sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O avesso deste dia

Jesus nasceu, esteve entre nós. E imediatamente não estava mais com eles.

Jesus Cristo sempre foi a pessoa mais acessível da divindade. Era como se Deus Pai representasse o aspecto mais portentoso de Deus, aquele que inspira respeito e temor, ao passo que Jesus suaviza essa ideia ao aproximar-Se, conversar, olhar nos olhos. Não admira que assim seja, porque para os seres criados Deus é um ser complexo, multi-facetado, que supera em muito nossa capacidade de compreensão.


Então Jesus era a Pessoa a quem os anjos se dirigiam, a quem faziam suas perguntas, a quem contavam coisas de sua vida. Aí Ele envolveu-Se seriamente na criação deste mundo. Foi a palavra dEle quem trouxe tudo à existência. Tudo o que vemos foi feito através de Jesus. E quando Adão e Eva escolheram desobedecer, escolheram morrer, o amor divino pela criatura que lhe virou as costas superou todas as expectativas. A única forma de evitar que o homem experimentasse a morte eterna seria se alguém que não o merecia o fizesse em lugar dele. Jesus, que estava umbilicalmente ligado a nós, Se ofereceu para ir.



De repente, Quem era Todo Poderoso, capaz de trazer matéria da não-existência à existência, Quem estava em todos os lugares ao mesmo tempo e era onisciente, reduziu-se brutalmente a uma criança que chorava porque sentia frio e fome, a um ser que dependia em tudo de seres humanos falhos e cheios de ideias enviesadas sobre todas as coisas para continuar vivendo. De repente Ele está embrulhado em panos num berço improvisado dentro de uma estrebaria, e aqueles olhos que tudo viam ainda não conseguem se abrir para enxergar a realidade precária que o cerca.

Deus está entre nós para que nós estejamos um dia com Ele, sem mais interferência do pecado. Que notícia mais fantástica.

Fantástica para mim, que sou humano. Fico imaginando o sentimento daqueles anjos acostumados a ter Jesus por perto, olhando lá para baixo e vendo-O de repente frágil, de repente vulnerável, num mundo escuro, cheio de pontas que ferem, de alturas de onde se cai, de bactérias insidiosas e de outros seres humanos movidos pelo rancor, o medo, o ódio, a ganância, a inveja e outros sentimentos do mesmo quilate. É imersos nessa perplexidade que eles são comissionados a ir avisar aqueles pastores do evento mais inacreditável de todos os tempos. E quando eles retornam ao seu lar, não têm mais a Jesus para dividir a sua emoção. Não tem por perto Aquele que costumava sanar suas dúvidas e oferecer um consolo eficaz. Porque Ele está lá embaixo, chorando de fome e a perplexa Maria, pouco mais que uma adolescente, não sabe bem o que fazer. 

O natal foi um vácuo no Céu.

Somos salvos pela graça, essa graça que se reduz, se faz frágil, sofre nossas dores e privações e morre. Mas a graça não é de graça para quem dá. Ela custa tudo para o Céu. 

Faça ter valido a pena. "Aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé" (Hebreus 10:22).

Feliz natal, @migos!


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O mundo como você conhece está sentenciado

Meu professor de mestrado dizia que vários pensadores concordam que alguma coisa aconteceu de muito radical durante os anos 70 e 80 do século XX, uma revolução sem precedentes na sociedade ocidental, uma mudança de paradigmas que é difícil precisar. Alguma coisa aconteceu, mas não se sabe bem o que, como se uma mão invisível coordenasse as coisas. Vê-se os efeitos dessa revolução, contudo: de repente, e pela primeira vez na História, o objetivo de vida de uma enorme massa, de uma enorme coletividade, passou a ser o conforto, a "qualidade de vida:".

Hoje conhecemos os subprodutos desse fenômeno. Pós-modernismo, relativismo, o ecossistema ferido de morte, são apenas alguns desses efeitos colaterais.Há outros.

Os demógrafos brigam bastante entre si, mas parece haver um consenso de que foi apenas em meados do século XIX que o mundo chegou a ter um bilhão de pessoas. Ora, se levou alguns milênios até essa marca, entre o 6o e o 7o bilhão foram apenas doze ou treze anos.Curiosamente, a taxa de natalidade de países desenvolvidos (leia-se: basicamente o mundo ocidental de cultura judaico-cristã, com raras exceções) é negativa. A taxa de natalidade da França, por exemplo, é de 1,7 filhos por casal e acredite: é uma das maiores do continente.

Então o mundo está vivendo uma explosão populacional, mas não no epicentro de nossa cultura. Geógrafos afirmam, não sem certo desespero e alarmismo, que uma taxa de natalidade inferior a 2 vírgula alguma coisa durante toda uma geração pode simplesmente condenar aquela cultura ao desaparecimento. 

Bem, se a taxa de natalidade na Europa Ocidental é negativa, o curioso é que a população quase não se altera, e não se altera graças à imigração, massivamente islâmica. O Pew Research Center publicou um estudo afirmando que a Europa será um continente muçulmano em algumas décadas. Na Alemanha, por exemplo, estima-se que em 17 anos 40% do exército já será de muçulmanos. E essas curvas mostram que esse fenômeno já é absolutamente irreversível. A cultura alemã que conhecemos e admiramos (claro, com reservas) será História nos dias de nossos filhos.

Então, quando o homem ocidental decidiu entronizar o conforto e o bem estar, quando a qualidade de vida se impôs como objetivo máximo e a carreira se tornou o foco primordial inclusive das mulheres, nossa sociedade gestou o vírus de sua própria morte. É simples assim e durma-se com um barulho desses.

Bem, eu acredito saber de quem é a tal mão invisível no comando dos destinos deste mundo e confio no dono dela. O que me pergunto é: estou pronto a ser uma minoria, provavelmente oprimida? Estou preparando meus filhos para viver nesse ou em outro futuro possível e nem imaginado, como esse também não era dias atrás? Estou me relacionando com o Dono da mão invisível para que não me flagre "desmaiando de terror pela expectativa das coisas que hão de acontecer" (Lucas 21:26)?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Sua herança e seu legado

Na porção "x-rated" da Bíblia encontra-se a história de Diná, filha de Jacó que saiu para conhecer as mulheres da região de Siquém e acabou violentada por ninguém menos que o príncipe do lugar. O rapaz, profundamente apaixonado, quis consertar as coisas casando com a moça. Seus irmãos fingem que aceitam a proposta sob a condição de que toda a cidade de Siquém fosse circuncidada. A paixão era tanta e o príncipe de tal forma venerado no lugar que todos os homens topam e aí, quando estão debilitados pela cirurgia de fimose em condições precárias a que se submeteram, os irmãos de Diná vingam sua honra matando a todos. 

É uma história trágica porque Diná não foi favorecida propriamente em nada com aquilo tudo (ela provavelmente não pôde casar-se por já não mais ser virgem) e porque vemos os descendentes de Abraão, responsáveis por preservar o conhecimento do Deus vivo, que rapidamente se dissipava, não apenas mentindo e dissimulando, mas assassinando à traição e saqueando. 

Há um padrão aqui. Abraão mentiu duas vezes sobre a identidade de Sara, atitude que foi repetida por Isaque em relação a Rebeca e Jacó nunca foi muito apegado à verdade também, enganou o próprio pai no episódio da benção de primogenitura e sua relação com o ganancioso sogro foi sempre marcada pela dissimulação e malícia. Agora, os bisnetos de Abraão davam um passo além. Abraão teria tomado aquela atitude se pudesse prever que seu padrão de comportamento seria herdado pelos filhos e netos e desaguaria, duas gerações mais tarde, no tipo de coisas que aconteceram na história de Diná?

Uma atitude abre alas para outras tantas. O "inofensivo" desapego à verdade (do tipo "fala que eu não estou em casa") pode ser o abre-alas para outras demonstrações de relativismo com o padrão moral. É, aliás, natural que aconteça.

A bonita canção de Philips, Craig & Dean (que na versão em português teve a letra desfigurada e se chama "Senhor quero brilhar por ti") canta algo como "Senhor eu quero ser igual a você/porque ele [meu filho] quer ser igual a mim". É uma sábia oração.

Especialmente se há pequenos olhos focados em você, pense no conjunto de valores que você está transmitindo ao dono ou dona deles. Se você recebeu uma herança permissiva, peça ajuda a Deus para viver um padrão mais elevado. Inclusive em nome de sua descendência!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Quando os dias são maus

Quando os dias são maus, pisar a rua representa uma descarga de adrenalina. Os sentidos se aguçam, o medo, que estava agachado, se levanta. Quando os dias são maus você é obrigado a andar olhando tudo o que acontece ao redor, a encarar passantes, a manter os vidros fechados, a fechar as travas, o rosto e o coração.

Quando os dias são maus você não dorme totalmente em paz. Checa se todas as portas e janelas estão trancadas, acorda sobressaltado ao mínimo ruído.

Quando os dias são maus você desconfia de tudo e de todos, qualquer um pode estar te passando a perna e você fica com a sensação de que geralmente está mesmo.

Quando os dias são maus as contas não dão trégua embora as entradas estejam minguando e você não sabe como será o próximo mês e você não consegue, simplesmente não consegue deixar de andar ansioso quanto ao que haverá de comer ou de vestir.

Quando os dias são maus o emprego e o ofício não preenchem, fica faltando algo, e eles bambeiam, e você não tem segurança.

Quando os dias são maus - e eles são! - as notícias ruins se acumulam, os relacionamentos ficam doentes e alguns, muitas vezes os mais importantes, caem de podre, e você nem tem tempo de pensar de onde veio o disparo. O mundo parece ter perdido a noção do que é razoável, parece louco e movido por coisas baratas como ganância, ódio ou luxúria.

Quando os dias são maus os amigos estão sofrendo, seja porque a morte lhes bateu à porta mais cedo do que se podia esperar, seja porque os terremotos abalaram aquilo em que confiavam e de onde lhes vinha o consolo e o prazer. E você nem sabe o que dizer e você só pensa que o próximo pode ser você.

"Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensato, mas como sábios, aproveitando ao máximo cada oportunidade, porque os dias são maus" (Efésios 5:15 e 16).

Porque os dias são maus é preciso sabedoria. Aproveitar ao máximo cada oportunidade para dizer que ama. Aproveitar ao máximo cada oportunidade para multiplicar a certeza de que um dia Jesus Cristo os fará bons. Aproveitar ao máximo a oportunidade de viver como quem sabe que, no relógio dEle, os dias maus estão com os dias contados.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Fonte no deserto

Ontem eu conversava com amigos sobre o encontro de Jesus com aquela mulher samaritana, registrado em João 4. A gente tentava tirar lições do método de aproximação empregado por Jesus. 

Ele quebrou paradigmas sociais ao se dirigir a uma mulher samaritana pedindo água. Surpresa, ela apontou a esse fato e a tréplica de Jesus tirou a conversa de preconceitos e já introduziu um forte contingente espiritual. "Se você soubesse quem está falando contigo e tivesse o dom de Deus, você é que me pediria água"

Ponto final. Nenhuma explicação adicional, nada de legendas. Ele deixou ela processar aquela afirmação sem maiores elementos para a entender. Acreditando que o assunto ainda era água física, a mulher apontou ao fato de ele não ter com que tirar água do poço. Jesus então lança a célebre frase: "Todo o que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna".

A mulher não estava preparada para mudar a conversa da água física para a espiritual e pediu da água que Jesus vendia dizendo que seria uma boa não ter que retornar para o poço pra tirar água. Nesse momento Jesus mostrou que era mais do que um homem qualquer mostrando que conhecia a vida inteira dela.

Basicamente o que Jesus fez foi mostrar para ela a real origem de sua sede ou sua sede principal. Ela tinha tentado satisfazer essa sede pulando de relacionamento em relacionamento, sem perceber que a fonte da satisfação não estava em homens.

As pessoas ao nosso redor - e nós mesmos amiúde - não percebem que estão buscando saciar a sede em água que não satisfaz. Se conseguíssemos apontar a esse fato a elas de forma tão gentil e sábia como Jesus fez!

A mulher chegou ao poço com sede. No final daquele dia ela havia encontrado o Messias e testemunhado a toda sua vila. "E diziam à mulher: Já não é pela tua palavra que nós cremos; pois agora nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo".

Cumprira-se o que Jesus prometera. Em tempo recorde, a sedenta se transformara numa fonte de água que jorrava para a vida eterna.

E então penso: há quanto tempo eu encontrei o Messias? Quanto tempo falta para eu me tornar uma fonte de água para as pessoas que me rodeiam? Por que tenho buscado outra coisa qualquer nesta existência?

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

no rodapé

Quero acreditar que não era só pra parecer espirituoso que eu costumava dizer que não fazia questão de uma casa com vista para o mar de vidro, no Céu, uma casa com vista para o muro serviria. Fosse qual fosse a intenção, o simples fato de a ideia me ocorrer já representava uma evolução no pensamento, já que por tanto tempo eu me digladiei com sonhos de ser o protagonista da história.

O tipo de protagonista com que eu sonhava ser mudou, claro. Já contei parte dessa história aqui. Mas mesmo quando comecei a admirar como heróis personagens na Bíblia, era em José, Daniel e Paulo que colocava meu rosto nos delírios de futuros possíveis. Os protagonistas. Os sujeitos que, segundo nossa ótica, fazem jus a um triplex com vista para o mar de vidro. Gente que, transportada para o aqui e agora, seria capaz de pregar para multidões como um Bullón ou alcançar a estatura moral de uma madre Teresa de Calcutá.

Não há problemas em eleger grandes servos de Deus como fonte de inspiração, ao contrário, mas há no evangelho um forte contingente de esvaziamento da necessidade por holofotes. Esvaziamento é a palavra, Paulo a usa para descrever Jesus, capaz de se esvaziar para vir morrer num lugar indigno. Para nos convidar a encontrar algum lugar no qual morrer também. Não é conformismo ou mediocridade, portanto, ver que seus heróis evoluem para caras como... como Demétrio.

Manja Demétrio? Na terceira epístola de João ele está falando a um tal de Gaio. Ele reclama de um certo Diótrefes, que na igreja "gosta de ter a primazia" e usa essa primazia para manipular e afastar pessoas. Na sequência João conclama Gaio a imitar o bem e é nesse ponto que aparece nosso amigo Demétrio: '"De Demétrio, porém, todos, e até a própria verdade, dão testemunho" (12). Pronto. Esta é toda referência feita a Demétrio na Bíblia.

Ele é uma nota de rodapé na Bíblia, mas que nota de rodapé! 

Eu não preciso ser o maior pregador. Eu não preciso ser o escritor mais lido, fazer os textos com maior número de likes, alcançar o maior número de seguidores. Se Deus quiser que assim seja, bem, mas se eu permanecer em Cristo de uma forma que afogue nEle meus delírios de grandeza todos, minha necessidade de construir um nome e uma reputação para mim, minhas ambições não santificadas todas... Aí eu terei respondido adequadamente à graça que já me salvou. 

Traduzindo: talvez eu só precise ser grande e protagonista aqui em casa para ser uma nota de rodapé no reino. Esta é a grandeza que vou perseguir.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Luz amarela

Este ano completei 42 primaveras e a luz amarela acendeu mais forte. Estou entrando num grupo de risco e um perigo me ronda. E não estou me referindo ao exame de próstata (que a literatura médica bondosamente postergou para os 50 anos recentemente). 

Os livros de Crônicas e Reis narram de forma bem sintética a biografia dos reis de Judá e Israel e a frase que mais se lê ali é "reinou xx anos e fez o que era mau ao olhos do Senhor". Há umas poucas exceções, contudo, reis que não compactuaram com a tendência reinante de sincretismo e de relativismo religioso, reis que se revelaram fieis a Deus e a Sua lei. Entretanto, mesmo entre estes que mandaram bem durante boa parte da vida, existe alguma nota de reprovação geralmente posicionada no fim de sua vida.

Quer ver? Asa foi um ótimo rei até que, sem consultar a Deus, resolveu se aliar à Assíria contra Israel. A estratégia deu certo pelo ponto de vista militar, mas quando um profeta se levantou para censurá-lo por isso, ele colocou o profeta no tronco. "Também nesse tempo Asa oprimiu alguns do povo" (II Crônicas 16:10). Porque afastar-se de Deus costuma descambar para isso: opressão e exercício arbitrário do poder. 

É famosa a história de Ezequias, um rei muito devoto e que ouvia Isaías, mas que resolveu fazer propaganda das riquezas de seu reino a emissários de Babilônia do mesmo jeito que alguns anos depois o rei da mesma Babilônia, agora senhor sobre Judá, se pavoneava de sua glória e de seu poder como se não viesse tudo de Deus. Ezequias escorregou quando se viu confortável.

Jeosafá também foi um bom rei até que, sem consultar a Deus, resolveu se aliar ao ímpio rei israelita Acabe e por isso seu exército foi destruído. 

Mas possivelmente os dois melhores exemplos do que quero dizer sejam Josias e Salomão. Salomão começou muito bem, mas na fase madura só fez bobagens. Josias foi um rei exemplar, do tipo que a gente conta a história para as crianças, mas quando o fazemos a gente omite o fato de que, tão logo morreu o seu mentor, o sacerdote Jeoiada, ele descambou completamente a ponto de mandar apedrejar o filho de Jeoiada quando veio chamar sua atenção.

Não tenho a idade exata em que o caldo entornou para cada um desses, mas parece que a meia idade esconde essa arapuca. Dá pra ver que um bom começo não é garantia de um bom final e que um bom final é mais importante. Alguns desses homens foram vítimas do sucesso e da prosperidade, outros parece que se deixaram levar por influências encantadoras, mas todos perderam o sentido de vigilância, abaixaram a guarda, colocaram o carro em ponto morto, se refestelaram na zona de conforto. E mancharam terrivelmente suas biografias. 

Nossa biografia é tudo que temos, amigos. É nosso único real patrimônio. Nenhuma vitória do passado compensará os escorregões do presente. É preciso se certificar de que nossa árvore continua plantada perto da água, que nossa preocupação continua sendo ouvir a voz de Deus e nos conformar ao que ela diz diuturnamente.

A luz amarela está acesa, especialmente aos de minha geração. Temos o exemplo desses caras todos a piscar na nossa frente. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

XV anos

Quando eu era criança, o universo adulto me parecia extremamente chato e desinteressante porque, com raras exceções, os adultos me pareciam chatos e desinteressantes.Aí eu me tornei um adulto e percebi que é isso mesmo.

Antes, porém, na adolescência, já antevendo que aquele poderia ser meu fim, eu ouvia a canção XV anos, do Ira! no repeat até cansar e pensava: vou estocar muita tinta colorida dentro de mim, pra quando o cinza modorrento da fase adulta chegar eu ter com que colori-lo. E me apliquei exemplarmente a essa tarefa. Penso que fui relativamente bem sucedido nela, tive anos incríveis. 

Assim mesmo, é inevitável você se perguntar se sua vida é um sucesso. E isso é uma porta aberta para a amargura. Amargura porque a resposta pode ser não, sua vida não é um sucesso. Aquilo que você perseguiu durante dez, quinze, vinte anos, bem, você não chegou lá. Ou porque a resposta pode ser sim mas aí você se dá conta que perseguiu algo que não preenche e sacrificou na busca o muita coisa valiosa. Nesse caso você pode estar olhando para o lado, para amigos que não tiveram o tipo de sucesso que você alcançou e que parecem lidar bem demais com aquilo e se pergunta: será que eu estive correndo atrás do vento? Aquilo que é para mim fonte de orgulho, de onde tiro meu senso de dignidade e de valor, seria uma ilusão?

Não sei se tempos de crise são mais propícios para balanços dessa sorte, mas sei que para todo lado que olho a angústia parece ter se instalado em maior ou menor grau, as relações parecem estar abaladas e o que antes era ou parecia ser união está agora se esgarçando e virando pó.

Pergunto aos da minha geração: estamos nos tornando os adultos amargos que nos davam calafrios? Foi esse o profundo e fantástico conhecimento que adquirimos?

Talvez a crise seja o momento ideal para fazer como o cara da canção e voltar a ter 15 anos, voltar a ter aquele tipo de amor pela vida. Sem reproduzir o verso da canção "vivendo e não aprendendo". Talvez seja o momento - porque nunca é tarde para ele - de redescobrir o que é vida. Vida em abundância. Vida de quem se sabe salvo em Cristo Jesus. Vida de quem sabe que a vida é valiosa, custou tudo para Ele. Vida de quem se aliou ao que é eterno para fazer as coisas perenes aqui também.

Talvez o momento seja propício para decidir passar a correr atrás das coisas certas. E suplicar ajuda para conseguir fazer isso é só isso.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Papo cueca

Meninas, se me dão licença, vocês podem pular a leitura hoje, gostaria de falar hoje especialmente com os homens.

Rapazes, mais cedo estive lendo Gênesis 3 e a reflexão a que a leitura me conduziu mudou o curso dos meus planos e o que eu planejava escrever. Duas coisas me chamaram a atenção especialmente no relato da queda e ambas têm a ver com nosso papel de homens neste mundo.

A primeira é que quando Deus caminha procurando Adão e Eva, é a ele que Se dirige primeiro pedindo explicações sobre o que havia dado errado. Machista e chauvinista como possa parecer, o homem é o primeiro interlocutor, é aquele a quem o Senhor vai pedir explicações quando algo sair dos trilhos com nossa família. Não se trata exatamente de uma prerrogativa ou de um privilégio, mas de uma responsabilidade.

Temos o exemplo de Adão ao qual não seguir. Podemos fazer como ele e justificar o fracasso apontando para as escolhas dos demais membros da casa. É sempre uma opção... Ou podemos pedir sabedoria a Deus para tomar hoje as atitudes que vão aumentar significativamente a probabilidade de não haver fracasso no futuro. É o princípio da colheita, a gente colhe aquilo que plantou, não tem escapatória. A primeira dessas atitudes é nos jogarmos aos pés de Cristo e perguntar o que Ele quer que façamos, como Ele quer que apliquemos nosso tempo livre, a hora que Ele deseja que nós acordemos, que tipo de interação Ele quer que tenhamos com nossos filhos e com nossa esposa...

Aliás, a interação com a esposa tem a ver com a segunda coisa que hoje me chamou a atenção. Lembrei algo que Renato Cardoso havia observado em"Casamento blindado": a maldição do homem tem a ver com o elemento do qual foi tirado: a terra. A partir da queda ele teria que suar para trabalhar a terra. Uma consequência disso é que o senso de valorização e de sucesso do homem estaria atrelado de forma mais destacada ao trabalho, a conquistar e subjugar, a terra ou que quer que fosse. Só Ele sabe quantos homens estabeleceram como alvo principal de sua vida sucesso no trabalho! Quando fui dispensado da empresa na qual trabalhava, passei uns meses na consultoria de outplacement vendo uma procissão de homens com a autoestima em frangalhos. Perder o "sobrenome corporativo" era o mesmo que fracassar rotundamente para muitos deles (pra mim também foi, não me coloco acima disso).

Essa é uma razão adicional para pedir sabedoria a Deus e conseguir dosar essa busca incansável por conquistar coisas novas no campo profissional, afinal, Deus vai pedir contas de sua família, não esqueça.

Mas é curioso que a maldição que recaiu sobre a mulher também tem a ver com o elemento do qual ela foi gerada: o marido. Deus disse que a partir de então seu desejo seria para seu marido. A mentalidade do século XXI tentou desfigurar isso e estabelecer esse fato como uma realidade superada, mas a verdade é que o senso de valor, a autoimagem e a felicidade de milhões de mulheres continuam dependendo do que seus maridos pensam delas e de como elas são tratadas por eles.

Lembre que um dia, usando uma roupa esquisita e na presença de testemunhas, você jurou perante Deus zelar pela felicidade dela. Lembre que a felicidade dela está atrelada, por um ato do próprio Deus, ao que você diz a ela, ao grau de importância que ela recebe na escala de prioridades e valores que você cultiva, a como você a trata, a quanto você a elogia e ao quanto você mantém ativa na sua memória as virtudes dela.

Não pense que uma mulher com a autoestima quebrada poderá ser melhor manipulada. Deus vai lhe pedir contas disso também. Ele vai chegar e perguntar: "ei, marido, sua esposa foi feliz?"

Quando isso acontecer você vai olhar para o lado buscando alguém em quem botar a culpa e o mais triste é que não vai haver ninguém ali.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Como você deve gritar

Caravanas cortando o deserto caminhavam esparsadamente, os grupos guardando uma certa distância uns dos outros a fim de multiplicar as chances de encontrar água. Quando um grupo encontrava, gritava chamando os demais. É essa a imagem que Apocalipse 22:17 quando diz: "O Espírito e a noiva dizem vem, e quem ouve diga vem.Quem tiver sede venha, e quem quiser beba de graça da água da vida"

Quem acha água precisa necessariamente gritar chamando os outros. É a dinâmica estabelecida pelo Mestre. Sigam-me. Provem da água da vida. Agora vão e façam discípulos.

Mas não é só gritar. Aqui a ilustração se descola da realidade. Existe um método envolvido nisso.

Alguns cristãos, preocupados em tirar cinco na prova e passar de ano, aplacam a consciência distribuindo uma vez por ano uns livros na vizinhança sem contato pessoal algum com os presenteados, jogando o livro por baixo da porta do apartamento, por assim dizer. Há os que confiam que o "vem!" será dado pela TV ou pela Internet. Outros se preocupam em levar o potencial discípulo até o templo e, se a pessoa "gostar", oferecem um estudo bíblico, uma transmissão fria e puramente intelectual de grandes verdades.

Ok, tudo isso pode ter seu valor, mas se você quiser cumprir a missão dada pelo Mestre deveria usar as ferramentas que Ele usou. “Unicamente os métodos de Cristo trarão verdadeiro êxito no aproximar-se do povo. O Salvador misturava-Se com os homens como uma pessoa que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por eles, ministrava-lhes às necessidades e granjeava-lhes a confiança. Ordenava então: ‘Segue-Me’.” (Ellen G, White, A Ciência do Bom Viver, p. 143). 

É relacional. Requer tempo. Requer amor e disponibilidade. 

Pense nisto: nosso método envolve o interessado "aceitando Jesus", experimentando uma revolução comportamental e então integrando nossa comunidade. Jesus fazia o exato contrário. Primeiro integrava e aceitava, no relacionamento com Ele a pessoa estabelecia um relacionamento com Deus e só então as mudanças comportamentais apareciam.

"Unicamente os métodos de Cristo trarão verdadeiro êxito". Unicamente.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Abrindo os olhos para ver

"E Eliseu orou, e disse: Ó Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e ele viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo e redor de Eliseu" (II Reis 6:17).

Há uma realidade invisível ao nosso redor e ela é magnífica. Se a pudéssemos ver, jamais trataríamos qualquer instante da vida que nosso Deus nos dá como banal. Me envergonho quando contrasto a forma alegre com que tantas vezes ignoro essa realidade com a atitude daqueles que não podem ignorá-la.

Apocalipse 4 descreve o trono de Deus no centro do Universo. Ele diz que ao redor de Deus há quatro seres, chamados em outros cantos da Bíblia de querubins, e também há 24 homens, ou anciãos. Eles estão pertinho de Deus, e o que fazem? Os querubins "proclamam sem cessar: 'Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, Aquele que era, que é e que há de vir!'" (Apocalipse 4:8). E o que fazem os tas 24 anciãos? "Eles lançam suas coroas diante do trono e declaram: 'Nosso Senhor e nosso Deus, tu és digno de receber a glória, a honra e o poder, porquanto tu és o Criador de tudo e, por tua soberana vontade, tudo o que há, foi criado e veio a existir'" (v. 10 e 11).

E eis que aparece na cena Jesus Cristo. Ele assume a forma de um Cordeiro, Ele morre, Ele ressuscita. Então os 24 anciãos começam a cantar exaltando Jesus pelo fato de haver comprado homens "de toda tribo, nação, língua e povo(5:9). O que João presencia então é impressionante.

"Então reparei e também ouvi a voz de grande multidão de anjos ao redor do trono e dos seres viventes e dos anciãos... eles proclamavam em alta voz: 'Digno é o Cordeiro de receber a plenitude do poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor!'  Em seguida, ouvi todas as criaturas existentes no céu, na terra e no mar e tudo o que neles há que exclamavam: 'Ao que está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor ,a honra, a glória e o domínio pelos séculos dos séculos!" (Apocalipse 5:11-13).

Aqueles que estão frente a frente com a glória não fazem outra coisa senão louvá-la. E eu que, como o moço de Eliseu, dou crédito excessivo ao que meus olhos vêem, louvo pouco, louvo mal, bocejo, perco oportunidades de me juntar aos que louvam.

Nós não sabemos de nada, meus amigos. Nada.

Que isso mude!


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Desfibrilador, por favor

"Um sintoma de que sua igreja está morrendo é se nela não há ninguém na liderança que há três ou quatro anos estava morto". 

Li isso algum tempo atrás, provavelmente em "Rethinking the church", de James Emery White. Bem, se esse critério é válido, a verdade é que minha igreja está morrendo. E provavelmente a sua também. Ela pode até estar crescendo de ano para ano, mas em essência ela está morrendo. Porque ela é um organismo projetado para a multiplicação. E se ela não está no serviço de ressurreição massiva de mortos, ela é um morto e não sabe, tão carente de ressurreição quanto aqueles a quem ela deveria alcançar.

Podemos pensar em como mudar esse quadro e alcançar de verdade os mortos, como invadir o reino de Satanás de forma que as portas do inferno não aguentem. Vamos mudar a música? Vamos mudar nossas roupas? Vamos falar mais gírias? 

Concordo que ajustes precisam ser feitos, porque ninguém deixa de estar morto e vem para a vida sem que haja discipulado e discipulado envolve comunicação. Precisamos nos comunicar com eles, aprender sua língua. Mas o fato é que quem opera o milagre da ressurreição é o Espírito Santo. 

Ficou fácil, né? Vamos botar a culpa no Espírito Santo, que está fazendo um péssimo trabalho.

Bem, se sua mãe estivesse doente e você tiver estas duas opções de hospitais, qual você escolheria? No primeiro, os equipamentos são de ponta, as camas têm aqueles motorzinhos que levantam a cabeceira e no quarto há uma TV com 200 canais. Só que os médicos e enfermeiros não ligam a mínima para os pacientes. Eles fazem o mínimo necessário, demoram a atender chamados e o fazem de má vontade. No segundo, sua mãe ficaria numa enfermaria sem TV, com outros doentes, mas a equipe atende seus pacientes com amor e desvelo. 

Não sei qual seria a sua opção, mas, à luz do evangelho, a de Deus me parece ser a do segundo hospital. Bem, se Jesus e o Espírito Santo são o samaritano da parábola, recolhendo o morto do caminho e o confiando a alguém para cuidar dele até que volte, fico pensando se ele não passa com o coitado montado em sua jumenta, olha para dentro da minha igreja, vê a TV com trocentos canais e tudo mais e, lastimando o fato, o leva até outra hospedaria qualquer. 

"Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (João 13:35). 

É hora de parar de falar em comprar mais TVs e camas motorizadas e pensar que nossa missão é fazer discípulos. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O seu papel nisso tudo

Sabe aqueles imperativos absolutos que nós amamos fazer malabarismos retóricos para conseguir relativizar? Coisas como "buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de TODO o coração" (Jeremias 29:13) ou "buscai PRIMEIRO o reino de Deus e a sua justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33)? Pois é. A Bíblia é recheada deles e quando a gente finalmente entendeu e aceitou a ideia da graça esses imperativos vêm e nos confundem.

Afinal de contas, somos salvos pela graça ou só depois de empregar TODO o coração e de colocar essa busca em PRIMEIRO lugar? Por que razão o mandamento nos ordena a amar com TODO o coração, TODA a alma e TODAS as nossas forças?

Em minhas leituras diárias estou quase terminando o Novo Testamento e pela primeira vez fiz acompanhar minhas leituras do registro de minhas impressões delas em um caderno. Eu leio um capítulo e então registro no caderno aquilo que me impressionou ou que entendi no texto e essa experiência tem sido fantástica, principalmente para entender a mensagem mais global, e não compartimentada em capítulos. E o resultado dessa experiência tem sido notar a tônica comum a Paulo, Tiago, Pedro e João. Parece que todas aquelas epístolas são um grito desses homens inspirados: "não usem a ideia revolucionária da graça para colocarem o motor na banguela! não pensem que a graça os joga numa zona de conforto! Como disse o profeta Isaías, 'aqui não é lugar de descanso'' ainda. O descanso está mais à frente, não parem de andar!"

A resposta que vejo à pergunta que fiz dois parágrafos acima é: sim, somos salvos TOTALMENTE pela graça. Antes de conseguirmos buscar a Deus com 1% do nosso coração. Enquanto o reino de Deus era a última de nossas prioridades. A graça nos alcançou enquanto estávamos longe e de costas para Deus. 

Mas o complemento necessário é: se a graça nos salvou inteiramente enquanto ainda éramos o oposto de Jesus Cristo, ela colocou em nosso coração o desejo genuíno de caminhar na direção da semelhança absoluta com Ele. Isso se faz com a aplicação de todo o coração e fazendo dessa busca o objeto primeiro de nossa agenda. Isso se faz empregando na tarefa de aprender a amar nosso coração, nossa alma e nossos esforços. Não para sermos salvos, mas porque fomos. Não para tentar nos melhorar como pessoas, mas para estar em harmonia com o poder que é capaz de o fazer.

Enquanto estamos nessa caminhada, Cristo alegremente completa o que falta com Sua justiça perfeita. Quando, contudo, interrompemos essa caminhada, estamos acreditando na mentira de que o grau de semelhança com Ele que já alcançamos é suficiente porque já é bem maior do que o das pessoas ao nosso redor ou bem maior do que aquele que tínhamos tempos atrás.

Se Ele te deu o desejo de buscá-lO, é porque você foi alcançado. Empregue nisso tudo o que tem. Ele vai operar cada vez mais o querer e o efetuar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Aquilo pelo que você se levanta

Frank Miller imaginou como a história dos lendários 300 de Esparta poderia ser contada de modo que parecesse uma vitória, e não o extermínio que foi. Extermínio heroico, mas extermínio: todos os 300 morreram.O ápice de sua graphic novel é o momento e que o general espartano atira uma lança em Xerxes. A lança o alcança de raspão, extraindo um único filete de sangue. Pronto. Leônidas havia feito o endeusado Xerxes sangrar. Era o suficiente. Para os oprimidos, ver o sangue do opressor escorrer era uma vitória moral.

Bin Laden, convencido de ser o oprimido e vendo nos Estados Unidos o opressor, fez o sangue da América escorrer.

Há exatos catorze anos aquelas torres gêmeas vieram ao chão do centro financeiro de Nova York com cobertura ao vivo para o mundo todo, que assistia estupefato. Mais de 3.000 mortos, leis suprimindo direitos fundamentais em nome da segurança, mil teorias da conspiração, guerra no Afeganistão, guerra no Iraque, invasão do Paquistão, assassinato de Bin Laden, primavera árabe, estado islâmico... tudo levantou como aquela nuvem de poeira que vimos na TV, há exatos catorze anos.

Mas não foi só isso. Levantou a popularidade do presidente Bush, que àquela altura só ganhava da popularidade atual de Dilma ou do Vasco.

Um interessante estudo que li mostra que a popularidade do presidente americano está diretamente associada à existência de um inimigo terrível externo. Se não são os comunistas, que sejam os fundamentalistas islâmicos. Quando Bush achou seu grande inimigo, sua popularidade cresceu e ele se reelegeu.

De modo análogo, muitas pessoas só sentem que sua vida está nos eixos, que ela tem propósitos, se estão combatendo algum inimigo. É uma tentação, mesmo, porque lutar contra é um tipo de catarse. Existe, contudo, um propósito superior para a existência humana, que é levantar-se não contra algo, mas a favor de. A favor do próximo, a favor da vida. 

Nosso inimigo, diz a Bíblia, não é de carne e osso. Nosso inimigo, diz a Bíblia, não somos nós quem derrotamos, é o Senhor dos exércitos. Nessa batalha não precisamos pelejar, apenas escolher o lado certo. 

Isso não significa que não devemos lutar contra a injustiça, a corrupção e a degradação, mas que não devemos focar nessas batalhas "santas" como sendo nosso propósito de vida fazer algum opressor sangrar.

Que os Filhos do Deus vivo canalizem o melhor de sua energia para construir e não para destruir.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Aquele menino

O menino está sozinho. Seu rosto está afundado na areia, numa posição em que quem já teve um filho acostumou-se a ver seu bebê, só que com o rosto afundado no travesseiro. Está lá o menino. Ele está sozinho. As ondas lambem seu corpinho inerte. Ele está sozinho. E, vendo, minha própria solidão lateja como nunca.

Na correria do dia eu havia visto uma outra foto, de uma mulher em desespero segurando uma criança na água, assim, quando Hector, médico que trabalha em Luanda, Angola, me escreveu para contar o quanto estava desconfortável com a foto, eu imaginei que ele se referia àquela outra, e respondi dizendo que também me sentia dilacerado. Foi só mais tarde que vi a foto à qual ele se referia e que hoje entope a timeline de qualquer rede social. 

Aquele menino na praia é o ponto final em mil potencialidades. É o cúmulo da injustiça. Um mundo que ele não pediu caiu sobre sua cabeça. Pode até ser que, crescendo, ele ajudasse a perpetuar ou acentuar sua crueldade, não sabemos. E é por não sabermos, pela supressão da mínima chance que houvesse de ele fazer melhor, de existir com dignidade, e é por inevitavelmente enxergar ali o corpo de um filho nosso, que o drama que é dele agora é nosso também. 

A imagem daquele menino morto após o naufrágio do barco em que sua família tentava chegar à Europa fugindo do conflito na Síria recolocou o drama no centro da emoção e da empatia do mundo, mas aí dei um passo para além dele e pensei em todos os conflitos humanos para os quais não temos imagem alguma e por isso mesmo seguimos indiferentes a ele. 

Esse pensamento me levou a um outro. Se o drama de um só menino é capaz de me rasgar o coração desse jeito, qual não será o sentimento de Deus olhando o meu mundo? Nesse exato instante Ele tem a imagem em full HD de 7 bilhões de refugiados que confiam em barcos inseguros para chegar à margem errada do rio errado e estão fadados a morrer com o nariz enterrado na areia de alguma praia desolada. Sozinhos.

Deus amou o mundo inteiro a ponto de dar Seu filho único para morrer, de modo que, quem nEle crer, tenha, depois dessa praia definitiva, a vida eterna. Mas sabendo como somos limitados Ele nos convida a não tentar fazer mesmo. Ele nos chama a amar o próximo, aquele que está perto. 

Aqui em São Paulo há refugiados haitianos, se lhe apraz. Há mães solteiras adolescentes, crianças filhos de pais viciados em crack, há pessoas com paralisia cerebral, há gente que luta contra a depressão, pessoas solitárias, gente que não vê sentido na existência, gente que não tem chances de obter uma qualificação minimamente digna, velhos abandonados em asilos e todo tipo de "próximo". Podemos tentar ajudar os refugiados da Síria e Iraque, podemos estar ao lado de quem está perto e em dor. Só não podemos fingir que não é com a gente.

Como escreveu John Donne durante o auge da peste negra, ao ouvir os sinos anunciarem mais uma morte: Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Ok, eu confesso: eu creio

Quando eu era moleque, todo mundo se vestia meio igual. Havia cinco ou seis canais de TV, então todo mundo assistia a mesma coisa. Meus amigos todos só conheciam os livros da série Vaga Lume, então todo mundo lia a mesma coisa. Havia muita diferença, é verdade. Mas não tanta. E, enquanto a diversidade se multiplica como gremlins na água (metáfora só alcançável por maiores de 40, so sorry), a intolerância parece tentar acompanhar o ritmo.

Cada vez mais, portanto, somos forçados a conviver com o diferente. Os comunas com os coxinhas, os defensores da família com os pan-sexuais, os pré-lapsarianos com os pós-lapsarianos, os manguaceiros com os abstêmios, churrasqueiros com veganos. A lista não conhece fim. 

Aqui neste espaço tenho defendido a necessidade de os cristãos exercitarem tolerância e mais do que respeito com o diferente: amor. Contudo, a tolerância tem apresentado um dilema novo: posso ser tolerante e ter convicções ao mesmo tempo? 

Sim, porque o mundo aí ao redor desconfia, teme e em alguns casos hostiliza os convictos. E, no entanto, a mensagem bíblica se autointitula "verdade". Ou melhor, "Verdade", um absoluto retórico.

Mais que isso, a mensagem bíblica fala: vai lá e conta a verdade para todo mundo, para toda nação, tribo, língua e povo.

Outro dia li isso aqui no livro do Bill Hull (Christlike): "Houve um tempo em que tolerância significava que as pessoas iam respeitar as diferenças sem acusações e sem rotular as pessoas. Um cristão e um judeu podiam discordar sobre o Messias, mas respeitavam suas diferenças teológicas e tinham apreço um pelo outro. Agora não é mais assim. Mais e mais as pessoas acreditam que discordar é desrespeitar... Nossa cultura atual ataca selvagemente a antiga doutrina cristã pela qual Jesus é o único caminho para a salvação. Evangélicos estão abandonado o exclusivismo da mensagem cristã em massa; coisas como ... a proclamação absoluta de que as Escrituras são a Palavra de Deus estão sendo descartadas ou jogadas para a prateleira de trás, fora de vista, para não ofender ninguém". Ele dizia isso quando mencionava que os cristãos estão confusos, não sabem mais no que creem e um dos fatores é essa vergonha da convicção.

Chegará um tempo em que as pessoas terão o que o Apocalipse chama de selo de Deus na testa, ou a marca da besta. A marca da besta pode ser na testa ou na mão direita. Teólogos têm interpretado isso como sendo uma indicação de que a marca da besta pode tanto ser um posicionamento ideológico no qual a pessoa realmente acredita (testa) ou um comportamento mimetizado só para não criar complicações ou para escapar das consequências ruins de não agir da forma como todos estão agindo (mão). O selo de Deus, contudo, só é da modalidade "convicção intelectual integral". E é justamente porque vivemos num tempo em que essa atitude está cada vez mais impopular que acredito que esse tempo está chegando, e está chegando rápido.

Precisamos aumentar nosso nível de tolerância ao mesmo tempo em que aumentamos nosso convencimento interno da verdade. 

Cristo é o único nome pelo qual somos salvos. Deixar de transmitir isso com amor não é fazer o bem a ninguém. É esconder o resultado do exame do doente para não chateá-lo.