sexta-feira, 25 de março de 2011

A primeira disciplina: meditação

Ao entrar no carro, o primeiro gesto, já automático, é o de ligar o rádio. Ao chegar em casa, os olhos já procuram o controle remoto da TV. Temos cursos, trabalho, crianças, amigos, familiares, a casa, os hobbies e um milhão de outras coisas para equilibrar feito malabaristas de semáforo. E se, por um milagre, nos aparece um tempinho vago, o empregamos para tirar o atraso do Orkut ou do Facebook. Nunca na História foi tão profunda a necessidade do homem aprender o que significa contemplação, ou meditação.

Hoje em dia a palavra meditação foi roubada pelo esoterismo místico, e é sinônimo de ficar imóvel e tentar esvaziar a mente ou então repetir algum mantra à exaustão, mas ela é bem conhecida do cristianismo desde seus primórdios e precisamos tomá-la de volta. O salmista diz que é “bem aventurado o homem que.. tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita dia e noite” (1:1 e 2); ele diz que “me lembro de ti [de Deus] no meu leito, e medito em ti nas vigílias da noite” (63:6). Nós encontramos Isaque indo ao campo para meditar (Gênesis 24:6), Elias procurando discernir a voz de Deus no deserto e tantos outros exemplos, mas nenhum tão eloquente quanto o do próprio Jesus, que frequentemente se retirava para “um lugar deserto, à parte” (Mateus 14:13). Como comenta Ellen White, "Nenhuma outra vida já foi tão assoberbada de trabalho e responsabilidade como a de Jesus; todavia, quantas vezes estava Ele em oração!"

O propósito da meditação é desenvolver uma relação de intimidade com Cristo, nos familiarizar com Ele. Não implica em buscar respostas dentro de nós mesmos, mas em apurar nossos ouvidos para ouvi-las de Deus; implica até mesmo em permitir que Ele nos sugira novas perguntas. Meditar envolve, também, mais do que separar um momento para desligar o mundo e focar em Deus. O casal de namorados aproveita intensamente o tempo em que estão juntos porque nos outros momentos todos pensam um no outro, separam coisas que lhes acontecem e já antecipam como as vão contar. A meditação deveria ser o encontro dos namorados.

Para meditar, Richard J. Foster (autor de Celebrating the disciplines, principal fonte de consulta para estes textos sobre as Disciplinas) sugere que escolhamos um lugar e um tempo livre de interrupções. Sim, celular desligado, por torturante que isso possa parecer. Não existe uma postura ideal para a meditação, não se preocupe com isso. O importante é que sua mente possa se voltar com exclusividade para Deus.

Mas como meditar? Foster sugere fazer como o salmista e meditar na lei de Deus. Não se trata de estudá-la e dissecá-la. “Assim como você não analisa as palavras de alguém que você ama, mas as aceita como são ditas, aceite as palavras das Escrituras e as pondere no coração, como Maria fez”. Tomar uma única parábola, um único versículo mais substancial das cartas de Paulo, quem sabe uma única palavra e permitir que ela crie raízes em você. É preciso usar a imaginação. Tentar sentir o cheiro do mar da Galiléia, ouvir o farfalhar do trigo agitado pelo vento, o efeito do sol quente nos olhos dos discípulos... Outra forma de meditar é olhar para a natureza com o olhar de uma criança extasiada; ver cada contorno de uma flor, o efeito da combinação de cores, a ordem, a harmonia, a criatividade envolvida nisso tudo.

Não se preocupe se, no começo, esses momentos de meditação não significarem muito. Você vai progredir na vida espiritual como se progride na física. O começo pode parecer enfadonho ou dolorido, mas um prazer intenso, raro e jamais outrora suspeitado está esperando por você no futuro.

Feliz sábado, @migos!
Marco Aurelio Brasil, 25/03/11

sexta-feira, 18 de março de 2011

As disciplinas

Vivemos numa época de emoções instantâneas. Queremos remédios que dêem conta do recado em um dia ou dois, filmes que comecem a 150 km/h, pregadores que nos coloquem diretamente no trono de Deus em meia hora. Talvez você planeje ir à igreja este final de semana e talvez você torça para que o pregador seja do tipo que arrebata as platéias e lhe faça sentir que sua vida mudou daquele instante em diante. Não há problemas em querer isso, você é fruto do seu tempo, mas seria interessante pensar um pouco se essa expectativa é legítima. Pelos séculos afora, chegar junto ao trono de Deus, sentir que sua vida foi radicalmente alterada, que você foi transformado, tem sido algo que começa num instante mas que toma a vida inteira.

Estou convencido de que, muito mais do que pregadores eletrizantes, precisamos de gente que viva profundamente sua fé. Gente que não se contente com emoções rasteiras, gente que tenha “fome e sede de justiça”. Porque temos alimentado a ideia totalmente equivocada de que uma vida de companheirismo extremo com Cristo é coisa para os gigantes místicos da fé, gente que se isola numa caverna. Mentira. Conhecer a Deus é privilégio de todos e Ele quer que o façamos assim mesmo, em meio a nossas lutas diárias, convivendo com cônjuge, filhos, chefe, colegas de trabalho, colegas de engarrafamento, vizinhos, familiares, amigos.

Milhões de pessoas o fizeram antes de nós. Somos, portanto, sortudos, porque eles nos deixaram relatos valiosos sobre como foi que conseguiram. Essa é uma das mais fascinantes facetas da igreja, possibilitar que o testemunho de pessoas semelhantes a nós seja conhecido e imitado. Bem, essas pessoas exercitaram o que se convencionou chamar de Disciplinas da Vida Espiritual. A premissa é simples: assim como exercícios físicos são importantes para uma condição física saudável, é importante se dedicar a alguns exercícios espirituais para que nossa relação com Deus seja também saudável, rica e transbordante, da forma como ela pode ser e como Deus quer que ela seja.

Evidentemente, não se trata de impor leis e regras que nos sufoquem. Jesus advertiu que nossa justiça deveria ser muito maior que a dos fariseus (Mateus 5:20), que era praticamente inalcançável aos olhos do público leigo. Difícil, alta, mas toda ela calcada em exterioridades. Era uma piedade, uma devoção religiosa toda constituída de coisas que os outros podiam ver e admirar. Era algo montado, portanto, para servir de espetáculo.

Para alcançar uma vida rica ao lado de Deus, você e eu precisamos de algo muito maior do que a casca. Precisamos de conteúdo. E conteúdo não se alcança com leis e regras, mas com um ato volitivo, uma decisão. As Disciplinas são consequência dessa decisão.

Meditação, oração, solidão, jejum, estudo, simplicidade, submissão, serviço, confissão, louvor e celebração são algumas das Disciplinas. Pretendo falar um pouco mais detidamente de cada uma nas próximas semanas. Até lá, considere que sua existência pode ser muito, muito mais substanciosa e rica do que tem sido até hoje. E não se exaspere porque isso não aconteceu ao ler estes seis parágrafos. Não prometemos soluções instantâneas!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Fiat lux

No princípio era o caos. A terra era "sem forma e vazia" (Gênesis 1:2), muito pior do que as imagens que nos chegam do Japão esta manhã. Bem, e como é que se dá forma e que se preenche o vazio? Qual o primeiro elemento que Deus introduz para colocar ordem no caos e propiciar a vida? "Disse Deus: haja luz. E houve luz" (v. 3). A luz é o elemento essencial para que haja ordem e para que haja vida. Depois que Deus terminou Seu trabalho, "viu que tudo era muito bom" (v. 31).

Mas logo veio o pecado e o resultado disso Isaías descreve assim: "Bramam contra eles naquele dia, como o bramido do mar; se alguém olhar para a terra, eis que só há trevas e angústia, e a luz se escurece em densas nuvens" (Isaías 5:30). Mas não será assim para sempre, porque vai chegar o dia em que, “já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 22:5).

Vivemos, portanto, entre a glória do que foi declarado "muito bom" e o retorno dessa situação. Estamos num interregno de trevas, de desordem, de negação da vida, de cessação da vida. Fomos pegos bem no meio desse breve intervalo sob o império da morte e do caos.

Mas o caos não é completo, porque Deus lança a luz sobre quem a pede. Davi entendeu isso: "Tu, SENHOR, és a minha lâmpada; o SENHOR derrama luz nas minhas trevas" (II Samuel 22:29). Tínhamos, portanto, alguns clarões esparsos de luz, mas era pouco. Então a luz veio e andou entre nós: "De novo, lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida" (João 8:12).

Infelizmente, essa situação também era temporária. Jesus mesmo advertiu: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo"
(João 9:5).

Ele morreu, ressuscitou e então ascendeu. Mas e aí? As trevas voltaram a imperar absolutas depois disso? Bem, não deveria ser assim. Não, porque Ele disse: "Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte" (Mateus 5:14).

A luz mais forte dividiu-se em milhões de luzes menores para que o mundo não esteja em trevas. Ao encontrar-se pessoalmente com Jesus, você não está mais na escuridão. Ao contrário,”porque as trevas se vão dissipando, e a verdadeira luz já brilha” (I João 2:8). E o que você faz com a luz que recebeu? Você deve multiplicá-la por onde passa, porque assim ela fica cada vez mais forte.Espanta as trevas. Espanta a morte.

Você foi chamado para ser o remédio para o caos e para a morte. Você foi chamado para reintroduzir vida onde a morte insiste em imperar. Você foi chamado para uma vocação muito, muito mais alta do que as vãs pompas deste mundo.

Levante-se e brilhe.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O fim do ciclo

O ódio é um moto-contínuo. Emerson Eggerichs, conselheiro matrimonial e autor de “Amor e Respeito”, escreve sobre o que ele chama de “o ciclo insano” que ocorre em muitos casamentos. Trata-se de um círculo vicioso, uma aspiral descendente ocasionada pelo fracasso do homem em mostrar amor pela mulher e do fracasso da mulher em mostrar respeito pelo marido. Porque o marido não é respeitado, não mostra amor, e porque a mulher não se sente amada, não consegue respeitar.

Philip Yancey, em “Maravilhosa Graça”, descreve um outro ciclo parecido, o ciclo do ódio. A guerra dos Bálcãs, nos anos 90, que contrapôs bósnios, sérvios e croatas, o massacre dos tutsis pelos hutus, em Ruanda, em 1994, e tantos outros conflitos históricos e que vemos diariamente no noticiário são exemplo didático do que é isso. O conflito entre tutsis e hutus é uma longa história, em que a cada eclosão uma das etnias é que se sai melhor. O conflito na antiga Iugoslávia é ainda mais antigo e o massacre dos anos 90 foi o troco do massacre sofrido com a ajuda dos alemães na II Guerra Mundial. Em todos esses casos, a mágoa e o ressentimento pela injustiça sofrida são fermentadas, às vezes por gerações, até que a oportunidade para dar o troco apareça. O troco, é a reivindicação de um direito. É a perseguição da justiça.

Sabemos que a cidadania envolve o povo ser consciente de seus direitos e estar disposto a reivindicá-los. Nenhuma nação civilizada chega a tanto sem isso. O problema é que em algumas situações talvez reivindiquemos direitos demais.

Certa vez eu presenciei uma cena bastante didática: estava em um avião, esperando a partida, quando um cidadão começou a reivindicar seus direitos. Pelo que entendi, a moça que o atendeu no check in garantiu-lhe assento na primeira fileira. Logo, ele, como consumidor, tinha o direito a se acomodar na primeira fila. Acontece que ao ele chegar, bastante depois dos demais passageiros, encontrou a primeira fila tomada, porque os comissários de bordo haviam acomodado uma senhora idosa ali. Aquele cidadão, que eu conhecia por ele ser o presidente da Ordem dos Advogados, fez um tal escarcéu que, além de a partida ter sido atrasada em muitos minutos, só foi possível quando a senhora idosa se levantou e acomodou-se numa poltrona mais estreita em uma das filas mais atrás.

O que quebra o ciclo insano e o ciclo do ódio é o perdão. Perdão foi definido como “abster-se de qualquer reivindicação”. Deixar de exigir aquilo que parece direito. Odiamos isso, pois nos parece injusto. Significa a esposa respeitar alguém que não merece respeito, o marido amar uma mulher que sequer lhe respeita. Significa estar ao lado de alguém como se ele não lhe houvesse ferido terrivelmente.

Jesus Cristo disse: "se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me" (Marcos 8:34). Negar-se pode parecer injusto. Afinal, você tem direitos. Mas a justiça dos homens é anos-luz distante da divina. Ele veio aqui e fez tudo de um jeito diferente daquele que você e eu costumamos achar mais adequado.

Se você quiser segui-lO, tem que fazer as coisas do jeito que Ele fez. Na maior parte das ocasiões isso é muito, muito difícil, mas peça ajuda a Ele e quebre o ciclo do ódio.