta do cego.

Num sábado abafado Jesus desceu ao tanque de Betesda, onde achou um paralítico de nascença. Para ele também veio a pergunta: o que você quer? E aquele homem disse que tudo o que queria era ter alguém para levá-lo para dentro do tanque quando um anjo viesse e agitasse a água. Estava ali, à sua frente, quem podia dar muito mais, podia dar logo a cura, mas ele não sabia quem era Jesus nem do que Ele era capaz e essa ignorância tornou seu pedido absurdo.

Quando você sabe quem é Jesus e do que Ele é capaz você não enrubesce na hora de pedir. Você não sonha com o brinquedinho do McDonald´s. Você pede o que não pode pedir a mais ninguém, você estufa o peito e pede o impossível. Quando você reconhece a face de Deus e ouve Sua pergunta: o que você quer que Eu faça?, se você nunca viu pede logo para ver, se nunca andou pede para andar, se não voou pede para voar, se sofreu pede a cura, se caiu e caiu repetidas vezes, pede a salvação. Porque é isso o que se pode esperar de um Deus: o que mais ninguém neste mundo pode fazer, o impossível, o sonho mais ambicioso, o projeto mais fantástico.

Você pode pedir qualquer coisa a Deus, mesmo uma coisa pequena e irrelevante, mas Ele tem muito mais a dar e está ansioso para ouvir o que você vai responder quando hoje lhe perguntar: o que você quer, meu filho?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Manifesto

“Portanto, meus irmãos, o que é que deve ser feito? Quando vocês se reúnem na igreja, um irmão tem um hino para cantar; outro, alguma coisa para ensinar; outro, uma revelação de Deus; outro, uma mensagem em línguas estranhas; e ainda outro, a interpretação dessa mensagem. Que tudo seja feito para o crescimento espiritual da igreja” (I Coríntios14:26, NVLH).

Procura-se uma igreja em quem não se assistam cultos, mas onde cultos a Deus sejam prestados.

Procura-se uma igreja em quem cada um de seus membros se sinta à vontade para falar, cantar, ler algo que o tocou, onde a adoração seja orgânica e coletiva e aconteça em espírito e em verdade. Uma igreja em quem o louvor seja espontâneo, orgânico, natural como respirar e onde todos tenham a oportunidade de participar, não apenas uns poucos iniciados na arte.

Procura-se uma igreja em quem seus membros tenham tanta ou mais atenção nas necessidades de seus irmãos do que na retórica do que é dito.

Procura-se uma igreja em quem qualquer pessoa seja acolhida com calor, independentemente de estar vestido conforme o padrão cultural momentâneo.

Procura-se uma igreja em quem intuitivamente se odeia a zona de conforto, a estagnação espiritual, a mesmice e o automatismo, em quem nada é feito só porque deve ser feito ou só porque está escrito em algum lugar que deve ser feito.

Procura-se uma igreja em quem a necessidade de haver ordem não seja desculpa para inibir a espontaneidade.

Procura-se uma igreja capaz de respeitar o nível de maturidade espiritual de cada membro.

Procura-se uma igreja que primeiro envolva as pessoas, para só então pontuar a centralidade do amor a Deus e só depois disso, exclusivamente depois disso, aponte para reformas comportamentais.

E, enquanto eu não encontrar uma igreja assim, serei a igreja assim.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O segundo mandamento

O primeiro e maior mandamento é amar a Deus. O segundo, infelizmente, não é aquele do qual gostamos mais (aquele que conseguimos cumprir com um pé nas costas...); é um mandamento dos mais difíceis: "O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.” (Mateus 22:39 e 40).

O primeiro problema é justamente esse negócio de eu ser obrigado a amar. Amor é cada vez mais visto como uma coisa que brota espontânea, que não se pode controlar. Claro, a velha palavra amor é usada e abusada; você ama sua mãe, mas também ama pastel de queijo. Colocadas lado a lado fica evidente que, embora se empregue a mesma palavra, não se trata da mesma coisa, em absoluto. Bem, o primeiro problema se supera quando nos damos conta de que confundimos amor com paixão, com uma sensação. Amor não é sentimento, é algo bem maior que isso e não será amor – mas apenas um tipo de paixão - enquanto não passar pela razão. Enquanto não passar por uma decisão. Você decide amar. Você escolhe amar. Nesse sentido, o amor pode, sim, ser um mandamento.

Mas há um pressuposto para o amor do segundo grande mandamento: ele vem depois do amor do primeiro grande mandamento. É apenas nessa moldura que ele faz sentido. Paulo sabia bem disso: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus” (II Coríntios 4:5). Paulo servia e amava aos irmãos porque antes amava Jesus.

Como observa Oswald Chambers, “se estamos devotados à causa da humanidade, logo estaremos esmagados e de coração partido, porque vamos frequentemente encontrar mais ingratidão dos homens do que encontraríamos de um cachorro; mas se nosso motivo é amor a Deus, nenhuma ingratidão pode impedir-nos de servir a nossos irmãos... Quando percebermos que Jesus Cristo nos serviu a despeito de toda nossa mesquinharia, nosso egoísmo e pecado, nada que os outros nos façam poderá exaurir nossa determinação de servi-los em nome dEle”.

Há dois grandes textos bíblicos que servem para identificar os verdadeiros seguidores de Jesus. Um deles é este: “Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Apocalipse 14:12). O outro é este: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (João 13:35). Curiosamente, ouvi muito mais sermões e estudos bíblicos sobre o primeiro texto do que sobre o segundo.

Você quer seguir a Cristo? Agora você sabe claramente o quanto isso vai lhe custar. Você será obrigado a decidir amar. Você se verá na contingência de agir como quem já ama, mesmo que não "sinta" isso. Você terá que abrir mão do orgulho próprio, do que você chama de dignidade, do que você chama de senso de justiça, e trocar tudo isso pelo tipo de sentimento que Jesus teve pela humanidade que o escorraçou, açoitou, torturou e matou. Não há outro caminho. Mas é só neste caminho que há felicidade.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Nova ordem

O que os discursos de posse dos últimos 4 presidentes norteamericanos têm em comum? Tanto Bush pai quanto Clinton, Bush filho e Obama, dois republicanos conservadores, dois democratas ditos progressistas, todos eles enalteceram a necessidade da criação de uma nova ordem mundial. É mais do que um chavão retórico; essa sutil conclamação a uma nova ordem mundial ecoa o discurso dos gurus da “nova era”, um tempo em que fronteiras regionais não fazem sentido, onde religião, raça e opção sexual não mais distinguem ninguém, exatamente como John Lennon sonhou em sua famosa “Imagine”.

Bem, você não altera a ordem mundial sem unir os povos em torno de algo. Em “Watchmen”, clássico da histórias em quadrinhos dos anos 80, a única forma de acabar com a guerra fria e a ameaça iminente de uma guerra nuclear é a simulação de um ataque alienígena. Inventa-se um inimigo comum a todos de modo que esquece-se as diferenças para fortalecer o contrataque. Claro que, para tornar mais verossímil e temível o inimigo comum, é preciso sacrificar a vida de alguns milhares de inocentes.

O ataque alienígena do mundo real aconteceu há 10 anos quando aquelas torres gêmeas no coração financeiro de Nova York ruíram. Com elas ruiu também uma parcela relevante do esteio econômico da maior economia do planeta. As seguradoras e as companhias aéreas não haveriam sobrevivido se a economia não fosse fortemente estimulada. Ela foi, com concessão de crédito barato a qualquer um, mesmo quem não tinha condições de pagar; deu certo por um tempo, a economia cresceu entre 2003 e 2008, quando, contudo, a loucura cobrou seu preço. Bancos falindo e a inauguração de uma era aparentemente extensa de recessão.

Paralelamente à concessão de crédito fácil, a opção norteamericana foi por inventar uma guerra absolutamente sem sentido onde se enterraram trilhões de dólares, boa parte deles caindo nos bolsos de aliados do regime. Ditaduras aparentemente perenes na Arábia começam a ruir e ninguém sabe pelo que serão elas substituídas, mas isso ajuda a criar a noção de progresso, de avanço, de paz e fraternidade. No Brasil e nos outros BRICS a economia tem um sopro inédito de sucesso, fomentando a ilusão de que o eixo de poder no mundo começa a se inclinar em nosso favor e de que poderemos viver num futuro próximo de forma tão irresponsável quanto os norteamericanos nas últimas décadas, consumindo de forma absolutamente insustentável.

A nova ordem mundial tem sido inaugurada de formas muito estranhas. Esquisito pensar que ela será apressada com guerras inventadas ou com essa economia em que a conta não fecha.

Enfim, precisamos é não esquecer de uma verdade com o selo de autenticidade de Jesus: nova ordem de fato, e para melhor, será inaugurada por Ele em Seu retorno. Que será breve, espero.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O primeiro mandamento

Por que desobedecemos a Deus? O que está na origem da nossa incurável incapacidade de simplesmente obedecer?

A Bíblia nos apresenta alguns grandes axiomas: Deus é amor; Deus é Criador e Mantenedor; a raça humana virou as costas para Deus ao pecar; Deus entregou Seu filho para morrer pela raça humana, etc. Dito isso, ela passa então a nos dizer o que fazer a respeito. Ela mostra como isso impacta na nossa vida. Ao resumir essa parte da Bíblia, Jesus não precisou de muitas palavras: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.” (Mateus 22:37-40).

O primeiro mandamento é para amar a Deus. É curioso que ele seja um mandamento, algo que você precisa fazer independentemente de querer, porque amar é o tipo de coisa que costumamos enxergar como um sentimento, uma coisa que não passa pela nossa vontade. É algo que acontece. Uma paixão. E mais curioso ainda é que o primeiro mandamento seja amar quando lemos o mesmo Jesus afirmando que “Se me amais, guardareis os meus mandamentos.” (João 14:15). Ou seja, o amor vem antes da guarda dos mandamentos, mas o primeiro mandamento é justamente amar a Deus.

Bem, talvez nosso estranhamento dessa dinâmica venha do fato de que não entendemos o que é amor. Talvez o amor passe, sim, por uma decisão racional. Você decide amar. Você primeiro decide agir como quem já ama.

Isso explica porque tanta gente desobedece a Deus. Costumamos acreditar que a desobediência nasce de uma postura antagônica a Deus, uma atitude deliberada, mas talvez ela nasça mesmo do simples fato de que não amamos a Deus. Se você tem um chefe ausente, será tentado a não obedecê-lo em tudo. E fomos nós quem ausentamos a Deus de nossa vida. Desobedecemos a Deus porque não passamos tempo suficiente com Ele para respeitá-lO e amá-lO; não passamos tempo suficiente com Ele porque não decidimos fazer isso.

Quando você ama, é impossível não obedecer. Quando você obedece, é impossível não amar. Quando decidirmos que é hora de parar de brincar com a vida, vamos escolher passar tempo com Deus, abrindo Sua palavra diariamente e orando sem cessar. Isso nos levará a amá-lO com todo o coração, toda a alma e todo o entendimento. O resto simplesmente fluirá.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Entre os mortos

Lucas 8:1 diz que Jesus andava de cidade em cidade e de aldeia em aldeia. No mesmo capítulo vemos que chegou a vez de Gadara. O comitê de recepção da cidade para Jesus e seus discípulos foi um (ou dois, conforme Mateus) endemoninhado que vivia num estado deplorável. Nu, vivia no cemitério da cidade “clamando” por entre os túmulos e se ferindo.

Ao restituir aquele homem a uma condição de dignidade, Jesus ganhou a inimizade dos gadarenos. Eles sofreram um prejuízo econômico com a destruição de uma manada de porcos para onde os demônios que atormentavam aquele homem se transferiram; então, eles preferiram continuar com seus doentes e aflitos, mas com seus rebanhos intactos, a ter Jesus ali por mais tempo.

Na sequência acontece o único episódio de que me lembro em que Jesus diz “não” a alguém que quer segui-lO. Aquele homem, curado, restituído à razão e cheio de gratidão, quer continuar seguindo Jesus, mas Jesus ordena que continue ali. O nome disso é graça. Os gadarenos não queriam mais Jesus, mas Jesus continuava querendo os gadarenos. Ele deixou no meio deles um lembrete eloquente do que acontece quando Ele entra em um lugar: libertação e cura, coisas melhores do que porcos.

Com quem você seria capaz de se identificar nessa história? Com os criadores de porcos? Com os discípulos indignados com o tratamento que recebem dos gadarenos? Deixe-me dar uma outra sugestão: que tal o endemoninhado?

Quando estamos longe de Jesus também andamos nus, porque a nossa justiça própria é “como trapos de imundícia” (Isaías 64:6). Quando estamos longe de Jesus nós também andamos entre os mortos, preferimos estar com os mortos espirituais, aqueles que “têm fama de que vivem mas estão mortos” (Apocalipse 3:1). Para estes, Jesus diz “deixe que os mortos enterrem seus mortos” (Lucas 9:60). Quando estamos distantes dEle, nós nos ferimos sem perceber, nos machucamos, nos fustigamos, nos vilipendiamos e diminuímos a uma situação de degradação - e o triste disso é que muitas vezes em nossa ignorância e cegueira chegamos a nos orgulhar desse estado.

Talvez haja, perto de você, alguém que estava nessa situação mas não está mais. Saiba que ele é um lembrete de Jesus a respeito do tipo de sonho que tem a seu respeito. Saiba que ele é uma pergunta ambulante para você: “e aí? O que realmente vale a pena neste mundo? Seus porcos ou a presença de Jesus?”

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Enquanto a manhã não vem...

Um belo dia Jesus chamou à parte Seus doze discípulos para os mandar numa missão. Essa missão envolvia expulsar demônios e curar doentes e requeria uma coisa rara: coragem. Foi por isso que, ao final das orientações para essa missão, Jesus os encoraja dizendo: "O que vos digo no escuro, dizei-o na luz; e o que escutais ao ouvido, pregai-o sobre os telhados" (Mateus 10:27). O contexto dessa frase é entendido com a frase que vem a seguir ("Não temam os que matam o corpo e não podem matar a alma"), mas hoje peço que você me permita tirá-la do contexto para focar em um fato curioso que Jesus coloca: há coisas que Ele nos fala no escuro.

Nossa geração tem cada vez menor tolerância à dor. Os gráficos de vendas dos analgésicos provavelmente endossem essa minha percepção. Nossa reação à dor de nossos filhos é escandalosa e somos cada vez mais intolerantes com nosso próprio sofrimento, o que gera uma percepção coletiva de que a dor é uma exceção à regra geral de conforto, um corpo estranho, algo que pode ser evitado e extirpado. Bem, a Bíblia não ratifica essa conclusão, ao contrário, Jesus é claro quando elimina qualquer ilusão nesse sentido ao estatuir, simplesmente, que "no mundo tereis aflições"(João 16:33).

É por isso que pode servir de consolo eficaz saber que há algumas coisas que Jesus nos fala nesses momentos de escuridão, coisas que só poderíamos ouvir nesse estado de coisas. Oswald Chambers vai além e observa que os momentos de escuridão são aqueles nos quais não deveríamos abrir a boca, pois se o fizéssemos falaríamos com o humor errado. "A escuridão é o tempo de ouvir", ele afirma. Talvez porque a escuridão é o momento mais propício para ouvirmos as coisas com humildade, coisas que em outros momentos teríamos dificuldades sérias para digerir.

"O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã" (Salmo 30:5). Há noites, é inescapável; enquanto o senhor deste mundo não for julgado será assim. Por que você não as aproveita? Por que não faz uso delas para, quando a manhã chegar, encontrar uma outra pessoa esperando pela alegria, uma pessoa melhor, mais íntima de Deus e mais confiante na forma como conduz sua vida?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Quem pergunta quer ensinar 5

Mas, quando o assunto são as perguntas que Deus faz, não há competidor à altura dos capítulos 38 a 41 de Jó. Nesses quatro capítulos eu contei rapidamente algo como 66 perguntas. É uma saraivada,uma metralhadora de questões feitas por Deus a Jó. Deus pergunta coisas como “Onde estavas tu quando eu lançava os fundamentos da terra? Acaso tu entraste até os mananciais do mar, ou passeaste pelos recessos do abismo? Sabes tu o tempo do parto das cabras montanhesas? Acaso deste forças ao cavalo ou revestiste de força o seu pescoço? Podes levantar a tua voz até as nuvens, para que a abundância das águas te cubra ou ordenarás aos raios de modo que saiam?” Mas talvez a pergunta mais desconcertante seja a primeira: “Quem é este que escurece o conselho com palavras de conhecimento?” Esta pergunta encontra eco na que inaugura o capítulo 40: “Contenderá contra o Todo-poderoso o censurador?” Ou seja: “Quem é este? Quem é este que está questionando seu Deus?

Jó tem sido louvado pelos séculos pela sua paciência, mas quem cunhou a expressão “paciência de Jó” decerto parou a leitura no capítulo 2 do livro. Nos demais todos vemos um homem lutando, discutindo, esbravejando, insistindo com Deus por uma resposta para a razão do sofrimento. Aquela enxurrada de perguntas é a resposta.
Curioso que você e eu sabemos a razão do sofrimento dele. Nós temos os dois primeiros capítulos do livro, sabemos que Jó foi fustigado por Satanás, que estava tentando provar a Deus que a obediência de Jó era fruto da proteção divina. Foi por isso que seus filhos morreram, que ele perdeu todos os bens e que foi atingido por horríveis feridas de pele. Mas ele não sabia disso e, a julgar pelo final do livro, morreu sem saber. Quando Deus lhe apareceu, fez-lhe aquele monte de perguntas sem resposta, virou as costas e Se foi.

Jó deixa claro que questionar, lutar, esbravejar não é um pecado. Deus restitui tudo o que Jó tinha antes em dobro e o livro é claro em dizer que Jó não pecou com seus lábios. Perguntar os por quês dessa vida não é um pecado. Reprimir a pergunta é um erro, porque a pergunta é humana, nós queremos entender e fingir que isso não faz diferença é hipocrisia, aquela coisa que Deus odeia. Mas Jó também deixa claro: nem sempre haverá respostas. Na sabedoria de Deus Ele vê que na maior parte das vezes o que nós precisamos não é de respostas. É uma oportunidade para confiar nEle. Entender as coisas nunca salvou ninguém. Confiar em Deus nunca deixou ninguém sem ser salvo.

Quando Deus atirou sobre Jó aquelas quase 70 questões num fôlego só, se Jó apurasse os ouvidos escutaria que a mensagem era: “minha graça te basta. Confia em Mim.” Deus não queria saber o tempo de parto da cabra montanhesa, Ele o sabia muito bem. O que Ele queria com Jó e continua querendo hoje com você é lhe fazer ver que chega uma hora em que é preciso parar de se debater e debater; é preciso acalmar o coração e fazer a mais importante de todas as escolhas: confiar nEle.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Quem pergunta quer ensinar 4

Outra pergunta interessante de Deus aparece lá em Jonas. No capítulo 4, duas vezes Ele lhe pergunta “é razoável essa tua ira?” A primeira vez (Jonas 4:4) é quando Jonas se revolta por Deus haver desistido de destruir Nínive ao vê-la arrependida. Jonas chega a pedir para Deus matá-lo. A segunda (Jonas 4:9) é quando morre a planta que havia nascido ao lado da cabana de Jonas e que lhe fazia uma sombrinha benfazeja.

Aqui, nitidamente, a intenção do questionador não é conseguir alguma informação, mas provocar uma reflexão necessária. Na primeira vez Jonas não responde nada, apenas sai da cidade e faz uma cabaninha, como quem diz: vou ficar aqui até Deus mudar de ideia outra vez. Na segunda ele não aproveita a chance dada por Deus para refletir melhor. Ele responde: sim, é muito razoável a minha ira (verso 9)! Na sequência Deus mostra o quão irrazoável era sua ira. Argumenta que Jonas estava irado pela morte de uma aboboreira mas estava louco para ver a morte de mais de 120 mil pessoas e muitos animais.

A ira de Jonas nasce do fato de ele ter expectativas muito firmes a respeito de Deus. Ele quer que Deus aja de uma forma específica. Qualquer coisa fora dessa moldura que ele tem na cabeça lhe parece inaceitável. Ele prefere morrer a ter de lidar com a ideia da existência de um Deus diferente do que ele entende que é o correto ou adequado.

Os discípulos de Jesus também alimentavam expectativas erradas a respeito dEle e por isso caíram em depressão profunda quando tudo aconteceu de forma diferente, e o fato é: as coisas acontecem de forma diferente da que esperamos muito frequentemente! As coisas não saíram como José havia planejado; de repente ele era um escravo no Egito. As coisas não saíram como Saulo havia planejado; de repente ele era um apóstolo perseguido, apedrejado e por fim aprisionado e decapitado. As coisas não saíram como Pedro havia sonhado, nem como Moisés havia planejado e absolutamente nada tinha acontecido como Daniel costumava fantasiar em sua infância lá em Jerusalém.

Quando algo sai do trilho que você deseja e acha que merece ou que é mais justo, Deus pergunta: é razoável essa tua ira? Você não deveria reagir de forma coerente com o fato de que Eu sou Deus e você não é?

Deixe Deus ser Deus. Ele é muito melhor do que você nisso!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Quem pergunta quer ensinar 3

Jacó ganhou seu nome, que significa “suplantador”, ou “mentiroso”, quando nasceu agarrado ao calcanhar de seu irmão gêmeo, Esaú. Ele fez jus ao nome quando comprou do irmão faminto seu direito de primogenitura, pagando por isso um prato fumegante de lentilhas e também quando se travestiu de Esaú para enganar seu pai Isaque e receber a benção que era, por direito, de Esaú. Ganhou a benção, mas a consequência imediata dela foi ter de fugir para muito longe, onde a ira de seu irmão ludibriado não poderia alcançá-lo.

Agora Jacó está retornando para casa. Ele atravessou o Jaboque da primeira vez apenas com um cajado e agora está retornando com muitos servos, uma família grande e muito gado. Ele manda servos à frente para levar presentes ao irmão e esses servos voltam dizendo que Esaú está a caminho, e com ele 400 homens.

Jacó se angustia. Separa sua caravana em dois grupos para que pelo menos um deles seja poupado e fica sozinho, orando, reconhecendo que não era digno de estar ali com tantas bênçãos materiais e lembrando a Deus as promessas que lhe fizera. De repente aparece alguém e Jacó começa a lutar com o estranho. Ele luta por um longo tempo com o próprio Jesus e, quando percebe que estivera lutando com alguém que não era humano, agarra-o e reclama uma benção.

É nesse instante que ouvimos outra das inquietantes perguntas de Deus: qual é o seu nome? Ele sabia muito bem o nome de Jacó, então por que a pergunta? Bem, da primeira vez que Jacó obtivera uma benção fora na base da mentira. Ele agora está reclamando outra, mas Deus quer que ele comece reconhecendo quem ele é. Jacó precisa responder perante Deus, em alto e bom som, que ele é um suplantador, um mentiroso. É ali,na sequência, que Deus muda seu nome para Israel, ou “aquele que luta com Deus”.

Deus hoje sai ao nosso encontro com a mão cheia de bênçãos e uma ideia a nosso respeito que é muito mais alta do que a que nós mesmos fazemos. Mas é preciso que reconheçamos nosso erro. Que admitamos quem somos de fato. Que tiremos a máscara que colocamos para os outros verem, a máscara de respeitabilidade, de santidade. É preciso responder com nosso nome real antes de recebermos um outro nome, muito melhor. Este é o primeiro passo da jornada para cima, sem confissão não há perdão.

Se você anda lutando com Deus, responda-Lhe quem é você de verdade. E então levante-se como nova criatura.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Quem pergunta quer ensinar 2

A segunda das curiosas perguntas que Deus faz e que estão registradas na Bíblia aparece logo no capítulo seguinte, Gênesis 4:7: Então o Senhor perguntou a Caim: Por que te iraste? E por que está descaído o teu semblante? Caim estava furioso porque Deus havia aceito o sacrifício de Abel e não o dele.

Abel havia sacrificado aquilo que Deus havia exigido, um cordeiro, como lembrete de que a solução para o problema da humanidade envolvia a morte de um inocente. Caim levou frutas de seu pomar. Não havia problemas em levar algo que Deus não havia pedido. Ele gosta de tudo que levamos a Ele, como gostou do vidro de alabastro caríssimo que foi derramado em seus pés na casa de Simão. O problema é deixar de levar aquilo que Ele solicita. Caim não levou, se enfureceu e Deus arrazoou com ele: é razoável você se enfurecer por isso?

Mas a pergunta vital de Deus para Caim aparece depois que ele assassina Abel: Onde está Abel, teu irmão? (verso9). Deus sabia muito bem onde Abel estava, não precisava da resposta de Caim. O que Ele queria com a pergunta? E por que não perguntou apenas onde estava Abel, mas acrescentou “teu irmão”? Ao pensar no que responderia, Caim seria forçado a se dar conta do que fizera: assassinara um homem; e a quem fizeram: o homem era seu irmão! Ao perguntar aquilo Deus parecia querer que Caim admitisse o tamanho da atrocidade que havia cometido e para a qual estava avisado pelo próprio Deus.

Caim respondeu: acaso sou eu guardador do meu irmão? Ele escolheu ignorar o fato, insistir na tentativa de enganar o próprio Deus.

Bem, hoje ainda Deus sai ao nosso encontro e nos pergunta “onde está o teu irmão?” Podemos imitar Caim. Podemos dar de ombros e dizer “ema, ema, cada um com seus problema”. Podemos ignorar que fomos chamados para pertencer a um corpo, um corpo no qual nenhum membro esquece a existência do outro membro. “Desse modo não existe divisão no corpo, mas todas as suas partes têm o mesmo interesse umas pelas outras.Se uma parte do corpo sofre, todas as outras sofrem com ela. Se uma é elogiada, todas as outras se alegram com ela.” (I Coríntios 12:25 e 26).

Ou podemos fazer diferente, porque Caim não é uma boa pessoa para ser imitada. “Portanto, animem e ajudem uns aos outros, como vocês têm feito até agora... Pedimos a vocês, irmãos, que aconselhem com firmeza os preguiçosos, dêem coragem aos tímidos, ajudem os fracos na fé e tenham paciência com todos.” (I Tessalonicenses 5:11 e 14).

Onde está o teu irmão? Aquele que costumava sentar perto de você na igreja, talvez? Onde está?

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Quem pergunta quer ensinar 1

Deus é onisciente. Exemplificando: isso significa que Ele sabe muito bem como vai o seu pâncreas nesse momento. Ele sabe como vai o seu pâncreas, o seu fígado, o baço, o pulmão, o coração, o cérebro, as córneas e quantos fios de cabelo há na sua cabeça. Ele sabe isso tudo a respeito não só de você mas de todas as pessoas que estão vivas na Terra neste instante. Ele sabe isto tudo não só sobre todas as pessoas vivas mas também sobre todas que já morreram e sobre as que ainda vão existir. Afirmar que Deus é onisciente vai muito além do alcance de nosso intelecto limitado. Ainda assim, encontramos uma série de perguntas feitas por Deus na Bíblia e, se Deus é onisciente, aqui não se aplica a expressão “quem pergunta quer saber”. O que Deus pretende ao fazer perguntas a seres humanos?

A primeira delas aparece no capítulo 3 de Gênesis: “Mas chamou o Senhor Deus ao homem, e perguntou-lhe: onde estás?” Naquele instante, Adão e Eva estavam escondidos no jardim, atrás de algum arbusto. Nas mãos tinham folhas de figueira, que tentavam costurar estabanadamente para cobrir sua nudez; nudez que eles acreditavam que era a fonte do desconforto que sentiam. Não era, claro. A fonte daquela angústia era a separação de Deus ao escolher outra coisa qualquer quando havia um “assim diz o Senhor” apontando em outra direção. Eles foram os primeiros a descobrir que quando estamos separados de Deus não temos paz, temos um buraco no peito.

Quando Deus perguntou “onde estão vocês?”, o que deve ter acontecido no íntimo de Adão e Eva? Aquela pergunta foi a forma sábia de Deus de confrontar o primeiro casal com a verdade avassaladora: veja onde estou, veja onde eu vim parar – estou longe de meu Criador, estou me escondendo dEle!

Deus fez vestes de pele para que eles se cobrissem. Era como se dissesse: “só Eu resolvo o seu problema. Sua tentativa de dar um jeito na situação é ridícula, ridículo como andar vestido com folhas de figueira. Isso não são roupas, veja, eu dou roupa de verdade a vocês, roupa que custa a vida de um inocente”.

A pergunta que cortou o silêncio naquela tarde no Eden cortou também o coração de nossos pais. A pergunta que Deus fez confrontou-os com o que haviam feito, com a escolha que tinham feito, com o lugar para onde ela os havia levado e com a estupidez que é revoltar-se com Aquele que os havia feito para serem felizes.

Gosto de pensar que, da mesma forma como Deus não desistiu de Seus primeiros filhos quando eles Lhe viraram as costas, fizeram o que Ele havia falado para não fazerem e se esconderam dEle, ao contrário, foi atrás deles e os chamou, bem, gosto de pensar que Deus não desiste de mim e que às vezes Ele me pergunta “onde você está?”

Ele tem a solução do seu problema nas mãos e pergunta: onde você está? Ele não precisa da resposta, porque Ele sabe onde você está. Ele quer que você descubra isso.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

As duas últimas disciplinas: guia e celebração

As duas últimas disciplinas sobre que Foster escreve são as disciplinas da condução divina (guia) e a da celebração.

Estamos acostumados a procurar a condução divina num âmbito individual, mas Foster se refere a um outro tipo de guia, aquela que conduz coletivamente um corpo de crentes. Assim como o povo de Israel era guiado pela coluna de fogo à noite e pela nuvem de dia, assim como a igreja primitiva era guiada pelo Espírito Santo, podemos ter a experiência de ser conduzidos corporativamente.

Não se trata do tipo de condução denominacional a que estamos acostumados, em que alguns delegados e pastores votam esta ou aquela proposta, mas o tipo de experiência retratada em passagens como Mateus 18:19 e 20 e Atos 13:1-3. Algumas igrejas têm o costume de, após uma reunião de oração, meditação e louvor, talvez após algum tempo de jejum, abrir espaço para que qualquer membro que queira partilhe com os outros sua visão a respeito de um novo ministério ou alguma iniciativa que na qual ele próprio gostaria de se envolver. Qualquer outro membro então pode se aproximar e “testar o chamado”, inquirindo e orando até ver se não se trata de um entusiasmo passageiro.

A verdade é que passamos tempo demais na igreja e meditamos muito pouco em qual é a missão dela, para que ela serve, qual a sua finalidade. Se praticássemos a Disciplina da busca da condução divina em um âmbito coletivo, não correríamos o risco de tirar a igreja dos trilhos, de errar o alvo para o qual Deus a suscitou.

Por fim, temos a Disciplina da celebração. Em minha igreja, a Santa Ceia é um evento solene. Há todo um processional, a igreja permanece em silêncio, a música costuma ser grave e meditativa. Um dia um pastor visitante tentou dar-lhe um ar mais alegre, argumentando que aquele era um momento de festa, mas ele não teve muito sucesso. A seus rompantes eufóricos a igreja respondia com testa franzida.

Eu amo as Santas Ceias de minha igreja, são sempre um momento de reflexão e de reatamento dos laços que inauguramos um dia e confirmamos no batismo, mas sinto falta da celebração. Sinto falta de momentos em que podemos ser alegres pela redenção que já aconteceu e vai se consumar em breve.

Em II Crônicas 20 vemos como a festa começou antes do livramento acontecer, começou quando ele foi anunciado. Da mesma forma há um momento em que temos que jogar fora toda ansiedade, toda preocupação, e celebrar porque já somos alvos das maiores bênçãos. Como diz Augustine de Hippo, “o cristão deveria ser uma aleluia dos pés à cabeça”.

A celebração é a última Disciplina porque é a ela que as outras todas conduzem. Alegria é um fruto do Espírito. As outras disciplinas todas servem para nos levar à mais importante de todas as experiências, aquela que pode ser apontada como o sentido da vida: a experiência de aprender a confiar em Deus. E quem confia em Deus é alegre, é leve, celebra.

Minha igreja nasceu no auge do racionalismo do século XIX e por isso, toda forma de expressão de alegria, que é emocional e não racional, é visto com desconfiança. Cantar tirando os pés do lugar já deixa muita gente se coçando. Para piorar, nos últimos tempos têm surgido igrejas que enfatizam demais as emoções e o êxtase e que têm uma teologia distorcida, então toda manifestação de alegria cheira a isso. Bem, temos muito a aprender. Se meus filhos ao receberem presentes respondessem com o tipo de alegria que estamos acostumados a mostrar em nosso culto, eu ficaria extremamente frustrado.

Ao ser confrontado com a magnitude da salvação, louve, cante, celebre. Aja em harmonia com o que você sente, porque Deus se agrada de quem é honesto com o que sente!

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil, 08/07/11

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A décima disciplina: louvor

“Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças” (Marcos 12:30). Este mandamento é prefaciado por Jesus com estas palavras: “O mais importante é este” (v. 29). Note que, embora o louvor tenha sido posicionado aqui nesta sequência depois da disciplina do serviço, ele vem antes. A prioridade divina é o louvor, serviço vem depois. Você primeiro ama a Deus (e quem ama expressa o amor, não existe amor calado), depois você ama o seu próximo.

Outra importante afirmação de Jesus é: “Está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura” (João 4:23). Confesso que até esta manhã eu nunca havia reparado na frase com que este verso termina. Jesus afirma claramente que Deus está à procura de adoradores.

Primeiro porque a adoração a Deus é uma questão de justiça. Ele merece ser adorado, por tudo o que é e por tudo o que fez, faz e fará. Segundo, porque a adoração é a resposta que podemos dar a tudo o que Ele fez, faz e fará. Como diz Foster, “No Gênesis, Deus andou no jardim, procurando por Adão e Eva. Na crucifixão, Jesus atraiu todos os homens para Ele (João 12:32). As Escrituras estão repletas de exemplos dos esforços divinos para iniciar, restaurar e manter o companheirismo com seus filhos”. O louvor é a resposta que damos a esses esforços. Ou, como afirma Valdecir Lima, em uma de suas inspiradas poesias, “o louvor é o sorriso da alma”.

Importante destacar que louvor não é sinônimo de cantar e cantar, mesmo hinos, está longe de ser sinônimo de louvor. Em “Viagem ao Sobrenatural”, Roger Mournau narra o culto a Satanás de que participou em uma igreja satanista. Ele se surpreendeu com o fato de eles cantarem os mesmos hinos que se cantam em uma igreja cristã, sem sequer mudar a letra. Aquilo era ofensivo a Deus, lhe explicaram. Para Ellen G. White, nada é mais ofensivo a Deus do que um louvor descuidado, em que o adorador não está “fazendo melodia em seu coração”. Porque adoração é uma coisa que só faz sentido se for em espírito e em verdade. Se sua mente e seu espírito estiverem naquilo. Se for de outra forma, não será adoração, não será louvor. Será uma afronta ao Criador.

Você pode adorar a Deus apenas meditando nos nomes que lhe são dados na Bíblia, ou os recitando em voz alta. Você pode adorar a Deus com música. Você pode adorar a Deus com uma atitude de gratidão sobre tudo, até mesmo pela criança que não para de chorar na igreja (porque é bom que haja crianças na igreja e é bom que elas estejam vivas e sejam normais!).

O louvor é central, e o melhor: é uma disciplina que você pode desenvolver em conjunto. Você pode convidar alguém para adorar com você. É estranho que façamos reuniões para estudar a Bíblia, reuniões para orar, mas dificilmente façamos reuniões só para louvar e adorar.

Há uma última coisa sobre louvor. A Bíblia mostra pessoas adorando em todas as posições e formas possíveis e imagináveis. Há gente adorando de joelhos, há gente adorando deitada, há gente adorando de pé, dançando e até mesmo vestido de saco e com cinzas na cabeça. Não há evidência de que Deus haja aceitado melhor aquela adoração do que esta. Você não sorri apenas com a boca e o louvor não requer de você apenas a voz e talvez um gesto de sobrancelha. Você só responde ao amor de Deus completamente se adorar com seu espírito e com seu corpo. Comendo ou bebendo, fazendo tudo para glória de Deus. O louvor não precisa ser, como se diz em muitas igrejas, “para nosso deleite espiritual”. É para seu deleite completo, porque o deleite do corpo não é pecado. Ofereça tudo o que você é em louvor a Deus.

Ficou difícil? Davi afirma: “preparado está o meu coração, ó Deus; cantarei e salmodiarei de toda a minha alma” (Salmo 108:1). Peça que Deus prepare seu coração e faça aquilo que você foi criado para fazer: adorar o Senhor.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A nona disciplina: confissão

Um vento frio soprou no Eden. Ele era frio pela primeira vez e Adão e Eva sentiram-se arrepiados. Aquilo incrementou a estranha sensação que lhes estava devorando por dentro e que eles interpretaram como vindo do fato de estarem nus. Naquele momento, logo após pecarem, inaugurou-se um dos sentimentos mais universais da raça humana: o buraco no peito cavado pela culpa.

A culpa pode ser muito eficiente para manter pessoas na linha, mas tem desgraçado a vida de milhões e milhões de pessoas ao longo dos séculos. Eu não me admiraria se no Céu ficássemos sabendo que a culpa está na gênese das doenças que mais mataram pessoas ao longo da História. A culpa inviabiliza a felicidade e só por isso não pode ser um sentimento de que Deus gosta. Não o Deus que ama perdidamente e que salta das páginas de minha Bíblia. Deus odeia a culpa.

Para erradicá-la, haveria duas formas básicas de lidar com ela. A primeira seria diminuir o tamanho do erro. Dizer que ninguém é perfeito mesmo, que ninguém é de ferro, que o pecado não é tão terrível. Essa é a forma como a maioria das pessoas lida com a culpa, mas definitivamente não foi esse o caminho escolhido por Deus. Ele escolheu o perdão. Ele assegurou o perdão. Ele encarnou e Se deixou matar para garantir que a sua e a minha culpas sejam anuladas pelo sofrimento que Ele próprio sofreu.

Mas Ele também sabe que temos dificuldades sérias para aceitar isso. Por isso Ele inventou a confissão dos pecados.

A confissão é uma atitude de nominar nossos atos ou pensamentos pecaminosos. Obviamente, para ser eficaz ela não pode ser um ritual oco, uma coisa que você faz e pronto. Tem que haver sinceridade nisso. Tem que ver autoanálise, tristeza profunda por haver errado e determinação para não tornar a fazer.

A primeira pessoa a quem devemos confessar os pecados é Deus, claro. “Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (I Timóteo 2:5). Nosso perdão não depende de uma outra pessoa qualquer além de Jesus Cristo conhecer o pecado e ouvir nossa confissão. Mas Deus sabe que temos dificuldades em crer nisso, por isso também nos orientou: “Confessai... os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes curados” (Tiago 5:16).

Quem não é católico tem dificuldades com essa ideia de confessar os pecados a outras pessoas, mas está lá na Bíblia. A ideia de que nosso único mediador e sacerdote é Jesus não exclui a dica para termos momentos de confissão com outras pessoas. A intenção é tornar o perdão palpável, visível.

A rigor, qualquer membro do corpo de Cristo estaria apto a ouvir uma confissão, mas a verdade é que devemos escolher bem nosso confessor. Como diz Foster, é um fato da vida que nem todos teriam o grau de empatia para ouvir, nem todos saberiam guardar o que ouviram como confidência, nem todos teriam maturidade para ouvir o que temos a dizer. Devemos orar pedindo que Deus nos indique a pessoa certa. Pode ser um pastor ou uma outra pessoa que dê mostras de levar uma vida fervorosa, com maturidade espiritual e sabedoria.

Foster diz que, impressionado por essa mensagem, resolveu, em oração, fazer uma lista de pecados que demandam confissão, desde sua infância, passando pela adolescência, juventude e fase adulta. Foi difícil ler aquela lista para o amigo que ele escolheu como confessor, mas ao final, engolindo seco, estava para devolver a lista para sua pasta quando o amigo o interrompeu, tomou o papel e o partiu em pedacinhos minúsculos jogando tudo na lixeira em seguida. Ele diz que não houve nenhum sentimento arrebatador, mas aquele gesto tornou o perdão uma certeza para ele.

Deus quer Seus filhos curados. Não deveríamos rejeitar nenhum dos remédios que Ele nos disponibilizou para isso.

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil, 24/06/11

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A oitava disciplina: serviço

E aí Jesus aparece com essa história de que os primeiros serão os últimos, de que se alguém nos força a andar uma milha devemos andar duas, de que quem quiser ser honrado seja quem mais serve os demais. E ilustra o ponto tirando seu manto, colocando uma toalha no ombro e se ajoelhando para lavar os pés dos atônitos discípulos. Eles deveriam estar acostumados com o fato de seu Mestre subverter as ideias preconcebidas e bem aceitas na sociedade sobre um monte de coisas, mas esse ponto realmente os pegou de surpresa.

A sétima disciplina falava sobre submissão e eu não dei muitas dicas práticas de como exercitar essa difícil disciplina. Bem, uma forma de alcançar submissão é praticar a disciplina do serviço. E não é só submissão que se ganha fazendo isso. Você sabe, por exemplo, que uma das virtudes centrais da ética cristã é a humildade, mas como se consegue humildade? Não dá para você se esforçar para ser humilde. A humildade é algo que, se você acha que tem, não tem. Então devemos cruzar os braços e esperar que um dia a humildade caia dos céus sobre nós? Não, devemos servir. O caminho para a humildade passa pelo serviço. E o serviço tem outros efeitos colaterais positivos. Foster escreve que “nada disciplina os desordenados desejos de nossa carne como o serviço, e nada transforma os desejos da carne como o serviço anônimo”; por outras palavras, o serviço é a cura para o pior dos nossos males: o egoísmo.

Importante salientar que o cristão não serve o outro para alcançar o que quer que seja. O serviço é um fim em si mesmo. Você não serve para melhorar sua ficha no Céu, ou para alcançar humildade ou o que quer que seja. Você serve porque o outro precisa de você. O serviço é o alvo. Você serve porque conheceu a Cristo, se apaixonou por Ele, entendeu as leis maiores que governam o Universo que Ele criou e tem prazer em estar em harmonia com elas. Para Deus, viver é sinônimo de ser útil ao outro, viver é servir e as maiores alegrias da vida estão associadas a oportunidades de serviço bem aproveitadas.

Mas disciplinas são coisas que nós fazemos e já vimos que o serviço que vale não pode ser coagido ou forçado. Então o que fazer? Bem, para servir precisamos orar pedindo a Deus que nos dê uma visão capaz de encontrar as oportunidades de serviço e nos dê o desejo de aproveitá-las. Foster exemplifica: há o serviço das pequenas coisas, como dar uma carona, ajudar a limpar uma caixa de água, etc; há o serviço de guardar a reputação de outros, evitando falar mal e desestimulando que outros o façam; há o serviço de permitir-se ser servido, abrindo ao outro a oportunidade de ser útil também; há o serviço da simples cortesia e o serviço da hospitalidade; há o serviço de ouvir alguém que precisa falar e o serviço de introduzir no coração de alguém a semente do evangelho.

Nosso trabalho é orar para que Deus nos faça atentos às oportunidades que temos hoje de servir e que nos ilumine no serviço.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A sétima disciplina: submissão

Faça uma lista das coisas que você quer que aconteçam. Seus sonhos, metas e planos. Fez? Bem, agora, olhando para sua lista responda: você é feliz? Ou você depende que essas coisas que você pôs no papel para ser feliz. A disciplina da submissão nos ensina que precisamos de muito pouca coisa para sermos felizes. Ela nos ensina que as coisas não precisam ser do nosso jeito, na hora que desejamos. A disciplina da submissão nos liberta do pequeno tirano que temos enraizado em nosso coração.

A base bíblica para essa disciplina é muito extensa. Em Marcos 8:34 Jesus nos diz que se alguém quiser segui-lO, precisa primeiro negar-se a si mesmo. Em Mateus 10:39, Ele afirma que quem quiser ganhar sua vida vai perdê-la, e em Filipenses Paulo aponta para Cristo como um exemplo, alguém que “esvaziou-se a si mesmo” (2:4-7), alguém que afirmou que para sermos os primeiros deveríamos ser os últimos (Marcos 9:35), que se alguém nos batesse numa face deveríamos oferecer a outra e que se nos obrigassem a andar uma milha deveríamos andar duas (Mateus 5:39 e 41). Há recados para os escravos serem submissos a seus patrões (I Pedro 2:18) e para todos os cristãos serem submissos às autoridades civis (Romanos 13:1, entre outros). Difícil ignorar tantas setas apontando esse caminho!

Mas a disciplina da submissão requer maturidade. Submissão não é subserviência e a base para o amor ao próximo é o amor a si mesmo (Marcos 12:33). A submissão vai até ao limite da autodestruição. A disciplina da submissão não deveria ser ensejo para a manipulação e o abuso.

Submissão e liberdade andam juntas, por estranho que possa parecer a princípio. Quando Pedro afirma que o escravo deve ser submisso a seu patrão, ele está pregando uma forma radical de submissão. Que escolha tem o escravo? Ele é obrigado a ser submisso. Pedro está convidando o escravo a encarar a situação por uma ótica completamente nova. Se ele quiser ser submisso, ele está agindo livremente. Está exercitando seu livre arbítrio e imitando Seu Salvador. Por isso Camões disse que amar é servir a quem vence o vencedor, é você querer livremente ser um canal de bênçãos para os homens que o rodeiam.

Foster aponta sete oportunidades para demonstrar nossa sujeição do egoísmo e da nossa conveniência pessoal; devemos ser submissos a Deus, à Bíblia, a nossa família, a nosso vizinhos e as pessoas que nos cruzam o caminho, à comunidade da igreja, a quem está em dificuldades (os párias, espoliados, negligenciados, excluídos) e ao mundo do qual fazemos parte, embora muitas vezes a contragosto.

Esse é o caminho, andai por ele. Mas você quer saber como pode praticar a disciplina da submissão? Bem, espere até a semana que vem para conhecer mais sobre a disciplina do serviço.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A sexta disciplina: solitude

Uma coisa é estar solitário e outra coisa diferente é estar sozinho. Chamei esta disciplina de “A Disciplina da Solitude” porque, embora os dicionários afirmem que seu significado é o mesmo que solidão, pelo fato de ser muito menos utilizada posso me permitir atribuir-lhe um outro significado aqui. Solitude, então, seria estar sozinho sem estar, contudo, sofrendo por isso. A solidão é a mais perfeita antítese do caráter de Deus, não foi inventada por Ele, Ele quer bani-la do Universo, enfim, não tem nada a ver com Ele, mas a solitude tem. E muito.

Mais uma vez, o melhor exemplo que temos dessa disciplina posta em prática está no próprio Jesus. Para se preparar para Seu ministério, Ele passou quarenta dias sozinho (Mateus 4). Antes de escolher os discípulos, passou uma noite sozinho (Lucas 6:12) e depois de haver efetuado a multiplicação miraculosa dos pães, insistiu com Seus discípulos para ser deixado sozinho, em oração (Mateus 14:23). Apenas alguns poucos exemplos para demonstrar que nosso Mestre sistematicamente buscava a solitude.

O medo da solidão, cujo nome científico é isolofobia, é um dos mais fortes que existem e uma multidão incontável se sujeita a situações degradantes por causa dele. Além disso, vivemos em um tempo que não se dá muito bem como a solitude. É cada vez mais comum notarmos que perdemos o chão de sob os pés se não temos um fone de ouvidos, o rádio ligado, a TV ligada ou algum outro tipo de ruído que nos dê a sensação – de resto falsa – de que não estamos sós. Mas é imprescindível optar pela solitude e pelo silêncio, porque é ali que organizamos nossos pensamentos, é ali que reavaliamos nosso rumo, nossas metas e objetivos de vida, é ali que nos educamos para ser capazes de ouvir a voz de Deus. Aliás, solitude e silêncio são dois lados da mesma moeda, andam de mãos dadas e devemos nos habituar com eles, nos sentir confortáveis neles.

Schwantes, no clássico “Colunas do Caráter”, cita o psiquiatra Robert Lindner, afirmando que ele “deplora ‘o abandono daquela solidão que era ao mesmo tempo a marca da adolescência e a fonte de seus mais profundos desesperos e de seus êxtases cheios de dúvida. E frequentemente esta solidão era criadora. E dela por vezes surgiam sonhos, as esperanças e aspirações ascendentes que carregavam a vida daí em diante de significado, e contribuíam para nos dar poetas, artistas e cientistas... Mas a juventude de hoje trocou a solidão pelo estouro da boiada, pelo agrupamento predatório, pelas grandes coletividades que enterram, se não destroem a individualidade”.

A solitude pode ser uma disciplina, ou seja, algo que você faz, algo que você opera positivamente. Para mim o tema é especialmente espinhoso porque sou pai de dois meninos pequenos e tenho um círculo de amigos que é precioso demais para ser negligenciado e, por isso, demanda tempo e atenção. Assim mesmo, tenho alcançado algumas vitórias nesse campo, encontrando momentos em que posso estar sozinho e em silêncio. Alguns desses momentos são altamente improváveis: pode ser em um metrô lotado ou correndo de manhã antes de ir trabalhar. Mas funcionam maravilhosamente bem. Estar sozinho é uma habilidade de desligar o mundo e olhar para dentro de si, buscando encontrar ali os bilhetes que Deus deixou para que fossem lidos. Além disso, é importante projetar, de tempos em tempos, momentos mais extensos de solitude, talvez uma tarde, um domingo ou um final de semana.

Jesus está aí para ser imitado. Não é à toa que Ele busca estar sozinho com tanta frequência. Se fizermos como Ele, descobriremos refestelados porque. Mas é bom que O imitemos em tudo, inclusive no equilíbrio entre solitude e interação social que Ele praticava. A solitude é boa em doses moderadas, porque no mais das vezes Deus nos quer no meio das pessoas, aprendendo com elas, praticando o amor ágape com elas e sendo o sal da terra e a luz do mundo.

A quinta disciplina: simplicidade

Antes de falar da quinta disciplina, talvez seja importante fazer uma pequena explicação: esta série de textos sobre as disciplinas cristãs nasceu da leitura do livro “Celebration of the disciplines”, de Richard J. Foster, que fiz há um ano e pouco. Essa leitura me ajudou muito em diversos aspectos, mas, passado um ano, senti que muito daquela teoria estava longe de ser prática na minha vida. Foi, portanto, como uma desculpa para reler cada um daqueles temas e assim ter a oportunidade de escolher ajustar minhas práticas que decidi abordá-los aqui. Ok, feita essa advertência para que ninguém pense que eu sou modelo em qualquer uma dessas disciplinas, acho que podemos falar de simplicidade, ou modéstia.

Em Eclesiastes 7:29, Salomão afirma que “Deus nos fez simples e direitos, mas nós complicamos tudo.” Sem dúvida, as coisas deveriam/poderiam ser mais simples. A Bíblia diz que o amor do dinheiro é o primeiro de todos os males (I Timóteo 6:10) e Jesus é claríssimo ao pontuar que é impossível servir a Deus e ao dinheiro (Lucas 6:13).

O engraçado de falar dessas disciplinas cristãs é que a cada uma eu tenho a sensação de que aquela é a mensagem perfeita para o nosso tempo. Não é diferente em relação a simplicidade, porque ela é o oposto do consumismo. Numa escala de ruim a bom, são as coisas mais sofisticadas que alcançam o bom, não as mais simples. É a grande quantidade, não a pequena.

A gente vai aos EUA e vê como as coisas lá são ridiculamente baratas e então compra dezoito camisas raciocinando que está economizando um dinheirão se fosse comprar as mesmas camisas no Brasil sem pensar que, no Brasil, você nunca sentiria necessidade de ter dezoito camisas novas no armário de uma vez, ou seja, você nunca faria aquela compra. A gente liga o computador ou a TV e vê um relógio novo e, de alguma forma misteriosa, se convence de que tem a necessidade de ter um de cada cor. Simplicidade é ter uma noção correta do que é de fato necessário. Simplicidade é saber que o que é de fato necessário é uma única coisa.

A simplicidade, embora seja uma realidade interior, subjetiva, tem óbvias expressões externas. Na verdade, é a mais claramente identificável disciplina de todas. Trata-se da forma como você veste e ostenta a sua escala de prioridades na vida. Se sua escala de prioridades é ruim, vai ser difícil você ostentar uma versão boa dela. Portanto, para ser simples é preciso pedir a Deus. Precisamos exercitar a disciplina da oração com esse nobilíssimo pedido, lembrando que simplicidade não é o mesmo que desleixo. É possível ter uma casa bonita e limpa e vestir-se bem e ainda assim ser simples.

Foster lista dez sugestões práticas para corporificar a simplicidade:
1. Compre coisas pela sua utilidade e não pelo status que elas proporcionam;
2. Rejeite qualquer coisa que vicie ou que crie em você algum tipo de independência;
3. Criar o hábito de dar. Limpar os armários regularmente e passar adiante coisas em bom estado.
4. Desconfie do último lançamento tecnológico, especialmente aquele que promete fazer você economizar tempo. Para onde foi o tempo que você economizou com o e-mail, o celular, a impressora, etc?
5. Aprenda a desfrutar das coisas sem se apossar delas. Você não precisa ser o proprietário de tudo.
6. Seja natural. Crie oportunidades de contato com a natureza. Caminhe mais. Coma mais salada.
7. Fuja das compras à prazo.
8. Cultive a honestidade, o “sim, sim, não, não” (Mateus 5:37). Desista de tentar encapar seus motivos e razões com nobres sentimentos ou justificativas forjadas.
9. Rejeite qualquer coisa que alimente a opressão sobre outros.
10. Desligue aquilo que o distrai do que realmente interessa, o Reino de Deus.

“Que Deus dê a você – e a mim – a coragem, a sabedoria, a força para sempre manter o reino de Deus como a prioridade número um de nossa vida. Fazê-lo é viver em simplicidade” (Foster).

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A quarta disciplina: estudo

Nada combina mais com a ideia de “disciplina” do que estudo. Para estudar, precisamos ser disciplinados. Acontece que a maior parte das pessoas consegue concluir seus estudos sem lá tanta disciplina; levam a coisa na flauta, vão passando com a nota 5,0. Fica então a questão: o quão importante é para um cristão o estudo? Ele precisa se disciplinar a estudar a Bíblia? Não dá pra “passar com 5,0”? Não dá pra deixar isso de estudar para o pastor ou os teólogos e cuidar só das outras coisas (oração e meditação, por exemplo)? Vamos deixar a Bíblia responder: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” (Oseias 4:6).

Estudar, portanto, é tão vital quanto orar. É por falta de conhecimento que o povo perece, e não por falta de experiências místicas, êxtases espirituais, momentos tocantes ou outras coisas que valorizamos muito na vida cristã. Richard J. Foster aponta a este texto de Paulo: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2) e então acrescenta que “A mente é renovada ao aplicá-la àquelas coisas que a transformam”, ou seja, “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Filipenses 4:8).

O texto de Oséias que transcrevemos acima é uma advertência aos sacerdotes, que deixavam de transmitir conhecimento ao povo, mas agora todos nós somos “sacerdócio real” (I Pedro 2:9). Não podemos depender de outro “sacerdote”.

Estudar a Bíblia não é tão difícil quanto parece, especialmente hoje em dia. Há muito material de apoio e há muitas formas de o fazer. Você pode estudar como William Miller fez, pegando apenas a Bíblia e uma concordância (que mostra em que outros versos da Bíblia cada palavra aparece) e lendo verso por verso, só passando adiante depois de haver entendido o anterior. Você pode eleger um tema (como “o que acontece depois que morremos?”, “o que era o santuário e o que significava seu ritual?”, “o que a Bíblia fala sobre a lei de Deus”, “o que a Bíblia fala sobre a volta de Jesus?”, etc) e, com a ajuda de um roteiro, abrir cada verso que fala sobre ele, refletindo em seu sentido. Você pode pegar um livro da Bíblia como o evangelho de João e o ler repetidas vezes. Você pode estudar apenas a profecia apocalíptica de Daniel e Apocalipse, usando um comentário de uma fonte cuidadosa como ajuda. Você pode fazer qualquer uma dessas coisas em grupo, reunindo amigos. Você pode pedir a um amigo mais experiente para conduzir um estudo sistemático com você no começo, para mais adiante começar a andar sozinho. Qualquer que seja o método, o importante é que ele seja precedido por uma oração sincera por iluminação e por que a vontade de Deus seja mostrada, ainda que ela contrarie a sua.

Como toda disciplina, a do estudo é custosa e sacrificante no começo. Quando ela se torna hábito você se pega sentindo um inusitado prazer. Você sente o que aqueles discípulos no caminho de Emaús sentiram quando Jesus lhes aplicava um estudo bíblico sobre Ele próprio: “Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” (Lucas 24:32).

Você não precisa ser destruído, você não precisa morrer. O conhecimento está ao seu alcance. Rejeitá-lo é como um náufrago rejeitar a corda do resgate. E você troca o resgate pelo que? O que há de tão mais importante naquilo com que você gasta seu tempo hoje?

Ore hoje com o salmista: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua Lei” (Salmo 119:18).

Esconderijo

Saddam Hussein foi encontrado em um buraco. Osama Bin Laden foi enfim encontrado em Islamabad, no Paquistão. É muito difícil esconder-se por muito tempo quando se é uma das pessoas mais procuradas do mundo. Como você é.


Quando você pensa no sacrifício de Jesus na cruz por você e pensa também na enorme quantidade de situações e incidentes que lhe ocorreram e que lhe fizeram repensar seus valores, suas prioridades, que lhe fizeram considerar mesmo que brevemente o que acontece depois da morte, você só pode concluir que Deus está muito interessado em você. Ele está procurando você o tempo todo.


Quando Adão e Eva pecaram lá no Eden, a Bíblia diz que Ele, em lugar de castigá-los simplesmente, os procurou, foi atrás deles, chamou-os pelo nome. Se você pensar um pouco na sua jornada até aqui, concluirá que Ele continua fazendo o mesmo com você. Está vindo atrás de você hoje com este texto.


Você é uma das pessoas mais procuradas do mundo e admita: não há esconderijo. Davi escreveu: "Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá" (Salmo 139:7-10).


Acharam Saddam num buraco. Acharam Bin Laden depois de quase 10 anos. Ele vai achar você também. E vai abraçar você quando encontrar.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A terceira disciplina: jejum

Nesse mergulho nas Disciplinas cristãs, talvez o tema mais difícil de tratar seja o do jejum. Vivemos numa sociedade cada vez mais obesa, com uma variedade gigantesca de alimentos cada vez mais sedutores. Sedutores, sim, porque o paladar é, dos cinco sentidos, aquele que, uma vez atendido, dá o prazer mais intenso e instantâneo. Além disso, como a meditação, o jejum foi surrupiado por uma forma de religião pouco saudável, nesse caso baseada em mortificação da carne, autoflagelação como forma de alcançar uma experiência espiritual mais alta. Há também quem diga que ele faria mal à saúde, um preconceito que não se sustenta.

Enumerei no parágrafo acima algumas objeções erradas ao jejum mas não dei nenhuma razão para fazê-lo. Bem, que tal pensar que o jejum tem sido praticado por toda a cristandade e antes dela pelos gigantes espirituais do Velho Testamento? Como observa Richard J. Foster, a lista dos que praticaram jejum inclui nomes como Moisés, Davi, Ana, Elias, Ester, Paulo e, claro, Jesus. Além dos bíblicos, temos também nomes como Martinho Lutero, Calvino, John Knox, Wesley e Ellen White. A Bíblia descreve jejuns totais e parciais (nos quais a pessoa se abstinha de alguns tipos de alimentos que costumava utilizar no cotidiano), como o de Daniel (10:3). Descreve também jejuns individuais mas também coletivos, como o apregoado por Ester (4:16) e o do dia da Expiação, a festa anual hebréia (Levítico 23:27). O jejum tem um valor tão inestimável que Jesus afirma que há resultados que só são alcançados mediante oração e jejum (Mateus 17:21), além de dar orientações específicas para o jejum no sermão do monte (Mateus 6:16). Ali, Ele diz “quando jejuardes...”, tomando por certo que Seu povo jejuaria. Ele não diz “se jejuardes”!

Mas para que serve o jejum? Se você se lançar ao jejum como forma de tornar Deus mais benevolente consigo, como forma de atrair o favor divino, você começou mal. Ele já o ama como um pai de verdade, não há nada que você possa fazer para aumentar ou diminuir esse amor. O jejum é o que Foster chama de uma disciplina interior, tem a ver com sua relação com Deus, exclusivamente. Não precisa ser apregoada por aí. O jejum é um potencializador de outra Disciplina, a oração. Ele ajuda você a lembrar quem é que lhe sustenta.

Mas como jejuar? Foster sugere que o façamos progressivamente, com jejuns parciais de um dia por semana ou a cada quinze dias, evoluindo para jejuns completos (onde só se consome água). O jejum absoluto, aquele no qual nem água é ingerida, é uma exceção na Bíblia; é uma forma sobrenatural de jejum, não deve ser a regra e creio que nem deva ser perseguido. Como toda Disciplina, será mais difícil no começo e o prazer que se obterá do jejum só aparecerá plenamente com o tempo. Mas aparecerá.

A terceira disciplina: jejum

Nesse mergulho nas Disciplinas cristãs, talvez o tema mais difícil de tratar seja o do jejum. Vivemos numa sociedade cada vez mais obesa, com uma variedade gigantesca de alimentos cada vez mais sedutores. Sedutores, sim, porque o paladar é, dos cinco sentidos, aquele que, uma vez atendido, dá o prazer mais intenso e instantâneo. Além disso, como a meditação, o jejum foi surrupiado por uma forma de religião pouco saudável, nesse caso baseada em mortificação da carne, autoflagelação como forma de alcançar uma experiência espiritual mais alta. Há também quem diga que ele faria mal à saúde, um preconceito que não se sustenta.

Enumerei no parágrafo acima algumas objeções erradas ao jejum mas não dei nenhuma razão para fazê-lo. Bem, que tal pensar que o jejum tem sido praticado por toda a cristandade e antes dela pelos gigantes espirituais do Velho Testamento? Como observa Richard J. Foster, a lista dos que praticaram jejum inclui nomes como Moisés, Davi, Ana, Elias, Ester, Paulo e, claro, Jesus. Além dos bíblicos, temos também nomes como Martinho Lutero, Calvino, John Knox, Wesley e Ellen White. A Bíblia descreve jejuns totais e parciais (nos quais a pessoa se abstinha de alguns tipos de alimentos que costumava utilizar no cotidiano), como o de Daniel (10:3). Descreve também jejuns individuais mas também coletivos, como o apregoado por Ester (4:16) e o do dia da Expiação, a festa anual hebréia (Levítico 23:27). O jejum tem um valor tão inestimável que Jesus afirma que há resultados que só são alcançados mediante oração e jejum (Mateus 17:21), além de dar orientações específicas para o jejum no sermão do monte (Mateus 6:16). Ali, Ele diz “quando jejuardes...”, tomando por certo que Seu povo jejuaria. Ele não diz “se jejuardes”!

Mas para que serve o jejum? Se você se lançar ao jejum como forma de tornar Deus mais benevolente consigo, como forma de atrair o favor divino, você começou mal. Ele já o ama como um pai de verdade, não há nada que você possa fazer para aumentar ou diminuir esse amor. O jejum é o que Foster chama de uma disciplina interior, tem a ver com sua relação com Deus, exclusivamente. Não precisa ser apregoada por aí. O jejum é um potencializador de outra Disciplina, a oração. Ele ajuda você a lembrar quem é que lhe sustenta.

Mas como jejuar? Foster sugere que o façamos progressivamente, com jejuns parciais de um dia por semana ou a cada quinze dias, evoluindo para jejuns completos (onde só se consome água). O jejum absoluto, aquele no qual nem água é ingerida, é uma exceção na Bíblia; é uma forma sobrenatural de jejum, não deve ser a regra e creio que nem deva ser perseguido. Como toda Disciplina, será mais difícil no começo e o prazer que se obterá do jejum só aparecerá plenamente com o tempo. Mas aparecerá.

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil, 08/04/11

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A segunda disciplina: oração

Meditação, jejum, estudo e outras disciplinas são musculação; oração é exercício aeróbico. É o mais importante, é aquele que deve ser praticado com maior regularidade. Nosso alvo é alto: “orai sem cessar” (I Tessalonicenses 5:17), ou seja, desenvolver uma tal intimidade com o Criador que cada pensamento nosso deságue nEle ou numa breve conversa com Ele. É o que Ellen White chama de “levar cada pensamento cativo” a Deus. Richard Foster pontua a importância da oração afirmando que ela é “a avenida central que Deus usa para nos transformar”.

Por outras palavras, não há vida espiritual rica e abundante sem o exercício intenso da disciplina da oração, como eu próprio tenho aprendido, graças aos períodos atribulados em que as muitas obrigações do dia sufocam esses momentos imprescindíveis. Como todo exercício aeróbico, parar de praticar significa ter muito mais dificuldades na hora de retomar.

Só a oração nos leva à atmosfera celeste, nos faz acostumar com os postulados do Céu, nos faz respirar o ar que Deus planejou que fosse nosso habitat pela eternidade afora. A oração ajusta nossas expectativas a respeito de Deus, nos ajuda a não esperar dEle aquilo que Ele não prometeu. A oração ajusta nossos sonhos e projetos, nos inspira a ter sonhos e projetos melhores. E, como os discípulos de Jesus bem o sabiam, oração é uma coisa que se aprende (“Senhor, ensina-nos a orar” Lucas 11:1).

É muito difícil concentrar nestes poucos parágrafos tudo o que há para ser dito sobre oração, mas talvez estas dicas práticas possam ajudar a quem estiver dando os primeiros passos no exercício dessa disciplina:

1. Tenha um tempo separado para isso – nem que seja no trânsito, na academia, no ônibus, no trem. Se você não tiver um santuário em sua casa onde o mundo pode ser desligado, encontre no seu cotidiano um espaço em que pode orar. Este período cotidiano vai ser importante no começo, para que você se sinta “em casa” na oração e passe a orar “sem cessar”, no trabalho, em casa, no lazer, onde for;
2. Prepare-se para ser fortemente assediado – sendo a oração da importância que é, natural esperar que Satanás não deseje que você ore. Todo tipo de pensamento vai atravessar sua mente no momento de oração, vai ser difícil se concentrar. Comece a oração pedindo que Deus o ajude a orar;
3. Saiba de antemão o que vai orar. Nessas coisas, ser organizado é tão ou mais importante como nas outras todas. Se você começar a orar sem um roteiro, vai ser mais fácil ter o pensamento arrebatado para longe. Um caderninho com anotações de oração vai ajudar. Liste pessoas e situações que você se sente impressionado a orar por. Seja específico. Anote exatamente qual aspecto você gostaria que sofresse a intervenção divina.
4. Lembre-se que a oração não é uma ferramenta para convencer a Deus de qualquer coisa. Como diz o brocardo cristão, “não há nada que você possa fazer para Deus o amar menos. Não há nada que você possa fazer para Deus o amar mais”. Ele já ama você, já quer lhe dar o melhor. Aproxime-se dEle como um filho se aproxima de um pai que está constantemente dando mostras de que o ama e de que ele é sua prioridade número um. E, se Ele houver feito uma promessa, como as que colocou na Bíblia, não ore pedindo que Ele se lembre dela. Ele não esquece. Ore pedindo para que se Ele estiver agindo, que você seja incluído no processo. Ore agradecendo antes de receber. Filhos amados não duvidam do pai.

Como diz Thomas Kelly, citado por Richard Foster, “existe uma forma de ordenar nossa vida mental em mais de um nível de cada vez. Em um nível podemos estar pensando, discutindo, olhando, calculando, dando conta de todas as demandas de nossa vida exterior. Mas lá no fundo, por trás dos bastidores, em um nível mais profundo, nós podemos também estar em oração e adoração, canção e louvor, numa suave receptividade ao sopro divino”.

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil, 01/04/2011

sexta-feira, 25 de março de 2011

A primeira disciplina: meditação

Ao entrar no carro, o primeiro gesto, já automático, é o de ligar o rádio. Ao chegar em casa, os olhos já procuram o controle remoto da TV. Temos cursos, trabalho, crianças, amigos, familiares, a casa, os hobbies e um milhão de outras coisas para equilibrar feito malabaristas de semáforo. E se, por um milagre, nos aparece um tempinho vago, o empregamos para tirar o atraso do Orkut ou do Facebook. Nunca na História foi tão profunda a necessidade do homem aprender o que significa contemplação, ou meditação.

Hoje em dia a palavra meditação foi roubada pelo esoterismo místico, e é sinônimo de ficar imóvel e tentar esvaziar a mente ou então repetir algum mantra à exaustão, mas ela é bem conhecida do cristianismo desde seus primórdios e precisamos tomá-la de volta. O salmista diz que é “bem aventurado o homem que.. tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita dia e noite” (1:1 e 2); ele diz que “me lembro de ti [de Deus] no meu leito, e medito em ti nas vigílias da noite” (63:6). Nós encontramos Isaque indo ao campo para meditar (Gênesis 24:6), Elias procurando discernir a voz de Deus no deserto e tantos outros exemplos, mas nenhum tão eloquente quanto o do próprio Jesus, que frequentemente se retirava para “um lugar deserto, à parte” (Mateus 14:13). Como comenta Ellen White, "Nenhuma outra vida já foi tão assoberbada de trabalho e responsabilidade como a de Jesus; todavia, quantas vezes estava Ele em oração!"

O propósito da meditação é desenvolver uma relação de intimidade com Cristo, nos familiarizar com Ele. Não implica em buscar respostas dentro de nós mesmos, mas em apurar nossos ouvidos para ouvi-las de Deus; implica até mesmo em permitir que Ele nos sugira novas perguntas. Meditar envolve, também, mais do que separar um momento para desligar o mundo e focar em Deus. O casal de namorados aproveita intensamente o tempo em que estão juntos porque nos outros momentos todos pensam um no outro, separam coisas que lhes acontecem e já antecipam como as vão contar. A meditação deveria ser o encontro dos namorados.

Para meditar, Richard J. Foster (autor de Celebrating the disciplines, principal fonte de consulta para estes textos sobre as Disciplinas) sugere que escolhamos um lugar e um tempo livre de interrupções. Sim, celular desligado, por torturante que isso possa parecer. Não existe uma postura ideal para a meditação, não se preocupe com isso. O importante é que sua mente possa se voltar com exclusividade para Deus.

Mas como meditar? Foster sugere fazer como o salmista e meditar na lei de Deus. Não se trata de estudá-la e dissecá-la. “Assim como você não analisa as palavras de alguém que você ama, mas as aceita como são ditas, aceite as palavras das Escrituras e as pondere no coração, como Maria fez”. Tomar uma única parábola, um único versículo mais substancial das cartas de Paulo, quem sabe uma única palavra e permitir que ela crie raízes em você. É preciso usar a imaginação. Tentar sentir o cheiro do mar da Galiléia, ouvir o farfalhar do trigo agitado pelo vento, o efeito do sol quente nos olhos dos discípulos... Outra forma de meditar é olhar para a natureza com o olhar de uma criança extasiada; ver cada contorno de uma flor, o efeito da combinação de cores, a ordem, a harmonia, a criatividade envolvida nisso tudo.

Não se preocupe se, no começo, esses momentos de meditação não significarem muito. Você vai progredir na vida espiritual como se progride na física. O começo pode parecer enfadonho ou dolorido, mas um prazer intenso, raro e jamais outrora suspeitado está esperando por você no futuro.

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil, 25/03/11

sexta-feira, 18 de março de 2011

As disciplinas

Vivemos numa época de emoções instantâneas. Queremos remédios que dêem conta do recado em um dia ou dois, filmes que comecem a 150 km/h, pregadores que nos coloquem diretamente no trono de Deus em meia hora. Talvez você planeje ir à igreja este final de semana e talvez você torça para que o pregador seja do tipo que arrebata as platéias e lhe faça sentir que sua vida mudou daquele instante em diante. Não há problemas em querer isso, você é fruto do seu tempo, mas seria interessante pensar um pouco se essa expectativa é legítima. Pelos séculos afora, chegar junto ao trono de Deus, sentir que sua vida foi radicalmente alterada, que você foi transformado, tem sido algo que começa num instante mas que toma a vida inteira.

Estou convencido de que, muito mais do que pregadores eletrizantes, precisamos de gente que viva profundamente sua fé. Gente que não se contente com emoções rasteiras, gente que tenha “fome e sede de justiça”. Porque temos alimentado a ideia totalmente equivocada de que uma vida de companheirismo extremo com Cristo é coisa para os gigantes místicos da fé, gente que se isola numa caverna. Mentira. Conhecer a Deus é privilégio de todos e Ele quer que o façamos assim mesmo, em meio a nossas lutas diárias, convivendo com cônjuge, filhos, chefe, colegas de trabalho, colegas de engarrafamento, vizinhos, familiares, amigos.

Milhões de pessoas o fizeram antes de nós. Somos, portanto, sortudos, porque eles nos deixaram relatos valiosos sobre como foi que conseguiram. Essa é uma das mais fascinantes facetas da igreja, possibilitar que o testemunho de pessoas semelhantes a nós seja conhecido e imitado. Bem, essas pessoas exercitaram o que se convencionou chamar de Disciplinas da Vida Espiritual. A premissa é simples: assim como exercícios físicos são importantes para uma condição física saudável, é importante se dedicar a alguns exercícios espirituais para que nossa relação com Deus seja também saudável, rica e transbordante, da forma como ela pode ser e como Deus quer que ela seja.

Evidentemente, não se trata de impor leis e regras que nos sufoquem. Jesus advertiu que nossa justiça deveria ser muito maior que a dos fariseus (Mateus 5:20), que era praticamente inalcançável aos olhos do público leigo. Difícil, alta, mas toda ela calcada em exterioridades. Era uma piedade, uma devoção religiosa toda constituída de coisas que os outros podiam ver e admirar. Era algo montado, portanto, para servir de espetáculo.

Para alcançar uma vida rica ao lado de Deus, você e eu precisamos de algo muito maior do que a casca. Precisamos de conteúdo. E conteúdo não se alcança com leis e regras, mas com um ato volitivo, uma decisão. As Disciplinas são consequência dessa decisão.

Meditação, oração, solidão, jejum, estudo, simplicidade, submissão, serviço, confissão, louvor e celebração são algumas das Disciplinas. Pretendo falar um pouco mais detidamente de cada uma nas próximas semanas. Até lá, considere que sua existência pode ser muito, muito mais substanciosa e rica do que tem sido até hoje. E não se exaspere porque isso não aconteceu ao ler estes seis parágrafos. Não prometemos soluções instantâneas!