sexta-feira, 26 de julho de 2013

Os mortos e os pais

No dia 10 de maio escrevi sobre cinco estágios em que podemos nos encontrar na jornada espiritual segundo Jim Putman, do Real Life Ministries: morto, nascido de novo, bebê, adolescente e pai. Na ocasião recebi um justo puxão de orelha de uma amiga dizendo que a forma como descrevi a pessoa no estágio morto foi preconceituosa.

Eu escrevi: "A pessoa morta espiritualmente está divorciada de Deus, não quer nada com Ele, não o leva em conta em sua vida... É natural que ele fume, encha a cara, tenha ideias negativas sobre a Bíblia e sobre a igreja, tenha uma conduta sexual diferente da que a igreja prega. etc." Embora na sequência eu tenha escrito: "O problema da igreja com pessoas mortas é que ela se comporta para com eles como se só fosse possível haver interação se os mortos fossem um pouco menos mortos. Deveríamos ter em mente que um homem morto age como um morto. Nenhum desses fatores deveria ser suficiente para nos fazer fugir dos mortos, porque a missão da igreja é justamente alcançá-los", ficou parecendo que meus esforços para quebrar preconceitos acabaram reforçando-os, porque essa minha amiga argumentou que há muitos mortos que vivem de forma mais "viva" que os "vivos"; nem todos os mortos enchem a cara e levam uma vida promíscua. 
Esse morto parece vivo...

Bem, volto àquele assunto para poder explicar que minha intenção não era, de modo algum, generalizar, mas ajustar as expectativas de quem está dentro da igreja. É comum você identificar pessoas que são parecidas com você mesmo e dizer: "esse aí daria um bom cristão". Os outros não, já estariam perdidos. O que quis dizer é que não devemos riscar do mapa de candidatos ao Reino um "morto" por agir como "morto". Certamente há muitos mortos que parecem vivos e quase tantos vivos que parecem mortos.

Mas o que gostaria de enfatizar é que o quinto estágio, o estágio de "pai", é o alvo de todo cristão, não apenas de uns poucos iluminados. Deus nos fez a todos "nação sacerdotal" e foi para todos a missão de ir e fazer discípulos. Precisamos desesperadamente buscar alcançar o nível de pais espirituais. Ou, como afirma Ellen G. White,"toda alma que Cristo salva é chamada a trabalhar pelos perdidos". Toda. 

Está longe do nível de "pai"? Bom, eis aí um ótimo assunto pelo qual orar. Acompanhar um bom "pai" enquanto exerce sua "paternidade" por algum tempo pode ajudar também.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

A herança que não queríamos

Ainda em meus tempos de adolescência, li uma matéria sobre como somos afetados desde o útero por experiências vividas pela mãe e aquilo me deixou meio deprimido. Eu tinha a ilusão de estar escrevendo a pessoa que eu era sobre uma folha totalmente em branco. Eu tinha a ilusão de ser o resultado de minhas experiências e escolhas, só, no entanto aquilo me dizia que eu carregava uma herança que eu nem sabia qual era. Me pareceu injusto.

Conforme amadureci notei que era assim mesmo. Todo mundo tem um cacoete, um jeito de andar, um traço de personalidade, uma risada ou um hábito nitidamente herdados. Para além disso, apurando o olho dá pra notar que todo mundo carrega bençãos e maldições das escolhas de gente que veio antes de si. O fato é que não construímos o que somos sobre um solo limpo, construímos sobre algo que herdamos e a pergunta passa a ser: esse fundamento define ou não o tipo de prédio que vamos construir?

Na Bíblia, as famílias tipo "família americana feliz", com pai, mãe, filho, filha e um golden retriever, sorrindo todos abraçados para a foto, são exceção à regra. As que chegam mais perto disso são aquelas de que não se fala muito, em geral. A família de Jacó, por exemplo, tem suas disfunções, algumas delas bem sérias. Os pais dele tinham, cada um, um filho predileto. Na geração seguinte o mesmo padrão se repete, Jacó também tem seu predileto, José. Jacó tinha enganado o próprio pai por uma benção e depois foi enganado pelo sogro para casar-se não com uma, mas logo duas de suas filhas. Não contente em ser casado com duas irmãs, ele tomou para si duas concubinas. Mais tarde seu filho mais velho envolveu-se sexualmente com uma dessas concubinas. Outro filho era chegado em prostitutas, o que o levou a deitar-se sem saber com a própria nora. 

Considerada dessa forma, a bagagem que José carregou para o Egito não foi nada promissora. Ele era o filho mimado de um pai permissivo sexualmente, havendo crescido entre irmãos igualmente permissivos e ao chegar ao Egito, agora como escravo, longe dos olhos de todas as pessoas que conhecia e amava, com todas as razões para sentir-se esquecido por Deus, uma de suas primeiras provas foi justamente ser ou não ser puro sexualmente. A mulher de Potifar tentou seduziu-lo. Era fácil deixar a carruagem seguir seu rumo, repetir o padrão de sua família, ainda mais naquelas circunstâncias, mas José era diferente. José resolveu construir um prédio de arquitetura totalmente diferente daquele que seu fundamento recomendava. Ele tenta discutir racionalmente com a ninfomaníaca patroa: "Como posso cometer esse grande mal e pecar contra Deus?" (Gênesis 38:9).

Essas palavras refletem uma opção destacada de José. Ele está dizendo: eu conheço minha herança, eu sei como as coisas são feitas na casa de meu pai, e eu rejeito tudo isso. Eu quero outro tipo de coisas para mim. Não é à toa que, quando lhe nasce seu primeiro filho, ele o chama Manassés, "porque disse: Deus me fez esquecer de todo o meu trabalho, e de toda a casa de meu pai" (Gênesis 41:51).

Minha cisma adolescente acabou de forma feliz. Eu trago coisas comigo que não foram escolha minha, mas não preciso continuar o caminho com elas. A herança é dura? O padrão parece querer se repetir em você? Deus tem o poder de quebrar essa corrente. Deus tem o poder de fazer você se esquecer das coisas que carrega em seu DNA. Você não precisa ficar aprisionado pelos muros de seus traumas, complexos e pelos hábitos herdados. Não importa quantos andares já tenham sido construídos, daqui pra diante sua casa pode ter uma arquitetura totalmente diferente. Aproxime-se de quem pode fazer e não saia da presença dEle até ouvir a resposta a sua oração.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Normal

Uma nota emitida pela Associação dos Magistrados de São Paulo, incomodada com a cobertura da mídia sobre desvios de verba e superfaturamento no Judiciário, não apenas defendeu as práticas como colocou em xeque um direito constitucional intocável no Brasil, que é o da liberdade de imprensa. Eles, os juízes, defensores da Constituição, a relativizam quando isso é útil como ferramenta de ataque. Nossa reação? Normal. O que se pode esperar de uma entidade cuja função é defender os magistrados? 

Digamos que fique claro que algo que você considera um direito se revele na verdade uma distorção, um privilégio abusivo, uma injustiça. Você abre mão disso ou “luta pelos seus direitos”? Abrir mão disso seria uma exceção à regra. O normal é a luta.

E, por não haver exceções a essa regra, entendemos ser mesmo normal. Entendemos ser normal aferrar-se ao osso e não largar. Entendemos ser normal locupletar-se quando der. Entendemos ser normal recorrer ao traficante, e não à polícia, em busca de proteção na periferia. Entendemos ser normal trair, ter um caso extraconjugal, nem que seja só virtual. Entendemos ser normal encher a mente de pornografia. Entendemos ser normal uma fofoca maldosa de quando em vez. Entendemos ser normal dar aquela raspadinha no carro estacionado ao lado e ir embora assoviando.




Um de nossos mais brilhantes pensadores constatou: "De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto" (Ruy Barbosa). A um tal ponto somos expostos a tudo isso que desanimar da virtude, rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto seja... normal.

“E, por multiplicar-se a iniquidade, o amor de muitos esfriará” (Mateus 24:12) e aí a gente entende ser normal ver o amor em nós esfriar também. A gente entende ser normal não mais amar e não mais ter aquele primeiro amor.

Mas há algo que não é normal. A salvação é anormal: “mas quem perseverar até o fim, esse será salvo” (verso 13). Se você deixa de achar tudo isso normal e persevera, se você deixa de seguir com a maré e começa a nadar na contramão, mantendo acesa a chama do seu amor, você será salvo. 


Você será salvo.

Escolha o anormal e viva.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Agora é pessoal

A Bíblia registra pelo menos dois grandes discursos de Jesus. Um deles é dirigido aos discípulos e é conhecido como "sermão profético" (Mateus 24-25), o outro é dirigido a uma grande multidão e é conhecido como "sermão do monte" (Mateus 5-7). Se estamos preocupados em entender o método dEle para alcançar pessoas, decerto não podemos descartar o esquema "eu falo-eles escutam". Temos que admitir, contudo, que entre esses dois momentos há dezenas de outros encontros em que Jesus se dirige a uma única pessoa ou a um pequeno grupo de pessoas e interage, dialoga, vive junto com eles. O modelo "sermão" é a exceção, não a regra. Não é curioso que tenhamos feito da exceção a regra?

Já que citamos o sermão profético, é de se notar que um de seus textos chave aponta para o método evangelístico mais eficaz: "e este evangelho do reino será pregado a toda nação, tribo, língua e povo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim" (Mateus 24:14). Não admira que a dinâmica tradicional "convidem pessoas para vir a igreja e aqui elas vão se encontrar com Jesus" esteja perto da falência. O evangelho deve ser pregado em testemunho, com comprovações práticas de sua eficácia, com demonstrações
inequívocas do impacto profundo que ele causa no peito de qualquer pecador. O sermão, o texto pela Internet, o livro deixado embaixo da porta do apartamento e o programa no rádio e na TV, tudo isso pode até convencer, mas uma vida compartilhada converte. E pessoas precisam ser convertidas, não apenas convencidas. Todo esse esforço para fazer "programas" na igreja que convertam as pessoas não tem como produzir o fruto que só o testemunho tem poder para produzir, por mais pirotécnicos, por mais tecnicamente excelentes que sejam os programas.

É preciso que a igreja comece a intencionalmente testemunhar no um a um e nos pequenos grupos de pessoas. Isso é desconfortável porque traz a responsabilidade de evangelizar a todo mundo, não só à classe dos "dotados" a isso, o pastor e os caras que conseguem pregar e passar lições bacanas. A comissão de ir e fazer discípulos (algo que é feito de forma pessoal, e não através de sermões), é para todos. Não dá para colocar sua vida em ponto morto uma vez que você tenha atendido ao chamado de Cristo, esse chamado é para segui-lo e depois para ir. Quem não dá o segundo o passo morre. Fica morno. Fica fora do reino. E o mais triste é que as pessoas que esse aí alcançaria ficam fora do reino também.

Você precisa ir e fazer discípulos. Talvez antes você precise encontrar alguém de quem ser discípulo, alguém que já é um discípulo de Cristo e que vai ajudá-lo nessa caminhada. Mas não se acanhe. "O reino de Deus está perto" (Marcos 1:15) e lá é muito mais quentinho e agradável do que aqui fora!