sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Um método para mudar o mundo


Você pode dar de ombros dizendo que o mundo é assim mesmo ou pode fazer parte da igreja. A igreja é uma demonstração clara de que Deus não está conformado com o jeito como as coisas são. A igreja é um agente de mudanças. Pode até ser um mau agente de mudanças, pode ser até um agente ineficaz de mudanças muitas vezes, mas, desde seu princípio, é para isso que ela existe. As perguntas que nos ocorrem na sequência são: 1) quê mudanças a igreja deve promover no mundo? e 2) como ela consegue essas mudanças?

Bem, quanto à primeira pergunta, é bom considerar que a igreja age de forma bem diferente da política e da economia. Essas ciências buscam impor a mudança de forma coletiva, massificada, ao passo que a igreja foca no indivíduo. Os sacramentos da igreja são algumas vezes tomados coletivamente, mas sempre em porções individuais e o mais importante deles, o batismo, é individual, como individual é a salvação. Bem, e qual é a mudança que a igreja faz no indivíduo? Segundo o livro “Believing, behaving, belonging”, de Richard Rice, essa mudança passa por esses três elementos: a) começar a acreditar e confiar em Deus, b) se comportar de um jeito diferente e c) pertencer a uma comunidade de crentes.

Are they indeed?
Quanto à segunda pergunta, é importante notar como Cristo fazia e como nós fazemos, porque infelizmente são duas coisas diferentes. Para fazer discípulos, Aquele a Quem chamamos de Mestre chamava as pessoas para passar tempo com Ele. “venha e veja”, o convite de Filipe a Natanael (João 1:46), é a expressão exata do método de Jesus. O embrião do que mais tarde se tornou o corpo de apóstolos, o time que chacoalhou o mundo helênico e mudou a História, foi aquele grupo de homens seguindo Jesus por onde Ele ia, comendo com Ele, vendo como Ele reagia quando uma criança aparecia, observando como Ele se comportava com os líderes religiosos de então, ouvindo a base teórica de Seus atos nos Seus sermões e nas Suas conversas casuais.

O que estou tentando dizer é que Jesus começava o processo de mudança do mundo recebendo as pessoas em uma comunidade de amor e companheirismo. Era isso o que levava a pessoa a uma relação pessoal substanciosa com Deus e só então é que vinha a mudança dos hábitos e comportamentos exteriores.

Se a igreja hoje falha em mudar o mundo é porque ela inverte completamente essa dinâmica exigindo que a pessoa de alguma forma, por milagre ou por “combustão espontânea”, passe a acreditar em Deus, então mude de comportamento para só aí ser recebida na comunidade de “santos”.

Se a igreja hoje falha em mudar o mundo é por não estar de braços abertos para quem (ainda) é diferente. Ela tem perdido um tempo precioso se esforçando para parecer diferente (nós usamos uma roupa diferente em um dia diferente, ouvimos música diferente e morremos de medo de ser contaminados pelo “mundo”). Mas não faremos discípulos se não tivermos sido discípulos antes e as pessoas serão atraídas não pela roupa que usamos, mas por reconhecer que temos nos relacionado com Alguém diferente.

Que a enorme massa de almas feridas que vaga errante por esta cidade seja abrigada em uma comunidade menos propensa a julgar e mais propensa a amar incondicionalmente, para que o restante do processo tome seu curso natural.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

No deserto da tentação


No último sábado, na igreja, ouvi um amigo traçar um interessante paralelo entre a tentação de Eva e a de Jesus, que nunca havia me ocorrido e que me apresenta a lições fantásticas para a luta que eu tenho pela frente hoje.

Em ambos os casos, a estratégia de Satanás começou apelando para o apetite, esse fator que muitos ainda tratam como uma questão secundária e inofensiva. As duas tentações mostram que aquilo que comemos e o quanto comemos tem impacto na eternidade. Eva achou o fruto “desejoso para se comer”, enquanto Jesus disse, citando a Bíblia, que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, mostrando que quando o apetite manda numa direção e as Escrituras apontam outra, devemos tomar o outro caminho. Afinal, Ele venceu e nossos primeiros pais não.

Na sequência Satanás pergunta a Eva se era verdade que ela não podia comer de árvore nenhuma do jardim, uma sutil distorção das palavras de Deus. Quando Eva tenta defender a Deus corrigindo a serpente, Satanás mais que depressa lança a mesma mentira atraente que repete à exaustão ao longo dos séculos: certamente você não vai morrer. Para Jesus ele faz o mesmo; também citando a Bíblia (sim, a Bíblia pode ser uma ferramenta de tentação para quem está com ela, mas longe do Autor dela), quando sugere-lhe que se atire do alto do templo. Você não vai morrer, nem se machucar, o tentador está dizendo nas entrelinhas, Deus não vai permitir que isso aconteça. Você é eterno! Eternidade sem atender ao “assim diz o Senhor” foi a promessa que quebrou a fidelidade de Eva. Jesus, ao contrário, ao responder “não tentarás ao Senhor teu Deus”, não apenas venceu a tentação como também me ensinou o valor de uma vida humana. Ele me ensinou que com a vida que ganhei de meu Deus não sou autorizado a brincar. Não devo arriscá-la, não devo andar no limite, não devo tratá-la como se ela fosse um desses produtos com refil que pode ser reposto a qualquer momento. A vida é sagrada e eu não posso colocá-la em risco para provar que Deus me ama.

Na terceira tentação Satanás apela para nossa ambição de sermos mais do que somos. Ele diz a Eva que ela será igual a Deus e diz a Jesus que Ele será o dono do mundo com todas as suas maravilhas. Sutilmente, contudo, ele está falando que só seremos deuses se, antes de mais nada, o fizermos deus. Precisamos atender à sua voz e comer, e não à divina, que manda não comer; precisamos adorá-lo antes de poder ser adorados. Foi esta ambição que o fez derrapar lá no começo. Ele quis ser igual a Deus (Isaías 14:14), ele quis ser adorado também. Mais uma vez, Eva se convence dos argumentos dele e cai, novamente Jesus vence. Isso me faz pensar na forma como lido com as pessoas sobre quem tenho influência, especialmente minha esposa e filhos. Meus atos revelam um desejo legítimo e santificado de ser amado, ou a forma como tento manipular sua vida revela que eu quero no fundo é ser adorado e tratado como um deus?

Satanás não mudou sua estratégia desde que ela deu certo na primeira vez. Não tem porque adotar outra estratégia comigo e com você hoje. O que muda é a embalagem, o produto é o mesmo: apetite (condescendência com os sentidos), eternidade, endeusamento. Você também está no deserto para ser tentado e só vai triunfar onde nossos pais fracassaram se estiver segurando a mão de quem a venceu. “Em Deus faremos proezas” (Salmo 108:13). Inclusive ser vitoriosos na tentação, como Ele foi.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Deus fraco


O incrivelmente forte Hulk se aproxima de Loki, que tenta intimidar o monstrengo verde: “você não pode me enfrentar; eu sou um deus!” Hulk então o pega pelos pés e bate com ele no chão repetidas vezes, como se ele fosse um boneco de pano. Por fim o deixa no chão rachado pela violência dos golpes e dá as costas dizendo: “deus fraco.”

“Puny god” se tornou uma das frases mais conhecidas do filme “Vingadores”, talvez porque é dos lábios do algo irracional Hulk que vem esse juízo sobre o vilão da história, talvez pelo fato de que esconde o velho anseio humano de conseguir medir forças e vencer um deus. Ou talvez só porque vem depois da cena do vilão apanhando feio. Não sei precisar ao certo a razão da popularidade desse mote, mas sei que ele me persegue desde que assisti ao filme.

Racionalmente, tenho consciência de que o Deus a Quem adoro, a Quem eu manifesto obedecer e seguir, é onipotente. Intelectualmente aceito os milagres como fatos históricos: confio que o mar Vermelho se abriu, que o maná caiu do céu, que o sol parou no meio do dia, que Jesus andou sobre as águas, alimentou a milhares com poucos pães e peixes e que ressuscitou a Lázaro. Mas temo que na prática de meu dia-a-dia eu me relacione de fato com um deus fraco.

É que às vezes eu reflito em minhas fraquezas de caráter, meus traços repulsivos de personalidade, meus hábitos lenientes e indulgentes e percebo que por baixo da pele dessas coisas que deveriam ser diferentes encontro a sensação de que Deus não as pode mudar. Encontro minhas desculpas tão esfarrapadas quanto trapos de imundícia: esse “traço de personalidade herdei de meu pai, está no sangue, não tem jeito”; “Deus vai entender que estou sendo forçado a fazer isso nessa fase da minha vida, depois as coisas entram nos eixos”; “ninguém é perfeito e ninguém é de ferro. Na média sou muito melhor do que a maioria das pessoas...” Encontro essas e outras tantas. Confundo (ou finjo confundir) o fato de não querer mudar em certos aspectos com a noção, absolutamente falsa, de que é impossível mudar.

É preciso que venha alguém mais forte que o Hulk, o Espírito Santo, me tome pelos pés e me chacoalhe com força para que eu recorde que o Deus que me criou e salvou, o Deus que me mantém de pé e que mantém o fôlego de vida em minhas narinas, é o que inspirou estas palavras: “quem está em Cristo, nova criatura é”, “tudo posso naquele que me fortalece”, “sede perfeitos como perfeito é vosso pai”, “pois é Deus quem opera em nós, tanto o querer, quanto o efetuar” (II Cor. 5:17, Fil. 4:13, Mat. 5:48, Fil. 2:13). É preciso encarar com coragem o sonho de Deus a meu respeito, muito mais amplo e alto que os meus sonhos, e mergulhar nele. E mergulhar nEle.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Você está sendo observado


Davi é um dos personagens mais comentados de todo o panteão de grandes caras da Bíblia. Pensar que um homem capaz de adulterar, mentir e mandar matar para acobertar o próprio pecado possa ser chamado de “o homem segundo o coração de Deus” tem causado urticárias em muita gente ao longo dos séculos. Se perguntarmos onde exatamente reside a grandeza de Davi, podemos apontar a sua propensão ao arrependimento pelo próprio pecado, sua confiança inabalável em Deus mesmo diante dos gigantes da vida, sua incrível capacidade de sofrer injustiças sem aproveitar chances ótimas de se vingar (demonstrada na história com Saul), sua lealdade e outras tantas qualidades. Mas talvez para conhecer alguém precisemos mais do apenas ler sua história; talvez precisemos ler o que ele escreveu.

Foi fazendo isso por estes dias que descobri outra invejável grandeza de Davi. Em minha leitura dos Salmos (livro que eu já confessei aqui não estar entre meus favoritos da Bíblia), tropecei neste texto, encravado no coração do Salmo 51, aquele que ele escreveu depois que suas diatribes com Bate-Seba e Urias virem à tona: "Dê-me de novo a alegria da tua salvação e conserve em mim um espírito desejoso de obedecer. Então poderei ensinar seus caminhos a outros pecadores para que eles se voltem para o Senhor" 51:12 e 13.

Algumas páginas adiante tropecei em mais isto: "Ó Deus, o Senhor conhece muito bem as minhas culpas; sabe que fui insensato. Ó Senhor, Senhor dos Exércitos, não permita que outras pessoas que confiam no Senhor percam a esperança e a fé por minha causa. Não deixe que elas sejam envergonhadas, ó Deus de Israel!" 69:5 e 6 (ambos na versão da Bíblia Viva)

Outro aspecto da grandeza desse grande herói reside justamente aí: Davi tinha uma consciência muito grande do fato de que a salvação dos que o rodeavam era impactada pela sua atitude. Ele sabia que não poderia levar ninguém para perto de seu Deus, a fonte de sua força e de sua alegria, se sua vida não estivesse em harmonia com seu credo. Somente tendo recuperado o “espírito desejoso de obedecer” poderia ensinar a outros as delícias de estar em paz com Deus, e ele queria isto! Ele sofria por não poder fazer isso!

O cristianismo teria uma posição radicalmente diferente da que hoje tem em nossa sociedade se houvesse mais pessoas nele com a consciência de que têm uma responsabilidade para com o mundo a seu redor, uma responsabilidade que confere um raro prazer quando atendida devidamente.

Que sua preocupação com a possibilidade de outros virem a tropeçar pela sua conduta possa ser grande a ponto de você cantá-la em oração a seu Deus. E que Ele responda a essa prece como respondeu à de Davi.