sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Tema a Deus e não temas

O ser humano tira prazer de fontes muito diversas e algumas delas até mesmo bem improváveis; para mim, nenhuma é maior nesse quesito do que os filmes de terror. Por que razão alguém de bom grado escolhe passar duas horas sentindo medo?

O medo é um dos sentimentos mais universais. Todos o sentem. Todos tem seus “top 10” medos e o consenso geral é o de que falar em público, ficar sozinho, ter dificuldades financeiras, insetos e voar são dos mais corriqueiros. O medo tem um aspecto positivo, que é o de ajudar na nossa preservação, nos alertar contra riscos iminentes ou desnecessários, mas tem muitos aspectos negativos, que incluem a paralisação absoluta e o descontrole sobre certas funcionalidades fisiológicas, dependendo da intensidade do medo. O medo nos impulsiona a querer nos ver fora daquela situação que o originou e é por isso que não entendo o prazer que alguns têm em filmes de terror com seus sustos, caveiras falantes, seres bizarros, assassinos desumanos, zumbis e etc.

Mas é por ser um sentimento tão universal e tão inescapável que a frase mais repetida em toda Bíblia é justamente “não tenha medo”. Certamente essa frase não estaria tão repetida se o medo fosse algo eventual e episódico. Não, ele faz parte da nossa experiência, está aqui o tempo todo, espreitando. “Não tenha medo”, diz nosso Deus, da mesma forma que um pai diz a seu filhinho, expressando que sua presença ao lado dele deveria ser suficiente para tranquilizá-lo. “Você acha que há coisas assustadoras embaixo da cama, mas eu estou aqui!”

Mas por que razão Deus nos pede para não ter medo tantas e tantas vezes se em outras oportunidades ele nos orienta a “temer a Deus”? Como a presença dEle vai espantar o medo se sou orientado a ter medo justamente dEle? O que significa temer a Deus?

Decerto que não significa que devemos ter medo dEle como temos nos filmes de terror ou quando ouvimos um barulho estranho no meio da noite. Afinal de contas, se Ele pretendia ser temido nesse sentido, não deveria ter aparecido com a aparência inofensiva de Jesus e Se deixar matar daquela forma. A Bíblia não nos brinda com muitas cenas de horror envolvendo caveiras falantes, zumbis e embora haja no Apocalipse e em Daniel alguns monstros estranhos o contexto deixa claro que eles são simbólicos, não reais. Ok, isso ajuda a entender o que não é temer a Deus, mas não ajuda nada a entender o que temer a Deus significa.

Talvez ajude a responder a essa questão a noção de que algo que você teme você não ignora. Você não vive como se aquilo que você teme simplesmente não existisse. Você não nega a existência das circunstâncias em que precisa falar em público, voar, você não nega que existam insetos, ao contrário, você vive ciente da possibilidade de cruzar o caminho dessas coisas. E também você não brinca com uma coisa que você teme; o medo é emergencial, ele não pode ser postergado. Você não continua jantando e pensando: um dia vou ter que lidar com aquela barata que está ali em cima da pia. É nesse sentido que devemos temer a Deus. De forma curiosa, para vencer nossos medos, precisamos desenvolver essa espécie de temor de Deus, um senso constante de Sua presença e santidade, reverenciando e respeitando nosso Criador.

Afinal de contas, “no amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor” (I João 4:18).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Nostalgia da ditadura

Para minha geração, que foi educada num ambiente em que os formadores de opinião eram os torturados, a ditadura militar é a própria encarnação do mal. Curioso, então, tropeçar de quando em vez em pessoas mais velhas que suspiram com nostalgia pela ditadura. Aquele tempo é que era bom, dizem eles. Havia investimento em infraestrutura no país, os governantes eram mais sérios, etc e tal. Colocados na balança a liberdade de pensamento e expressão e o estado de direito de um lado e, de outro, essas virtudes da ditadura, lhes parece bem melhor o antigo estado de coisas.

Os hebreus recém libertos de uma escravidão de quatro gerações também suspiraram com saudades da tirania. Entre a liberdade e a dignidade de um lado e carne com cebola de outro, lhes pareceu bem melhor o antigo estado de coisas.

Você conheceu a verdade e ela o libertou da tirania (“conhecerei s a verdade e a verdade vos libertará” João 8:32) e agora você coloca na balança a liberdade genuína contra as delícias da ditadura. Era mais fácil, então. Você não tinha que fazer escolhas morais, bastava se deixar levar pela maré. Você podia engrossar o cordão dos que descem a ladeira no bloco de carnaval. Era só copiar os outros, sem dilemas ou conflitos internos. Fácil. Divertido. Quem disse que a liberdade é tão divertida quanto a ditadura e a escravidão?

Jesus Cristo não nos libertou para coisas pequenas. Ele nos chamou a ansiar coisas melhores. Você pode ficar com música, cinema e literatura ruins, mas Ele o chamou para coisas mais altas. Você pode ficar com comida ruim, mas Ele o chamou para desejar algo mais elevado. Você pode ficar com relacionamentos superficiais e destrutivos, mas Ele o chamou para algo muito melhor. A liberdade de Cristo o liberta para poder ansiar coisas mais altas. Pode parecer menos interessante agora a liberdade e a dignidade do que carne com cebola, mas só quem experimenta a liberdade e nela mergulha com volúpia consegue ler a balança do jeito certo e ver que não há comparação justa entre as duas coisas. Por mais que você queira, um oratório de Bach será sempre milhões de vezes melhor que uma marchinha de carnaval.

Pare de suspirar com nostalgia da tirania. Jesus Cristo pagou com Seu sangue o preço de você poder querer muito, muito mais!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Seja feliz

O jornalista Salomão Schvartzman apresenta todas as manhãs uma coluna recheada de referências culturais na rádio BandNews, e termina invariavelmente com a frase “seja feliz”. Na coluna de ontem ele lançava mão de versos de Carlos Drummond de Andrade para incentivar seus ouvintes a entregarem-se ao amor.

Disse coisas como “para mim a felicidade só existe quando você acredita nela e reconhecer o amor no primeiro instante” ou “fácil é beijar de olhos fechados, difícil é sentir aquela corrente elétrica que atravessa o corpo todo quando beijamos aquela pessoa”. Terminou assim: “se você encontrar alguém hoje ou amanhã e esse alguém fizer seu coração parar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante de sua vida. Se seus olhares se cruzarem e nesse momento houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa por quem você esteja esperando desde o dia em que nasceu... fique certo que Deus lhe mandou um presente: o amor... ame e seja feliz”.

No afã de incentivar seus ouvintes a buscar a felicidade, contudo, Schvartzman pode estar apenas aprofundando o abismo de infelicidade. Ele parte da premissa de que a felicidade depende do amor físico e de que o amor físico é uma questão de química. Ele também reforça o mito popular da alma gêmea, pelo qual existe alguém lá fora com quem você se encaixaria tão perfeitamente que daí brotariam fontes e mais fontes de felicidade genuína.

Não admira que o mito da alma gêmea seja tão popular. Ele é muito conveniente. Pensar que todos os meus problemas vão desaparecer se eu tão somente estiver com a pessoa certa, que vai se encaixar à perfeição na minha imperfeição e que eu não vou precisar fazer nada a não ser relaxar e ser amado é muito sedutor.

Essa felicidade química, tão harmônica com os postulados evolucionistas, é na verdade uma felicidade muito, muito triste, porque transitória. A química desaparece e força você, para “ser feliz”, procurar outra em outro lugar. Ela também é triste porque nos convence de que amor é uma questão de receber, do que outro pode me dar, e não do contrário, e, como Jesus Cristo exemplificou perfeitamente, o amor duradouro é quando você se preocupa satisfazer o outro. E, por fim, ela é triste porque nos convence de que nossa felicidade está lá fora, nas mãos de alguém.

Como dar durabilidade, perenidade, como fazer definitivos e plenamente satisfatórios os meus sentimentos? Há um jeito, e não é como o colunista e o poeta defendem: “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus.” (Filipenses 4:7).

Quando você percebe que sua felicidade está garantida por Jesus e que independe de qualquer outro fator externo, você sente algo muito melhor do que a química da paixão, você sente uma paz que excede todo entendimento e que o puxa pra cima, o faz querer e poder ser melhor. Aí você atrai o que é eterno para os seus sentimentos e até o amor físico passa a ser muito mais do que paixão. Passa a ser cumplicidade, diálogo profundamente íntimo, confiança.

Desconfie das receitas de felicidade que não foram endossadas por Aquele que o criou e seja (genuinamente) feliz.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Outra casa

Há alguns meses lembrei em um destes textos de sexta-feira um dos meus contos favoritos, “Uma casa”, de Moacyr Scliar, que começa assim: “Um homem ainda não tinha comprado sua casa quando sofreu um ataque de angina de peito”. Eu o li há muitos, muitos anos, mas essa primeira frase ficou gravada em minha memória como tradução de um sentimento mais ou menos universal, o desejo de fincar raízes em um lugar, de ter a segurança de ser proprietário de um naco de terra.

Todos acompanhamos com diferentes graus de indignação e preocupação a desastrada reintegração de posse do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos e também o desabamento dos três edifícios no centro do Rio de Janeiro nas últimas semanas. Para os moradores de Pinheirinhos, a expectativa de perenidade de sua propriedade era precária, já que o terreno era ocupado irregularmente, e os edifícios no Rio talvez não sejam a melhor ilustração para o que quero dizer, porque eram edifícios comerciais. Tomemos então aquelas famílias que viviam há décadas em casas devidamente regularizadas na serra carioca até o momento em que uma avalanche de barro levou tudo embora durante as chuvas do último ano. Em qualquer desses casos temos um lembrete inignorável: até mesmo aquilo que nos dá a maior sensação de segurança neste mundo é precário.

Todas as coisas neste mundo tendem ao desgaste, à desvalorização e, por fim, ao desaparecimento. Há algum tempo mudei com minha família para uma casa nova. Ela foi reformada e decorada, ficamos muito satisfeitos com o resultado de nossos esforços, mas menos de um ano depois a pintura já começa a demonstrar sinais de desgaste. Tentei aqui imaginar um futuro, espero que bem distante, em que nós não estejamos mais aqui e em que esta casa, que hoje é cheia de vida, esteja entregue às teias de aranha e ao pó; o resultado desse exercício de imaginação foi um princípio de depressão.

O apóstolo Paulo foi atingido por esse estado de espírito também, mas tinha uma ótima resposta a dar: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (II Coríntios 5:1). O contexto deixa claro que ele não está se referindo a uma casa, mas ao nosso corpo, com seus sinais de velhice que apontam para um fim inexorável, mas a conclusão é a mesma: tudo que nos rodeia e tudo pelo que lutamos aqui é precário, fugaz, tendente ao desaparecimento. A menos que estejamos lutando pela casa não feita por mãos, eterna.

Sensação de segurança? Só se, antes das coisas que desaparecem e que nos conferem alguma segurança, tivermos cuidado das que são eternas e não poderão nos decepcionar.

Por qual tipo de coisas você corre hoje?