sexta-feira, 25 de maio de 2012

O modelo (parte 1)

"Pai..." Mateus 6:9

É impossível sabermos como Deus era chamado em Israel nos tempos do Velho Testamento. O nome de Deus era algo tão sagrado e o medo de desonrá-lo era tamanho que ele sempre foi escrito suprimindo-lhe as vogais. Ficaram apenas quatro letras: YHWH. Convencionou-se rechear a palavra com vogais para que ficasse com o som de YAWEH, mas ninguém sabe ao certo se era assim mesmo. O fato é que Deus representava uma santidade praticamente inacessível ao homem, a força que fazia o monte fumegar e tremer e que fazia o rosto de Moisés brilhar após haver estado em Sua presença. As pessoas tinham medo e sentiam que seriam fulminadas pela presença dEle. Como se relacionar, como se aproximar de um Deus assim?

Foi o que os discípulos perguntaram a Ele, aproveitando o curtíssimo interregno em que toda a glória e majestade Se despiu para assumir nossa forma e andar entre nós. E o que Ele respondeu? "Orai vós deste modo: Pai..."

Começar a oração chamando a Deus de pai representa uma subversão de paradigmas que é difícil para nós imaginarmos, porque repetimos essa oração à exaustão desde crianças. Para os que ouviam Jesus proferir essas palavras de repente Deus assumia uma figura completamente distinta daquela do Deus do Sinai. Em outro momento Ele Se dirigiu a Deus usando a palavra "Aba", que seria algo como "papi", ou "paizão" ou como quer que você chame ao seu pai de forma mais carinhosa.

Colocando-Se na figura de Pai, Deus nos mostra que nossa relação pode ser muito mais próxima do que é. Eu conheço meu pai, sei que posso procurá-lo para pedir conselhos, sei que posso pedir ajuda quando estiver em dificuldades. Outro dia meu filho caiu no vão da minha cama e ficou preso contra a parede sem conseguir se mexer. Imagine só se ele pediu minha ajuda para sair daquela situação aflitiva como quem acha que eu não me importaria e não iria ajudá-lo. Pelo contrário, ele tinha certeza que eu iria ajudá-lo, porque sabe o tipo de sentimento que nutro por ele. Como esse sentimento é amor, nada me daria mais desgosto e tristeza do que vê-lo pedir ajuda de forma vacilante, hesitante, descrente.

E como eu conheço meu pai, sei também que tipo de pedido está em consonância com sua vontade. Não vou pedir um lança-chamas de natal. Passando tempo com Ele, começo a aprender qual é Sua vontade e me sinto cada vez mais confiante para pedir em conformidade com ela. Outro efeito de enxergar a Deus como Pai é que começo instintivamente a querer ser um motivo de orgulho para Ele, a ter pavor a decepcioná-lo, porque essa é a reação natural ao amor.

Mas Jesus correu um risco ao empregar essa imagem. É que há milhões de pessoas que não têm uma imagem muito positiva de pai. Por isso Sua passagem por aqui é também uma tentativa emocionada de mostrar a essas pessoas que tipo de coisas esse pai pode fazer: velar, curar, aconselhar, repreender, alimentar e amar até morrer. 

Utopias


Os capítulos 2 a 4 de Atos são realmente empolgantes. Descrevem um grupo de pessoas vivendo unidas, reunindo-se todos os dias, comendo juntas, louvando a Deus, vendendo seus bens e dividindo irmãmente o resultado da venda, alcançando assim enorme simpatia entre todas as pessoas, a ponto de seu número crescer aos milhares. Fenômeno parecido houve uma única vez, nos Estados Unidos em meados do século XIX, quando centenas de milhares de pessoas, inflamadas pela pregação de William Miller, esperavam Jesus voltar em 1844. A dinâmica encontrada no comecinho da igreja cristã, portanto, é uma evidente exceção à regra. A regra é a opressão de uns pelos outros e o apego doentio à propriedade privada.

John Lennon convida as pessoas a imaginarem como seria um mundo diferente, com todos vivendo como irmãos, sem mais barreiras a nos separar, sem igrejas ou religiões. A utopia de “Imagine” não é exclusividade dele, como a própria canção diz (“you may say I´m a dreamer/but I´m not the only one...”). Ao longo da História milhões sonharam com isso.

No começo do século XX, não sonhar com isso era um terrível defeito de caráter. Pregava-se a revolução que subverteria a regra da opressão. As ideias de Marx e Engels abriam o caminho para a reedição da dinâmica da igreja cristã primitiva, mas tirando Deus da equação. Deus, aliás, era um entrave à consecução desse sonho.

Estou lendo “Sussurros”, de Orlando Figes, um fantástico estudo sobre como era a vida privada na União Soviética de Stalin. É praticamente uma colagem de centenas de histórias de pessoas de todos os tipos e de como suas histórias, sua psicologia, seus hábitos sociais e sua visão de mundo foram impactados pela soberania bolchevique. O título do livro vem do fato de as pessoas terem aprendido a só falar aos sussurros e mesmo assim apenas entre quatro paredes, o que nem era tão fácil assim, já que três, quatro, às vezes mais famílias tinham que dividir uma mesma casa ou apartamento.

As crianças nascidas na década de 20 foram ensinadas a absolutamente não falar nada, cresceram em silêncio quase sepulcral, porque qualquer coisa poderia ser interpretada como uma atitude antirrevolucionária. Qualquer pessoa, mesmo altos membros do Partido, caíam em desgraça da noite para o dia, justa ou injustamente, acusados de serem “inimigos do povo”. Reclamar quanto a uma prisão arbitrária, geralmente ocorrida durante a madrugada, era fatalmente pedir para ter o mesmo destino do preso e então encarar os campos de trabalho forçados na Sibéria ou o pelotão de fuzilamento. Tudo é de todos e o povo é que manda? Longe disso. Alguns animais são mais iguais do que outros, como advertiu o brilhante George Orwell.

A experiência comunista, sobre a qual sabemos relativamente muito pouco, é um recado eloquente para o homem que sonha com as promessas do cristianismo à parte do Cristo. Ele promete um ambiente de justiça e harmonia eternos, mas tem que ser do jeito dEle e na hora dEle. Meras promessas, portanto? Não! Só Ele conseguiu inspirar ambientes de justiça e harmonia neste contexto de pecado. Só Ele tem currículo para merecer confiança.

Com Cristo não há utopias. Há promessas e certeza.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Planejando


Quando garoto, eu cantava a plenos pulmões a canção do Ira! Que dizia “Eu sou um louco/eu sou um sonhador/eu sou o tolo dos tolos/tudo que minha agenda planejou/o inesperado transformou...” É que eu ficava em casa imaginando situações e o que eu faria nelas e nada saía como eu imaginava. Eu queria fazer planos para minha vida, mas tinha a impressão de que era inútil, a vida era um turbilhão forte demais e a única alternativa seria me deixar levar. Perdi tempo demais com essa leitura equivocada de minha própria incapacidade para fazer planos.

Fazer planos para a vida é um imperativo. Não há vento favorável para quem não sabe para onde vai, como dizia Sêneca. Oswald Chambers destaca, contudo, três elementos importantes na hora de fazer planos:

1.      Não faça planos sem Deus. Em um seminário sobre aproveitamento de tempo, o professor colocou um grande jarro de vidro sobre a mesa e o encheu de grandes pedras até a boca. “Está cheio?”, ele perguntou e todos responderam que sim. Mas então ele despejou pedrinhas pequenas por entre as grandes e voltou a perguntar: “está cheio agora?” Sim, responderam os alunos, mas então ele pegou um jarro de água e despejou por entre as pedras até a boca. “Agora sim, está cheio. O que isso ensina?” Um dos alunos disse que a lição era que, se espremesse bem, conseguiria fazer um monte de coisas com o tempo que tinha. O professor respondeu, então: “não. A lição aqui é que tudo isso só coube nesse vaso porque eu comecei colocando as pedras grandes, depois as pequenas e então a água. Se invertesse ou trocasse a ordem, isso jamais seria possível”. Jesus contou a parábola do homem que decidiu construir um celeiro maior para estocar sua crescente produção de cereais e assim poder viver feliz, na certeza de que nada jamais lhe faltaria. “Alma,” pretendia ele, então, dizer para si próprio, “tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te” (Lucas 12:19). Jesus chamou esse homem de louco, porque no dia seguinte ele morreria e então “o que tens preparado para quem será?”

Os planos demandam colocar as coisas em uma certa ordem. Deus e o bem estar da alma precisam estar no começo da equação, caso contrário você será um louco.

2.      Não leve o mal em conta. “O amor não suspeita mal”, diz I Coríntios 13:5. Chambers aproveita esse conceito para afirmar que “o amor não ignorante da existência do mal, mas não toma isso como um fator a ser considerado na hora de fazer planos.

3.      Não leve em conta os dias sombrios. “Não se turbe o coração”, diz Jesus (João 14:1) e com isso Ele quer dizer que não devemos ignorar que o sofrimento é uma possibilidade ou, mais que isso, uma probabilidade neste mundo, mas que não devemos considerar o sofrimento possível/provável no momento de fazermos nossos planos e de traçarmos nossa rota.Quem começa planejando com Deus na equação parte da premissa de que é amado pelo Onipotente. Não dá para não ser otimista com isso em mente.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Pra ser fiel


Esta semana, fui ao posto de saúde onde minha esposa trabalha encontrá-la para pegar uma carona com ela. Para esperá-la, sentei na murada da frente do posto e fiquei observando o movimento. Na verdade, observei mesmo foi uma falta de movimento específica. Sentando sobre os quartos traseiros, um bonito vira-lata marrom de olhos claros, sem coleira ou guia, olhava para dentro do posto de saúde com evidente ansiedade, mas sem mexer um músculo. Garoava, estava frio, muita gente ia e vinha ao redor do dele com estardalhaço e ele ali, tenso e imóvel. Esperava pela dona, como pude confirmar vários minutos depois. Quando ela apontou na porta no final do corredor foi como se uma onda elétrica percorresse seu corpo, ele deu duas voltas sem sair do lugar, começou a abanar o rabo e ganir, e foi seguindo alegremente sua dona rua afora.

Acho que existe uma razão triste pela qual a fidelidade sempre nos enternece: é que ela é tão rara... O mundo é instável, as relações são precárias e sempre calcadas na troca... Quem esperaria por você na garoa, sem se mexer, com ansiedade para ver você voltar? Quem faria isso há dez anos e faria isso agora também? Espero que alguns nomes tenham vindo à sua mente.

Decerto o nome de sua mãe terá aparecido nessa resposta. Você pode esperar esse tipo de atitude dela porque já a viu antes, nas noites insones ao lado da cama e ao menos esta relação não está tão sujeita ao sabor dos ventos do tempo. Não é à toa que é com ela que Deus se compara quando quer nos fazer entender o tipo de sentimento que nutre por nós.

Segundo a minha concordância bíblica, a palavra “fiel” aparece 36 vezes nas Escrituras. 16 delas se referem a Deus. A Bíblia repete esse conceito, portanto, 16 vezes, dando origem a bordão “Deus é fiel” que está estampado em alguns carros na periferia da cidade. Duas vezes a palavra fiel é utilizada em referência a Moisés e as demais 18 vezes a palavra aparece em conclamações à fidelidade do povo de Deus, como em Apocalipse 2:10: “sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida”. Nesse olhar panorâmico para a fidelidade na Bíblia leio que Deus mostra uma característica rara no mundo, a fidelidade, para que eu me espelhe nEle e deixe brotar a fidelidade em mim. Deus não me conclamaria à fidelidade se ela fosse algo impossível para mim da mesma forma que eu não exijo de meu filho de cinco anos que leia Tolstoi (“leia Tolstoi e dar-te-ei o submarino do Batman que desejas...”). Ao contrário, exijo dele aquilo que ele pode dar e que hoje é desenhar o número 3 de forma que não fique parecido com um “m” e guardar os brinquedos depois de brincar.

Somos instáveis e transitórios, mas Deus, que não é, estende Sua mão e diz: toque nela, segure-a, e você deixará de ser instável e volúvel. Ande comigo e aprenda de mim. Vou fazer de você fiel. Vou lhe dar a coroa da vida!

Ele está esperando por você na chuva e no frio, batendo à porta incansavelmente. Você pode responder a isso fazendo o mesmo, por Ele e por outros!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Plantar e colher



Há uma razão porque as loterias são tão populares: elas são uma chance de fugir da lei inexorável do princípio da colheita. “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6:7). A loteria é uma chance de ganhar sem ter trabalhado antes, uma exceção à regra, pois a regra é o princípio da colheita. Não há princípio mais óbvio e no entanto mais ignorado do que esse.

Por ele, você colhe o que planta e apenas se planta. Todo mundo está plantando algo que vai colher um dia. Se ao chegar em casa você estiver cansado demais para dar atenção a sua família e sentir que merece se afundar na frente da TV, é provavelmente com ela mesma que você vai se relacionar melhor daqui a alguns anos. Se você não abre espaço em sua vida para seu cônjuge ou filhos, não pode esperar ter um futuro de muita harmonia com eles. Se você não consegue tempo para ler a Bíblia, não é legítimo esperar que sua relação com Deus também será rica e fantástica como pode ser no futuro. Se você não estuda, por mais que ore as respostas não vão simplesmente surgir na sua mente na hora do vestibular. Se você não se mexe e não muda seus hábitos, não emagrece. Se você não para de andar com a turma que endeusa a cerveja, você não consegue tirá-la de sua vida. Se você não procura, não acha, se não bate, não se abre, se não pede não recebe.

Olhe para sua vida e identifique nela o que está insatisfatório. Pense nas sementes que você plantou e que redundaram nisso. Pare de semeá-las. Jogue-as fora. Projete-se como o vitorioso que Jesus morreu para tornar possível e plante desde já as sementes dele.

Há mais do que uma certeza aqui. Há uma promessa divina: “Aquele que sai chorando, levando a semente para semear, voltará com cânticos de júbilo, trazendo consigo os seus molhos” (Salmo 126:6).