sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Desfibrilador, por favor

"Um sintoma de que sua igreja está morrendo é se nela não há ninguém na liderança que há três ou quatro anos estava morto". 

Li isso algum tempo atrás, provavelmente em "Rethinking the church", de James Emery White. Bem, se esse critério é válido, a verdade é que minha igreja está morrendo. E provavelmente a sua também. Ela pode até estar crescendo de ano para ano, mas em essência ela está morrendo. Porque ela é um organismo projetado para a multiplicação. E se ela não está no serviço de ressurreição massiva de mortos, ela é um morto e não sabe, tão carente de ressurreição quanto aqueles a quem ela deveria alcançar.

Podemos pensar em como mudar esse quadro e alcançar de verdade os mortos, como invadir o reino de Satanás de forma que as portas do inferno não aguentem. Vamos mudar a música? Vamos mudar nossas roupas? Vamos falar mais gírias? 

Concordo que ajustes precisam ser feitos, porque ninguém deixa de estar morto e vem para a vida sem que haja discipulado e discipulado envolve comunicação. Precisamos nos comunicar com eles, aprender sua língua. Mas o fato é que quem opera o milagre da ressurreição é o Espírito Santo. 

Ficou fácil, né? Vamos botar a culpa no Espírito Santo, que está fazendo um péssimo trabalho.

Bem, se sua mãe estivesse doente e você tiver estas duas opções de hospitais, qual você escolheria? No primeiro, os equipamentos são de ponta, as camas têm aqueles motorzinhos que levantam a cabeceira e no quarto há uma TV com 200 canais. Só que os médicos e enfermeiros não ligam a mínima para os pacientes. Eles fazem o mínimo necessário, demoram a atender chamados e o fazem de má vontade. No segundo, sua mãe ficaria numa enfermaria sem TV, com outros doentes, mas a equipe atende seus pacientes com amor e desvelo. 

Não sei qual seria a sua opção, mas, à luz do evangelho, a de Deus me parece ser a do segundo hospital. Bem, se Jesus e o Espírito Santo são o samaritano da parábola, recolhendo o morto do caminho e o confiando a alguém para cuidar dele até que volte, fico pensando se ele não passa com o coitado montado em sua jumenta, olha para dentro da minha igreja, vê a TV com trocentos canais e tudo mais e, lastimando o fato, o leva até outra hospedaria qualquer. 

"Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (João 13:35). 

É hora de parar de falar em comprar mais TVs e camas motorizadas e pensar que nossa missão é fazer discípulos. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O seu papel nisso tudo

Sabe aqueles imperativos absolutos que nós amamos fazer malabarismos retóricos para conseguir relativizar? Coisas como "buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de TODO o coração" (Jeremias 29:13) ou "buscai PRIMEIRO o reino de Deus e a sua justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33)? Pois é. A Bíblia é recheada deles e quando a gente finalmente entendeu e aceitou a ideia da graça esses imperativos vêm e nos confundem.

Afinal de contas, somos salvos pela graça ou só depois de empregar TODO o coração e de colocar essa busca em PRIMEIRO lugar? Por que razão o mandamento nos ordena a amar com TODO o coração, TODA a alma e TODAS as nossas forças?

Em minhas leituras diárias estou quase terminando o Novo Testamento e pela primeira vez fiz acompanhar minhas leituras do registro de minhas impressões delas em um caderno. Eu leio um capítulo e então registro no caderno aquilo que me impressionou ou que entendi no texto e essa experiência tem sido fantástica, principalmente para entender a mensagem mais global, e não compartimentada em capítulos. E o resultado dessa experiência tem sido notar a tônica comum a Paulo, Tiago, Pedro e João. Parece que todas aquelas epístolas são um grito desses homens inspirados: "não usem a ideia revolucionária da graça para colocarem o motor na banguela! não pensem que a graça os joga numa zona de conforto! Como disse o profeta Isaías, 'aqui não é lugar de descanso'' ainda. O descanso está mais à frente, não parem de andar!"

A resposta que vejo à pergunta que fiz dois parágrafos acima é: sim, somos salvos TOTALMENTE pela graça. Antes de conseguirmos buscar a Deus com 1% do nosso coração. Enquanto o reino de Deus era a última de nossas prioridades. A graça nos alcançou enquanto estávamos longe e de costas para Deus. 

Mas o complemento necessário é: se a graça nos salvou inteiramente enquanto ainda éramos o oposto de Jesus Cristo, ela colocou em nosso coração o desejo genuíno de caminhar na direção da semelhança absoluta com Ele. Isso se faz com a aplicação de todo o coração e fazendo dessa busca o objeto primeiro de nossa agenda. Isso se faz empregando na tarefa de aprender a amar nosso coração, nossa alma e nossos esforços. Não para sermos salvos, mas porque fomos. Não para tentar nos melhorar como pessoas, mas para estar em harmonia com o poder que é capaz de o fazer.

Enquanto estamos nessa caminhada, Cristo alegremente completa o que falta com Sua justiça perfeita. Quando, contudo, interrompemos essa caminhada, estamos acreditando na mentira de que o grau de semelhança com Ele que já alcançamos é suficiente porque já é bem maior do que o das pessoas ao nosso redor ou bem maior do que aquele que tínhamos tempos atrás.

Se Ele te deu o desejo de buscá-lO, é porque você foi alcançado. Empregue nisso tudo o que tem. Ele vai operar cada vez mais o querer e o efetuar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Aquilo pelo que você se levanta

Frank Miller imaginou como a história dos lendários 300 de Esparta poderia ser contada de modo que parecesse uma vitória, e não o extermínio que foi. Extermínio heroico, mas extermínio: todos os 300 morreram.O ápice de sua graphic novel é o momento e que o general espartano atira uma lança em Xerxes. A lança o alcança de raspão, extraindo um único filete de sangue. Pronto. Leônidas havia feito o endeusado Xerxes sangrar. Era o suficiente. Para os oprimidos, ver o sangue do opressor escorrer era uma vitória moral.

Bin Laden, convencido de ser o oprimido e vendo nos Estados Unidos o opressor, fez o sangue da América escorrer.

Há exatos catorze anos aquelas torres gêmeas vieram ao chão do centro financeiro de Nova York com cobertura ao vivo para o mundo todo, que assistia estupefato. Mais de 3.000 mortos, leis suprimindo direitos fundamentais em nome da segurança, mil teorias da conspiração, guerra no Afeganistão, guerra no Iraque, invasão do Paquistão, assassinato de Bin Laden, primavera árabe, estado islâmico... tudo levantou como aquela nuvem de poeira que vimos na TV, há exatos catorze anos.

Mas não foi só isso. Levantou a popularidade do presidente Bush, que àquela altura só ganhava da popularidade atual de Dilma ou do Vasco.

Um interessante estudo que li mostra que a popularidade do presidente americano está diretamente associada à existência de um inimigo terrível externo. Se não são os comunistas, que sejam os fundamentalistas islâmicos. Quando Bush achou seu grande inimigo, sua popularidade cresceu e ele se reelegeu.

De modo análogo, muitas pessoas só sentem que sua vida está nos eixos, que ela tem propósitos, se estão combatendo algum inimigo. É uma tentação, mesmo, porque lutar contra é um tipo de catarse. Existe, contudo, um propósito superior para a existência humana, que é levantar-se não contra algo, mas a favor de. A favor do próximo, a favor da vida. 

Nosso inimigo, diz a Bíblia, não é de carne e osso. Nosso inimigo, diz a Bíblia, não somos nós quem derrotamos, é o Senhor dos exércitos. Nessa batalha não precisamos pelejar, apenas escolher o lado certo. 

Isso não significa que não devemos lutar contra a injustiça, a corrupção e a degradação, mas que não devemos focar nessas batalhas "santas" como sendo nosso propósito de vida fazer algum opressor sangrar.

Que os Filhos do Deus vivo canalizem o melhor de sua energia para construir e não para destruir.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Aquele menino

O menino está sozinho. Seu rosto está afundado na areia, numa posição em que quem já teve um filho acostumou-se a ver seu bebê, só que com o rosto afundado no travesseiro. Está lá o menino. Ele está sozinho. As ondas lambem seu corpinho inerte. Ele está sozinho. E, vendo, minha própria solidão lateja como nunca.

Na correria do dia eu havia visto uma outra foto, de uma mulher em desespero segurando uma criança na água, assim, quando Hector, médico que trabalha em Luanda, Angola, me escreveu para contar o quanto estava desconfortável com a foto, eu imaginei que ele se referia àquela outra, e respondi dizendo que também me sentia dilacerado. Foi só mais tarde que vi a foto à qual ele se referia e que hoje entope a timeline de qualquer rede social. 

Aquele menino na praia é o ponto final em mil potencialidades. É o cúmulo da injustiça. Um mundo que ele não pediu caiu sobre sua cabeça. Pode até ser que, crescendo, ele ajudasse a perpetuar ou acentuar sua crueldade, não sabemos. E é por não sabermos, pela supressão da mínima chance que houvesse de ele fazer melhor, de existir com dignidade, e é por inevitavelmente enxergar ali o corpo de um filho nosso, que o drama que é dele agora é nosso também. 

A imagem daquele menino morto após o naufrágio do barco em que sua família tentava chegar à Europa fugindo do conflito na Síria recolocou o drama no centro da emoção e da empatia do mundo, mas aí dei um passo para além dele e pensei em todos os conflitos humanos para os quais não temos imagem alguma e por isso mesmo seguimos indiferentes a ele. 

Esse pensamento me levou a um outro. Se o drama de um só menino é capaz de me rasgar o coração desse jeito, qual não será o sentimento de Deus olhando o meu mundo? Nesse exato instante Ele tem a imagem em full HD de 7 bilhões de refugiados que confiam em barcos inseguros para chegar à margem errada do rio errado e estão fadados a morrer com o nariz enterrado na areia de alguma praia desolada. Sozinhos.

Deus amou o mundo inteiro a ponto de dar Seu filho único para morrer, de modo que, quem nEle crer, tenha, depois dessa praia definitiva, a vida eterna. Mas sabendo como somos limitados Ele nos convida a não tentar fazer mesmo. Ele nos chama a amar o próximo, aquele que está perto. 

Aqui em São Paulo há refugiados haitianos, se lhe apraz. Há mães solteiras adolescentes, crianças filhos de pais viciados em crack, há pessoas com paralisia cerebral, há gente que luta contra a depressão, pessoas solitárias, gente que não vê sentido na existência, gente que não tem chances de obter uma qualificação minimamente digna, velhos abandonados em asilos e todo tipo de "próximo". Podemos tentar ajudar os refugiados da Síria e Iraque, podemos estar ao lado de quem está perto e em dor. Só não podemos fingir que não é com a gente.

Como escreveu John Donne durante o auge da peste negra, ao ouvir os sinos anunciarem mais uma morte: Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.