sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Na academia

Visitar uma academia de ginástica pode ser uma atividade extremamente espiritual. Na verdade, acho que as academias são um bom exemplo de igrejas da nossa geração; ou você não sente uma atmosfera meio mística, de adoração e veneração em uma academia?

Há espelhos por toda parte e os adoradores os usam sem parar. O jeito com que veem a evolução de seus esforços nos próprios corpos revela uma indisfarçada satisfação consigo mesmos. Ora, a grandeza de uma geração pode ser medida por aquilo que ela adora. Se o que adoramos é tão bom quanto nós mesmos, não temos nenhuma chance de querer ser algo melhor.

E há outro fato espiritual numa academia: ela é uma celebração da vida que se escora na ilusão do diferimento da morte. A satisfação de estar tratando bem a saúde frequentemente descamba para a ilusão da eternidade. Nossa geração se comporta como se fosse viver para sempre ao invés de procurar aquilo que lhes pode fazer viver para sempre. É como se fingíssemos ter aquilo que mais precisamos e queremos, uma espécie de "jogo do contente de Pollyanna" com consequências mórbidas.

Jesus advertiu certa vez os Seus contemporâneos de então: "vocês examinam as Escrituras por acreditam que acham nelas a vida eterna, e são elas que falam de mim, mas vocês não querem vir até mim para ter vida!" (João 5:39 e 40). Ele os criticava por ficarem só na Bíblia, sem desenvolver um relacionamento com o Autor dela. O que Ele diria a nós, que não fazemos nem uma coisa nem outra?

Volto da academia com estes conselhos ecoando na mente: Adore o que merece ser adorado. Viva como quem de fato não tem aquilo que mais falta lhe faz. Busque-a em Quem a pode dar. Fuja da mediocridade de sua geração.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A falta que Deus sente

Se entendi bem as lições de filosofia da faculdade, para Platão Deus seria uma espécie de pensamento, algo incorpóreo, espiritual. Mas para ser Deus, para ser o ente que coloca em movimento todas as coisas, pré-existente a elas, Deus teria que ser um pensamento que se pensa a si mesmo, alheio a todo o resto, que ele cria sem notar, sem perceber.

Platão achava inconcebível que um ser imanente, transcendente como Deus, pudesse se ocupar de qualquer coisa menor que Ele.

Evidentemente, o quadro que minha Bíblia pinta de Deus é bastante distinto. Ela mostra um Deus completamente debruçado sobre este mundo , envolvido em suas grandes questões mas também nas minúsculas e aparentemente insignificantes. Mas mesmo a minha Bíblia deixa claro um ponto: Deus é infinitamente superior às criaturas que fez a Sua imagem e semelhança. Ele é onipotente – nós, fora dEle, somos completamente impotentes; Ele é onisciente – nós temos grandes dificuldades para
interpretar corretamente aquilo que nossos sentidos alcançam; Ele é eterno – nós somos dolorosamente finitos, aprisionados a uma cápsula de tempo chamada presente; e Ele é onipresente – nós somos aprisionados ao espaço físico que ocupamos. Enfim, Deus não precisa de nós, mas nós precisamos desesperadamente dEle.


De fato, Deus não seria Deus se precisasse de alguma coisa nossa. Ele, por definição, não precisa. Mas o mais curioso é que algumas vezes vejo Deus Se comportando como se preciasse. Quando Adão e Eva viram-Lhe as costas, Ele vai atrás deles no jardim; quando o povo dEle se desviava da rota segura, Ele tentava os mais diversos métodos para capturar de novo seu coração e mente. Ele afirma coisas como “pois que com amor eterno te amei, também com amorável benignidade te
atraí" (Jeremias 31:3). Eu poderia continuar dando uma extensa lista de exemplos dessas atitudes surpreendentes de Alguém com tais caracteristícas.


Mas o que explica essas reações inusitadas de um Deus transcendente, a característica com Platão não contava e que faz com que Ele Se ocupe de criaturas insignificantes que insistem em ignorá-lO e desprezá-lO, é tao simples como o amor. Não há dúvidas, Deus ama. O que mais poderia fazê-lo apropriar-se das necessidades de outros? É o amor que faz isso. A necessidade que Deus expressa de nos ter por perto, de ter nossa companhia, na verdade é a nossa necessidade de estar com Ele,
mas porque Ele nos ama tanto, acaba pegando para Ele nossa carência mais profunda, acaba sofrendo se não tem aquilo cuja ausência é a fonte de nosso sofrimento.


O amor, no fim, subverte a lógica. Porque ama, Deus sente falta de mim. Quando eu reconhecer que minha maior angústia é justamente sentir falta de Deus, verei que o que eu mais quero é exatamente o que meu Deus – o onipotente – quer, e serei feliz.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O que Deus quer de você

Deus pediu que os levitas fossem separados para Ele, num ritual que envolveu raspar todos os pêlos do corpo. Ele chamou alguns para serem nazireus, dizendo que eles não poderiam jamais beber vinho ou cortar os cabelos. Deus chamou pescadores para serem apóstolos, gente sem um canto pra chamar de seu, sendo torturado de cidade e cidade para enfim ser morto apedrejado ou crucificado de cabeça para baixo. Deus chamou homens para serem missionários na África, em nações muçulmanas da janela 10-40 ou para testemunharem e morrerem como mártires nas mãos da Inquisição.Chamou madre Teresa para devotar sua vida por miseráveis de Calcutá e Leo Halywell para devotar a sua pela evangelização na Amazônia. Mas e você?

Pode ser que sua consciência pese porque você não consegue dividir uma mera palavra de fé com o sujeito aí do lado, que dirá então ir à África ou ao presídio mais próximo. Bom, depois de brigar com minha própria sensação de fracasso e de conversar sobre isso em oração com Deus muitas vezes, notei que Deus chamou os levitas, e não as outras tribos todas de Israel. O povo como um todo tinha uma missão especial, uma missão sacerdotal especialmente em relação às outras nações, mas só os levitas deveria dedicar sua vida como sacerdotes em tempo integral.
Leia a descrição de como deveriam ser os oficiais da igreja primitiva (coisas como “homens sóbrios, maridos de uma só mulher, respeitados em casa, etc”) ou então os conselhos de Tiago sobre uma vida cristã digna. Leia as cartas de Paulo todas e tente achar onde ele conclama a todo e qualquer cristão para ser como ele – você não vai encontrar.

“Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus” (Miquéias 6:8). O que o Senhor exige, o que Ele requer de você, é que você viva dignamente imitando a Cristo no seu trabalho, na sua relação com os vizinhos e nas relações familiares. Ele chama algumas pessoas para viverem experiências espetaculares para inspirar a você e a mim, mas eles são uma exceção, a regra é que vivemos a vida normal que todos vivem, mas pautados por outros valores e com outras prioridades. Os santos espantam o mundo, mas os cristãos comuns o convertem.
Mas isso não resolve a questão cabalmente. Fato é que Deus chama alguns. E, se Ele o faz, é porque a qualquer momento bem pode ser que Ele chame a você e a mim. Quando Ele o fez com Mateus, o publicano, ele “deixando tudo o seguiu”. Outros não responderam assim. Que tipo de experiência com Ele você tem desenvolvido? É uma a ponto de você ser capaz de deixar tudo e seguir para onde Ele mandar, se Ele o escolher?

Deus quer uma nação disposta a fazer o que Ele pedir. E talvez Ele peça.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Questão de hierarquia

Qual o mandamento mais importante da lei de Deus? Pode ser que você comece protestando que não existe hierarquia entre os mandamentos e, para fundamentar sua resposta, você repita o chavão "para Deus não existe pecadinho e pecadão".

Bom, de fato, as consequências de todos os pecados, aqueles que reputamos como pecados mais leves e o mais terríveis, é rigorosamente a mesma, já que "o salário do pecado é a morte" (Romanos 6:23) e ponto final (muito embora João tenha aquelas enigmáticas – pelo menos para minha leiguice – palavras "há pecado que não é para morte..."). Mas dizer que todos os pecados têm a mesma consequência fatal não é o mesmo que dizer que todos os mandamentos de Deus têm o mesmo peso. Há, sim, uma hierarquia entre os mandamentos e não fui eu quem o disse, foi alguém bem mais autorizado:

"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque dais o dízimo da hortelã, do
endro e do cominho, e tendes omitido O QUE HÁ DE M AIS IMPORTANTE NA LEI, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; deveis fazer estas sem omitir aquelas"
(Mateus 23:23).

Jesus foi categórico ao dizer que o que há de mais importante, a Constituição divina, aquela lei contra a qual todas as outras deve ser medida, é a justiça, a misericórdia e a fé. Se isso é "o que há de mais importante", a conclusão inescapável é que o resto é menos importante. Então seu rigor com coisas menores da lei e o desleixo a essas cláusulas pétreas fazem de você um hipócrita, um ator, alguém que vive uma vida falsa, uma ilusão. Esse tipo de coisa é tão prejudicial às outras pessoas e ao próprio hipócrita que Jesus concentrou Seus esforços mais enérgicos para abrir os olhos das pessoas.

Note que dos três elementos centrais da lei de Deus, temos dois que dizem respeito à forma como nos relacionamos com os outros (justiça e misericórdia) e um que diz respeito a nossa relação com Deus (fé). Isso não deixa de ser interessante, porque a outra forma de expressar esse princípio central da lei divina é "ama a teu Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo", como se o amor ao próximo fosse algo que acontece depois de você ter se concentrado no amor a Deus.

O que Jesus está dizendo me parece que é: não há evidência maior de que você tem fé, de que você ama a Deus, do que vivendo em relação aos outros de forma semelhante à que Ele vive em relação a você. E: eu amo você perdidamente porque assim fazendo garanto que quem vive ao seu redor vai receber os respingos desse amor. Eu amo para que você ame. E seja feliz. E faça pessoas felizes.

Coloque seu zelo pela lei de Deus na perspectiva correta.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Tempos de guerra

Imagine que você seja preso por causa da sua fé. Eles o levam a um tribunal e não lhe dão direito a um advogado e lhe acusam de fazer coisas "horríveis e hediondas", como ir à igreja que você vai e viver do jeito que sua fé pede que você vive. Aí eles o ameaçam. Dizem que se você não parar com essas coisas... bem, você sabe o que vai acontecer: eles são do tipo capaz de torturar e matar. Imagine que você está nessa situação e responda: qual seria sua oração ao chegar em casa?

Eu não tenho grandes dificuldades para imaginar qual seria a minha. Pediria que Deus me livrasse desse perigo. Que me mostrasse o caminho de fugir pra longe do problema. Que Deus me protegesse.

Não acredito que seja uma oração errada. É a coisa mais natural pedirmos proteção quando estamos em perigo e Deus pede honestidade e que dividamos com Ele nossos problemas todos. Entretanto, eu me espanto quando vejo gente que elegi como exemplos de vida fazendo diferente. Veja o caso de Pedro e João. Em Atos 3 eles curam um paralítico que mendigava na frente do templo e causam um baita rebuliço entre a multidão que estava ali no momento. Por conta da confusão, eles são presos e levados ao Sinédrio, a mais alta corte judaica, onde são interpelados quanto à autoridade com que fizeram aquilo (como se tivessem feito uma coisa ruim). Sem pestanejar, Pedro defende sua fé e a pessoa de Jesus Cristo "aquele que vocês crucificaram" (cap. 4:10). Ele sabe o que esses mesmos homens fizeram a Jesus algumas semanas antes; está brincando com fogo. O relato diz que os sacerdotes os ameaçaram e disseram que eles tinham que parar de falar em Jesus e então os soltaram. E qual foi a oração que esses apóstolos com a vida em risco fizeram? Está no verso 29 "Agora, pois, ó Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que falem com toda a intrepidez a tua palavra".

Eles pediram coragem, e não livramento. Isso me atordoa. Por que será que essas pessoas não pedem isenção de problemas, mas condições de passar por eles de forma digna e que não negue a Deus? Suspeito que a resposta a essa indagação seja um questionamento à própria indagação: por que isso me parece estranho? Philip Yancey observou que as orações que ele ouve nos EUA são muito diferentes das que ouviu de cristãos na África, na Índia e em rincões pobres da América do Sul, pois, enquanto os americanos oram por livramento dos problemas os demais oram para que os problemas não enfraqueçam sua fé.

A questão é que nós temos muito conforto e endeusamos a qualidade de vida. Se estamos com dor, tomamos analgésicos.Se nosso nariz é feio, gastamos uma pequena
fortuna para "consertá-lo". Estamos trabalhando feito loucos para trocar o celular que está em perfeitas condições por um outro que lançaram e que tem 125 funções, diferentemente das "só" 120 que o atual tem. São só alguns exemplos do atual estado de coisas, que contribui para que evitemos estar em contato com pessoas que não entendem ou reprovam nossa fé e nosso grande sonho de velhice é construir uma casa confortável numa daquelas cidades em que todos são da nossa religião.

Nós queremos descansar, mas a verdade é que estamos em plena guerra. Só podemos
descansar em tempos de paz, por enquanto é hora de batalhar, é hora de ter problemas, é hora de desafios. É hora de pedir coragem, e não descanso.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Sobre duas ex-canções

Houve um tempo em minha vida em que eu bem poderia cantar a canção dos Titãs:

o acaso vai me proteger
quando eu andar distraído


Mesmo depois de haver me convertido de fato à fé cristã, seria só trocar “acaso” por “meu Deus”, mas eu poderia continuar andando distraído por aí. Sei lá, talvez fosse o temperamento, personalidade, mas eu era assim, um tanto inconsequente. Não tinha medo de muita coisa, sentia que algo maior me protegeria, e, se não protegesse... bem, eu não pensava muito nisso. E, por não fazê-lo, saltava de pedras sem me certificar muito bem do que havia embaixo, andava de madrugada pelas ruas do Capão Redondo e coisas assim. Além desses perigos físicos que corria, tinha absolutamente certeza de que seria feliz, dizia a quem me perguntasse que a felicidade era algo que vinha de dentro pra fora e deveria ser independente de qualquer situação exterior, exatamente porque não tinha muito medo.

Nesse tempo havia também uma outra peculiaridade. Tive uma ou outra paixão mais intensa, mas não havia chegado a amar alguém. Passei até uns bons anos sem namorar. Eu citava, meio jocosamente, para quem vinha conversar comigo sobre o fato, o verso de Cantares: “não desperteis o meu amor até que ele o queira”. Eu afetava uma despreocupação com o fato que não era lá um primor de honestidade. No fundo eu temia que meu amor fosse do tipo que não acorda jamais, temia que pudesse ter alguma incapacidade congênita de amar. Colocava meu vinil dos Smiths pra tocar e enquanto eles cantavam

I know I’m unloveable
you don’t have to tell me


eu cá com os meus botões pensava que aquela podia ser a música da minha vida.

Mas aí tudo mudou. O amor apareceu. Entrou por uma porta insuspeitada, chegou decidido e cravou a sua bandeira no solo ainda sem dono do meu coração. Não havia mal congênito nenhum, a felicidade que eu tinha muita certeza que teria não haveria de ser de um tipo mais raro ou exótico, não, poderia ser do tipo ordinário, o tipo que envolve, entre outras coisas, uma relação de um homem com uma mulher.

Eu não notei imediatamente, contudo, um efeito colateral dessa revolução. Comecei a perder o apetite por pular de pedras e coisas afins, mas só fui notar de fato que algo mais havia mudado quando vieram os filhos. Eles me fizeram descobrir que as coisas têm pontas, e que a altura de uma cama ou um sofá pode ser um abismo temivel. E hoje eu sinto meu estômago revirar ao ouvir falar dos perigos deste mundo. Eu hoje sei que sou capaz de sentir medo.

Amor e medo, descobri, andam de mãos dadas porque quando você ama de repente o seu bem estar, sua felicidade dependem do bem estar de uma outra pessoa, e isso é algo completamente alheio a você, é algo que você não pode controlar. Você pode até colocar protetores de borracha nas pontas e tampar as tomadas e checar as amizades, os horários, os entretenimentos e tudo, mas seu poder de controle será sempre limitado. Especialmente porque você sabe que essa outra pessoa vai poder fazer escolhas e ela as fará, um dia ela vai escolher.

Não é com a mínima ponta de nostalgia que lembro do tempo em que eu andava distraído e me sentia incapaz de amar. A felicidade ordinária me cai muito bem. Sou cheio de gratidão a Deus por ver que Ele, com paciência e amor me conduziu a ela e prefiro mil vezes as novas canções que Ele me deu àquelas outras. Mesmo com o medo ao qual fui tardiamente apresentado.

E por saber que amor envolve medo e por me sentir muito, gigantescamente amado, não posso deixar de sentir um pouco de pena de meu Deus. Imagine o tamanho do medo dEle. Afinal de contas, neste exato instante há mais de 6 bilhões de objetos desse amor rasgado fazendo suas escolhas.

Qual é a sua?

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A música

Você pode acreditar que Deus não existe. Principalmente porque, a toda evidência, se Ele existe, lhe dá esse direito. Você pode acreditar que Ele é uma invenção humana, a criação de Algo sobre o qual jogar todas as perguntas sem resposta, uma muleta psicológica ou uma ferramenta de dominação sobre as massas, qualquer coisa assim. O que fico pensando é: como optar por essa saída e ainda assim continuar dando o lugar para um velhinho que sobe no ônibus?

C.S. Lewis dá outros exemplos: por que os nazistas são vilões? Por que o que eles fizeram estava errado? Ou, por que todas as nações em guerra usam os serviços de traidores do outro lado e até os recompensam com dinheiro e outros favores mas no fundo os desprezam? Ou será que há alguma nação que tenha orgulho de seus traidores? E é normal alguém orgulhar-se de ferir, maltratar e trair aos que ama?

O fato de você se indignar ao ver um corrupto no último escândalo do noticiário ou quando alguém fura uma fila na sua frente, ou o fato de você não achar que deve quebrar a cara de alguém que acabou pisando no seu pé no metrô, ou ainda o fato de você achar que é aceitável e mesmo digno de aplausos que alguém tire algumas notas da carteira e as passe para alguém que estava em situação difícil acabam apontando para a existência de um padrão, uma regra moral que é coletiva e praticamente inconscientemente aceita. Quem gravou esse padrão no coração de todo homem? E o que você faz quando percebe que é incapaz de cumprir esse padrão todo o tempo, que de quando em vez você desliza?

Claro que algumas coisas são certas num tempo e erradas no outro, isso é dinâmico, mas de uma forma geral existem , em todos os tempos e lugares onde houver mais de um ser humano coexistindo, coisas que, mesmo sem punição ou recompensas imediatas espera-se que sejam feitas daquele jeito. Esse padrão não pode ser algo atrelado a nosso instinto de sobrevivência da raça, porque uma fila indiana para comprar ingressos pro cinema não tem nada a ver com sobrevivência da raça e ainda assim é inaceitável que alguém a fure. Vai além de sobrevivência, atinge o âmago do certo e do errado, do justo e do injusto – e, se não vem de fora, quem determina o que é justo e o que é certo?

Você pode continuar acreditando que Deus não existe, mas o que você faz quando percebe que o anseio mais profundo de seu coração não pode, simplesmente não pode, ser satisfeito neste mundo? Tornando a Lewis: “aquele anseio que nasce em nós quando nos apaixonamos pela primeira vez, quando pela primeira vez pensamos numa terra estrangeira, quando começamos a estudar um assunto que nos entusiasma, é um anseio que nenhum casamento, viagem ou estudo pode satisfazer.”

Você pode acreditar que Deus não existe, mas o que provavelmente vá acontecer é que em algum momento você vai notar que há uma música sendo tocada. É uma linda música. Tem uma melodia irresistível. E que talvez você tenha estado fora do tom ou fora do ritmo dela.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Milagre

Talvez com você aconteça a mesma coisa que acontece comigo quando eu tenho algum pesadelo de que estou sendo assaltado ou correndo algum perigo iminente: eu tento correr, fugir, mas embora minhas pernas se movam freneticamente eu não consigo sair do lugar. Talvez esse fenômeno seja mesmo significativo, porque o medo nos paralisa. O medo também nos faz rever conceitos e valores, nos alia instantaneamente a pessoas de quem desconfiávamos, nos convence a fazer concessões. E provavelmente por ele ter esses efeitos todos, é utilizado frequentemente como arma.

Quando a popularidade do presidente George W. Bush estava despencando, os atentados do 11/09/01 lhe deram a oportunidade de usar o medo do terrorismo como alavanca que não só garantiu aprovação ao seu governo como lhe deu mais um mandato e dessa vez sem qualquer suspeita de fraude eleitoral. No filme A vila, de M. Night Shyamalan, possivelmente uma crítica política a Bush, os habitantes da tal vila são praticamente confinados a seus limites pelo medo de criaturas que, acredita-se, vivem nos bosques em volta.

Em sã consciência, os norteamericanos deveriam execrar o presidente Bush por sua clara opção pelos mais ricos, por suas guerras irresponsáveis e por tantas outras coisas e os jovens da vila deveriam ansiar por ver alguma coisa além daquele punhado de casas em que vivem, mas o medo, como já disse, consegue de nós o que nada mais conseguiria.

De repente você olha em volta e percebe que todos olham para você, porque de repente você virou o líder. De repente você é jogado num turbilhão de problemas e não vê saída. De repente o resultado daquele exame médico seu ou de alguém de sua família dá positivo. De repente você está desempregado. De repente o desafio é gigantesco. De repente alguém depende de você. Estamos sujeitos a muitos repentes e não só de ordem física, porque o perigo é muitas vezes de outra natureza. O medo vai lhe paralisar. Vai lhe fazer abrir a guarda, fazer concessões, vai mudar seu caráter.

Nem o poder e nem a universalidade do medo deveriam ser subestimados, porque a frase que a Bíblia repete mais vezes não é outra senão "não tenha medo". Deus a afirma e reafirma à exaustão, mas em todas essas situações Ele não suprime a origem do medo imediatamente; a escuridão continua escura, o inimigo continua às portas, a pessoa continua doente. Ao menos por um pouco mais de tempo. É que esse é um momento especial, uma oportunidade de você reconhecer sua pequenez, sua dependência dEle e simplesmente confiar. Ainda em perigo, você se reconhece incapaz e impotente mas se obriga a admitir a possibilidade de acreditar que você pode não ter medo.

E aí o milagre acontece.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Considere o Deus inverossímil

Pode ser, por exemplo, que alguém não tenha tido um pai ou uma mãe que realmente se importasse e se interesasse com o que lhe acontecesse. Pode ser que alguém carregue nos ombros o peso de atos dos quais se envegonha tão profundamente que acabe se julgando indigno. Ou então alguém que esteja em uma situação de preponderância e que se perceba incapaz de sentir a mínima empatia por aqueles que estão abaixo de si. Apenas três hipóteses que explicariam a razão pelas quais muitas pessoas se sentem mais confortáveis com a ideia de um Deus irascível e distante, ou então um deus impessoal, mera energia mística que está em tudo e em todos.

Por mais que a tanta gente esta seja a noção que apresenta maior razoabilidade e que seja mais verossímil, ela dará tilt, entrará em curto circuito ao abrir a Bíblia. Porque a Bíblia não se limita a dizer que Deus existe, ela vai ao extremo de afirmar categoricamente que Ele tomou a nossa forma, baixou a guarda, tornou-se vulnerável, sujeito às mesmas dores e paixões que nós e, por fim, acabou morto.

Um Deus pessoal, debruçado sobre este mundo e sobre cada um de seus habitantes cheio de um genuíno interesse, capaz de sofrer quando sofrem e de se alegrar quando se alegram. Eis o quadro que a tantos causa desconforto, porque destoa do que lhes parece a ordem das coisas.

Pois bem, a noção que temos de Deus impacta diretamente no tipo de pessoa que somos e somente encarar esse Deus inverossímil - o Deus que ama, chora e sorri sem deixar de ser onipotente - pode fazer uma revolução a tal ponto radical que torna o crente capaz de superar aquelas situações que fazem com que a ideia de um deus impessoal seja mais palatável. Somente considerar a possibilidade Jesus Cristo pode fazer alguém superar, só por exemplificar, a ausência de pais amorosos, a culpa pelo passado ou sua própria insensibilidade ao sofrimento alheio.

Se há alguém me lendo que também sente o estômago revirar ao considerar seriamente o Deus que Jesus mostrou, gostaria de lhe dar hoje uma dose terapêutica dEle. Entre tantas opções, pincei esta: "E, chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: tenho desejado ardentemente comer convosco esta páscoas, antes da minha paixão; pois vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus" (Lucas 22:14-16).

Considere o Deus que deseja ardentemente estar à mesa com seus amigos antes de se despedir. Considere o Deus que está agora ardentemente desejando ver a cena se repetir em Seu reino. Considere que Seu coração pulsa mais forte ao imaginar você, sim, você, naquela mesa.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A esperança

Há quase dois anos estávamos todos abismados com o acidente envolvendo o avião da TAM que se chocou contra um edifício em São Paulo. Hoje estamos consternados com o desaparecimento de mais de 200 pessoas que cruzavam o Atlântico em um boeing da Air France.

Há dois anos, escrevi algo que entendo pertinente ser relembrado (com pequenas adaptações):

Na dinâmica da vida urbana contemporânea estamos cotidianamente na dependência do trabalho de milhares de pessoas que não conhecemos. Estamos confiando nos mecânicos contratados pela companhia aérea, na perícia dos pilotos nas autoridades que determinam se uma pista é segura ou não, nos controladores de vôo, nos metereologistas. Estamos confiando nas autoridades que determinam se a matriz energética é suficiente. Estamos confiando que os técnicos de trânsito estão fazendo o trabalho necessário a que as cidades não fiquem paradas, que as obras do metrô não vão abrir crateras abaixo de nossos pés, que o leite que compramos é leite mesmo, que a alface da salada que comemos no restaurante foi bem lavada e que o palmito não nos deixará entrevados durante anos.

Estamos confiando que podemos sair de casa com tranqüilidade para chegar no trabalho sem sofrer ameaças com armas de fogo apontadas para nossas cabeças.

Mas de quando em vez, e com cada vez mais freqüência, somos notificados de que nossa confiança é traída. Aquelas pessoas não fizeram seu trabalho.

Para não viver sob o signo do medo, furtando-se a viver plenamente pelo tempor do que pode acontecer, o que significaria apenas sobreviver, só temos duas opções: ser otimistas ou ter esperança. O otimismo tem a ver com temperamento ou então com auto-sugestão. É o caso de repetirmos para nós mesmos que tudo está bem, que tudo vai
ficar bem. Think positive, dizem os livros de auto-ajuda.

Esperança é algo distinto. A esperança repousa na confiança no autor de uma promessa. Como nasce de um relacionamento com alguém confiável, é claramente muito mais eficaz do que o otimismo. A boa notícia é que a esperança é possível. "Deus, nosso Salvador, e Cristo Jesus, esperança nossa" (I Timóteo 1:1).

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Definições

Qual seria a definição mais completa de fé? Bem, considerando que somos “justificados, pois, mediante a fé” (Romanos 5:1), está aí uma pergunta importante. O que, exatamente, é aquilo que pode nos justificar, nos fazer “ficar justos” perante Deus? Esta semana tropecei em uma passagem que me fez questionar aquela clássica definição encontrada em Hebreus 11:1: “fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem”.

A passagem a que estou me referindo está em Lucas 17:11-19. Narra a cura miraculosa por parte de Jesus de 10 leprosos. Apenas um deles voltou para agradecer Jesus. Note o que Jesus lhe diz: “Não foram limpos os dez? E os nove, onde estão? Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro? Levanta-te e vai; a tua fé te salvou” (vs. 18 e 19).

Veja, se fé é algo associado exclusivamente a coisas que estão no futuro, se ela se limita à convicção de algo que se espera que vá acontecer, como entender que Jesus tenha elogiado a fé de um homem que simplesmente voltou para agradecer e dar glória a Deus? Ele já tinha o milagre concretizado, não esperava nada mais, não precisava exercitar aquela habilidade de simplesmente crer, somente queria agradecer, e a isso Jesus chamou fé; fé capaz de salvar e não apenas curar.

Matutando nisso cheguei a uma conclusão e espero em Deus que ela esteja certa para que eu possa dividi-la com você. Veja, os grandes elementos de nossa relação com Deus não conseguem ser encapsulados plenamente nas palavras de nosso vocabulário humano. Um outro exemplo disso é dizer que a definição de pecado é “transgressão da lei” segundo I João 3:4, quando passagens como Mateus 5:21 a 32 e Romanos 14:23 mostram claramente que essa não é a verdade completa. Assim como pecado é mais que simplesmente a transgressão física de um mandamento, fé é mais do que simplesmente crer que algo é de um jeito que não se pode provar empiricamente. Ambos os conceitos estão aproximados, na verdade, embora como antíteses: pecado tem a ver com separação de Deus, quebra de um relacionamento com Ele e fé tem a ver com o seu oposto, uma relação de confiança e de interatividade. Fé envolve a esperança no futuro, mas também gratidão pulsante pelo que se obtém de bom no presente através dessa relação.

Os grandes elementos de nossa relação com Deus, portanto, são setas que apontam para o fato de que isso – nossa relação com Deus – é o que há de mais importante. Nosso Deus é um Deus de relacionamentos, que ama ouvir o que temos a dizer, ama ver depositado a Seus pés nossas alegrias grandes e pequenas, nossas tristezas, nossas angústias, nossas dúvidas, nossas convicções – tantas vezes erradas – nossas perplexidades e nossas afeições. Não se trata, portanto, de fazer coisas para atrair Seu favor, mas de se relacionar com Ele plenamente.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Na avenida

Existem boas razões para não se deixar uma criança pequena atravessar sozinha uma avenida muito movimentada. É que, pelas experiências que teve, ou melhor, pela escassez de experiências que teve, ela não consegue calcular bem o risco que uma tal temeridade representaria. Outra boa razão é que a criança também não consegue entender bem a mecânica do tráfego. Ela não entende esse negócio de sinal verde, sinal vermelho, veículos que transitam para cá, veículos que transitam para lá. E, para terminar, elas não calculam bem o binômio velocidade/distância.

O exemplo é singelo mas eficaz para entendermos nossa grande missão neste mundo. Sei que parece pretensioso falar assim, mas deixem-me ser pretensioso hoje, por favor. Aqui, outra vez, será muito útil lembrar a insistência de Jesus em nos comparar a crianças. Ou ovelhas, que também não se sairiam bem atravessando avenidas sozinhas. O que está contido aqui é o fato de que há uma infinidade de coisas que não entendemos e que não sabemos e que é impossível que venhamos a conhecer e entender. Por mais avanço que a ciência tenha realizado nas últimas décadas ou séculos, ainda somos o mesmo grão de pó flutuando num universo em expansão.

Nós gostaríamos de ter respostas. Mas que resposta ajudaria uma criança a calcular bem a questão da distância e da velocidade do veículo que se aproxima? Que resposta seria hábil o suficiente para ela coordenar devidamente os diversos fatores de atenção que uma travessia requer?

Você não gasta seu latim explicando tudo isso para a criança. Você pega na mão dela e atravessa junto. Você, quando muito, dá orientações gerais, como “ao atravessar a rua, olhe para os dois lados”, esperando que isso faça sentido oportunamente, quando essa criança já tiver atravessado a rua segurando sua mão muitas vezes.

Estamos atravessando uma enorme avenida, cortada por enormes jamantas cujo destino e o sentido em que trafegam não dá para entender, não nos parece lógico nem há como parecer, porque é a primeira vez que estamos chegando à beira de uma avenida.

O Pai grita. Avisa do perigo. Mas está do nosso lado e estende a mão. Nossa grande missão neste mundo é pegar essa mão. O nome disso é fé. Eu tenho medo, me assusto, não entendo, mas vou segurando na mão dEle. O outro nome disso é confiança e a minha missão de vida é aprender a fazer isso.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Acima da média

Que tal ser tratado pelos seus vizinhos, colegas de trabalho e amigos como um doente – no sentido moral da palavra? Como o mais vil, indecente, imoral e abjeto dos seres? Nada agradável, suponho. E, no entanto, é como era tratado alguém que se recusava a engrossar as fileiras do nazismo na maior parte dos círculos sociais da Alemanha dos anos 30. Por outras palavras, o que é hoje visto como uma postura nobre e destemida em favor do que é certo, justo e bom, na sua esfera mais estreita de relacionamentos era pior do que ser um leproso no Oriente antigo.

De igual modo, as primeiras vozes que se levantaram contra a escravatura nos séculos XVII e XVIII foram tratadas a bordoadas. A mentalidade reinante, a moral do tempo, reputava plenamente justificável manter pessoas de outras raças em gaiolas como bichos, mesmo em círculos que se orgulhavam de seu absoluto e universal cristianismo.

Quando penso nisso, lembro de meu professor de religião do ensino médio contando do dia em que houve um acidente de carro em frente a sua casa. Havia uma mulher e crianças feridas. Logo uma pequena multidão se formou em torno do veículo, a maior parte de curiosos sem mais o que fazer e entre eles o meu professor. De repente, um carro guiado por alguém com muita pressa ou sem nenhuma paciência começou a arremeter contra a multidão para atravessá-la. As pessoas que estavam ali, decerto convencidas de que estavam ajudando, começaram a gritar e socar o capô do apressadinho. Quando o carro chegou à frente do meu professor, ele se flagrou tascando a mão no capô do carro também. Quando se deu conta do que estava fazendo, afastou-se envergonhado. Foi levado a agir como a multidão estava agindo sem pensar se socar carros e xingar pessoas era algo que casava com a ética e a moralidade que ele professava.

Um dia, Jesus disse que ia ser preso, torturado e morto. Os discípulos todos, capitaneados por Pedro, disseram que morreriam com Ele, mas quando os soldados apareceram eles saíram correndo. Só Pedro ficou, mas quando apertado contra a parede, negou a Cristo. Era o que todos estavam fazendo. Infelizmente ele não foi capaz de manter sua palavra: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu” (Marcos 14:29).

Esses exemplos foram todos jogados aí com uma finalidade única: fazer você pensar se a moralidade reinante no seu círculo social imediato não teria pontos questionáveis que a prática geral acaba por tratar como normal e aceitável. Fazer você meditar se não está fazendo concessões em pontos inegociáveis apenas para estar em paz com a coletividade. Fazer você lembrar que há coisas que são certas e coisas que são erradas, e que fomos salvos por Cristo para as primeiras, mesmo que isso acabe sendo inconveniente ou que atraia a fúria de outras pessoas. Você foi chamado para ser acima da média.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Eu sou um sem terra assassino

Lavradores tomam a propriedade de um homem rico cometendo até assassinato na investida. Não, não se trata do noticiário de hoje, mas de uma parábola contada
por Jesus, evidenciando que conflitos por terra são antigos como o mundo. Ela era direcionada de forma primária aos líderes religiosos judeus, mas hoje vou tentar transformar você em um daqueles lavradores com instintos assassinos.

Relembrando: um proprietário arrenda uma vinha para alguns lavradores. Após a colheita, ele envia um servo para recolher sua parte. Aqueles lavradores, cheios de ódio de classe e, certamente, com justificativas excelentes aos seus próprios olhos, espancam o coitado e o mandam de volta.

O proprietário, então, manda outro servo, que é ferido mortalmente e humilhado. O próximo servo é assassinado e outros tantos se seguem, sendo espancados, mutilados ou mortos até que o proprietário toma uma medida extrema: chega com uma milícia e acaba com eles? Não, envia o próprio filho, o "filho amado", na esperança de que a ele os lavradores respeitem. O efeito é o contrário. Eles pensam que, matando o herdeiro, a terra será definitivamente deles e assim o fazem. Aí, e só aí, é que o proprietário "virá e destruirá os lavradores" (Marcos 12:9).

Você e eu também arrendamos uma vinha. Ela não é nossa. É dEle. Ele permitiu que nós a habitássemos, administrássemos, trabalhássemos e de seu fruto gozássemos. Essa vida é dEle. Esse corpo é dEle. O fôlego de vida que temos é dEle. O tempo que temos sobre este mundo é dEle, os talentos são dEle e cada mínimo recurso só está em nossas mãos porque Ele assim o quis.

Ele pode exigir tudo, mas pede uma pequena parte, apenas. Está certo, é pequena mas importante, é o coração, é o trono dos afetos, de onde fluem a adoração e a obediência. Para ter essa porção de tudo que nos deu, ele envia diversos servos. Ele apela de diversas formas. E, embora tendo o direito legal de, ante a primeira surra num desses servos, vir e tomar à força tudo que nos deu, Ele não desiste de apelar gentilmente. Ele tem esperança de que a justiça prevaleça e que abandonemos nossa pretensão ridícula de tomarmos como nosso o que Ele nos arrendou. É só depois que assassinamos seu filho amado que Ele dá por encerrada a fase de apelos e parte para a execução do justo juízo.

As "excelentes justificativas" que os lavradores têm para rejeitar os apelos do Senhor são, no fundo, ridículas. Quero aqui abandonar as minhas, deixar a justiça prevalecer e dar ao meu Senhor o que Ele me pede em troca do tudo que me deu. Quero parar de espancar seus servos. Quero abdicar de meus sonhos megalomaníacos de liberdade longe dEle. Vou abrir a porta a Seu filho amado e me ajoelhar a Seus pés.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

De perdão e de fardos

“Filhinhos, eu vos escrevo porque os vossos pecados são perdoados por amor do seu nome”.
I João 2:12

No filme A Missão, de Rolland Joffé, o personagem interpretado por Robert de Niro aceita participar de uma missão jesuíta no alto da Foz do Iguaçu, entre os índios hostis, para penitenciar-se por haver matado o próprio irmão. O trajeto todo até o local da missão ele sobe carregando um enorme fardo com peças de ferro amarrado a sua cintura. Um dos padres pensa que ele já sofreu bastante, então pega uma faca, corta a corda e empurra o fardo penhasco abaixo. Sem falar palavra, de Niro desce tudo de novo, amarra outra vez o fardo a si e recomeça a subida. A ética que o condicionava era: quanto mais ele sofresse, mais chances teria de obter o perdão divino.

Lutero, fruto da mesma ética, partilhou dessa idéia durante boa parte de sua vida. Foi subindo altas escadarias de joelhos que lhe ocorreu a idéia singela de que Jesus Cristo havia sofrido um sacrifício perfeito, que nenhum sofrimento seu poderia aperfeiçoar ou melhorar o dEle. Foi ali que ele percebeu que o perdão era dele se tão somente cresse.

Quanta gente, contudo, por desconhecer a extensão do sacrifício de Cristo, continua a penitenciar-se de mil maneiras diferentes por não conseguir se perdoar!

Certa vez, nos conta Mateus (Mateus 12:22 a 32), Jesus estava sendo contestado por fariseus, impressionados pelo fato dEle expulsar demônios. Em sua teologia de ocasião, afirmavam que Jesus era o chefe dos demônios, já que eles O obedeciam. A resposta de Cristo foi fantástica: “Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem neste mundo nem no vindouro” (versos 31 e 32).

Ora, se até as pessoas que, presenciando um milagre de Jesus, chamavam-nO de chefe dos demônios poderiam receber o perdão de Deus, então por que você e eu não podemos ser perdoados também? Por que continuamos levando a culpa pelos nossos erros, pelas besteiras que fizemos?

É mais que hora de lançar fora esse peso e erguer a cabeça, o sangue de Jesus já pagou o preço, nossa redenção se aproxima! Ele já levou o fardo, querer carregá-lo outra vez é menosprezar tudo o que fez por nós. Aceite o perdão, respire fundo e viva!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O mesmo espírito

Ela não podia crer no que estava acontecendo. Os cabelos soltos, descalça, vestida às pressas, sendo conduzida aos empurrões por entre uma multidão. Pela mente dela um turbilhão de pensamentos desencontrados oscilando entre a máxima vergonha e a angústia de estar prestes a se despedir da vida. Quando finalmente param de empurrá-la e de gritar aqueles impropérios todos, ela se joga ao chão tentando esconder o rosto com os cabelos, mas eles a agarram com violência pelo braço e a fazem ficar de pé, de um jeito que todos possam vê-la. Nesse momento ela ouve aquilo que já estava esperando - e temendo. O mesmo que a tomou pelo braço diz:

- Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, o que diz? (Jo. 8:4 e 5)

A Lei à qual ele fazia menção é Levítico 20:10: "se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher do seu próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera terão que ser executados". No entanto, só se via a adúltera por ali. Muito embora houvesse isso que hoje chamaríamos de uma "brecha jurídica", a atitude do jovem mestre em quem fora depositado o destino daquela mulher foi surpreendente.
Escrever na areia, aparentando alheamento. Foi necessário que repetissem a pergunta para ele vaticinar seu famoso "quem estiver sem pecado que atire a primeira pedra".

A ideia era muito boa: Jesus estava sempre relativizando o rigor da Lei de Moisés como eles a entendiam, curando aos sábados e se misturando com gente que estava à margem da sociedade, então eles o forçariam a rebelar-se claramente contra a Lei e teriam aí o mote que precisavam para destruí-lo.

O engraçado é que Jesus não defendia uma desnecessidade de obedecer a Lei; ao contrário, Sua ideia de obediência era milhares de vezes mais rigorosa do que a deles, porque Ele dizia que o mero ódio já é homicídio, o mero desejo acalentado já é adulterio.

Aquela mulher merecia morrer. Ela era realmente uma pecadora. Jesus só pediu que a pena fosse executada por alguém em situação moral superior à dela, porque toda vez que julgamos alguém é isso que estamos fazendo, nos colocando numa posição de superioridade. E ali só havia uma única pessoa nessa situação, a pessoa que ao fim disse: "eu também não te condeno".

Não é fácil imitar Jesus. Ser intransigente com o espírito da Lei, não realizar uma única concessão ao pecado e, no entanto, abster-se de condenar quem assim não procede.

"Haja em nós aquele mesmo espírito que houve em Cristo Jesus".

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A tempestade

Não é nem que a tempestade esteja a caminho, ela claramente já chegou. Todo mundo que viveu os anos 80 e começo dos 90 no Brasil com idade suficiente para saber o que acontecia ao redor treme de pensar que aquele tempo cheio de pacotes econômicos nefastos, inflação desvairada, demissões em massa e economia paralisada pode estar se instalando outra vez.

É que outra vez estamos sendo lembrados que nossa capacidade de criar o Céu na Terra é risível. Outra vez nossas certezas são varridas para baixo do tapete e nos vemos carecendo loucamente de esperança para ocupar o vão deixado por elas.

Há sete dias eu experimentei uma tempestade bastante pedagógica. Foi uma tempestade literal, com chuva e vento. Aproveitando uns poucos dias de férias, estava na praia com a família e amigos. Decidimos fazer uma caminhada por uma linda trilha no meio da mata, cortada de quando em quando por praias belíssimas. Nosso destino era uma dessas praias quase desertas (em janeiro, no litoral norte de São Paulo, nada é propriamente deserto). Nos instalamos sob a sombra de uma jaqueira, as crianças foram nadar, os adultos aproveitamos para mergulhar pelas pedras admirando a criatividade divina expressa em todas aquelas espécies de peixe. Estava tudo ótimo, até o céu se fechar num negrume repentino e ameaçador.

Rapidamente recolhemos tudo e começamos o caminho de volta, mas antes mesmo de chegar à ponta da praia a chuva já caía em toneladas. A saída foi pedir a um barqueiro que nos levasse à praia maior. Ajeitei meu caçula de um ano e dez meses no “sling” e aboletamo-nos no barquinho. A água caía em diagonal, bem na nossa face e fazendo tanto barulho que ninguém conseguia escutar o que o outro dizia. Peguei um colete salva-vidas e coloquei de forma a proteger meu filho. Ele estendeu uma mãozinha para enlaçar meu pescoço, afundou a cabeça no peito e assim ficou.

Em menos de dez minutos estávamos na praia. Quando pulei do barco, percebi que o Davi estava dormindo serenamente. Como eu, todo mundo ficou maravilhado com o fato. Além de ser uma ótima propaganda do sling (um suporte para bebês parecido com o que as mães africanas usam), o fato denotava uma verdade solene: a tempestade não era aterrorizante para quem estava nos braços do pai. Nada de trauma, de dor e medo, apenas descanso confiante.

Quando chegamos à casa dos amigos ali perto, eu ainda com o Davi dormindo no sling, todos enveredaram para o lado direito em direção à ducha e eu resolvi ir para o lado esquerdo. Notei um tanto instintivamente que havia algo no chão – talvez um graveto - e então o pulei. Ao olhar para trás, contudo, vi, pasmo, que havia acabado de pular por sobre uma cobra, que mantinha a cabeça de pé, em posição de espreita. Não sei dizer se ela era venenosa ou não. Só sei dizer que, sob aquela tempestade, fui assim lembrado de que eu também estava nos braços do Pai. Que eu também podia descansar.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

(i)Lógica

Jesus disse que João Batista era o maior dos seres humanos, ou seja, ninguém é mais digno de respeito e honra que ele, correto? Fala-se pouco dele na Bíblia, mas por essa fresta eu consigo antever não alguém que tem uma idéia distorcida de seu próprio valor e do valor dos outros, pelo contrário: alguém absolutamente consciente de sua missão e de seu papel na efetivação da vontade de Deus na Terra. É por isso que fica evidente o abismo existente entre a humanidade e Deus, pois ele, o maior dos seres humanos, diz não ser digno sequer de se abaixar e desatar as sandálias de Jesus. Se o maior dentre nós não presta nem para o serviço mais humilde a Ele, quem pode? Jesus precisa convencer João a batizá-lO, porque ele realmente tinha a noção de maior e menor e ela lhe era amplamente desfavorável.

Se ninguém na Terra era digno de desatar as sandálias de Jesus, por que O vemos curvado e lavando os pés de homens? Não de homens dentre os maiores, mas de um grupo ordinário, que há poucos discutia quem seria o maior no reino que Jesus jamais fundaria – pelo menos não do jeito que esperavam. Ele se abaixa, toma um toalha e lava os pés daquele que já havia combinado de traí-lO e daquele que dali a algumas horas estaria praguejando e vociferando para convencer os outros que não O conhecia. Pois é, isto é graça.

Não que Deus despreze as noções de dignidade e hierarquia, pelo contrário. Sendo a expressão máxima de justiça, Ele tem grande zelo em dar a cada um o que é seu e ninguém é mais digno de veneração, obediência, louvor, temor, respeito e glória que Ele.

Mas como nós, ao escolher o caminho descendente, perdemos a capacidade de reconhecer que Ele é digno de tudo isso, Ele adota a medida extrema de Se fazer menor do que os menores, para, pelo absurdo dessa declaração de amor, abrir seus olhos. Tudo isso sem parecer antinatural, pois servir é o traço marcante da personalidade do próprio Todo Poderoso.

O amor inaugura a graça e a graça subverte tudo. A graça torna o indigno objeto do maior sacrifício. A graça faz o mais rico consentir em Se fazer o mais pobre para que o mais pobre possa ser rico. A graça contamina até mesmo a mais exata das ciências, pois na matemática divina um é mais importante que noventa e nove (como na parábola da ovelha perdida).

A graça desafia meus conceitos de certo e errado. Acostumado a torcer para que o mau morra no fim do filme da forma mais violenta e torturante possível, não consigo entender que, confrontado com o espelho e notando que o mau sou eu, tenha, em lugar da morte violenta e dolorosa, vida eterna e abundante, porque morte violenta e dolorosa teve quem não era mau. Continuo estupefato e algo me diz que assim será pela eternidade afora.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A primeira do ano

O tipo de coisa que é bom escutar no começo de uma jornada é a direção para onde deveria ir. Qual é o meu norte? Há milhões de alternativas possíveis para as mais de três centenas de páginas em branco que nos separam da próxima virada de ano; como preenchê-las? Que rumo dar a esse barco?

Meu norte é determinado pela Bíblia, que reputo como a Palavra de Deus, meu guia mais seguro para determinar valores, sonhos, projetos, prioridades e ética, para este e para o próximo mundo. Mas faz sentido voltar à velha e vergastada Bíblia? A essa altura do campeonato já não haveria bússolas mais eficientes? Será que dois mil anos de civilização não teriam produzido um conhecimento superior ao dela?

No último sábado pedi para o pr. Horne, um professor de teologia aposentado, me dar seu parecer sobre essa pergunta. Ele pegou a sua Bíblia na mão, deu uma folheada pensativa, e disse que ela a acompanha há mais de 50 anos. O impacto dela sobre sua vida é tão grande a ponto de ele haver se tornado um estudioso profissional dela, mas, ainda assim, ele sente que não sabe muito sobre ela. Cada vez que a abre para estudar – e ele o faz todos os dias – é surpreendido com novos vislumbres de quem é Deus, de qual o plano dEle para a humanidade, do que está por trás do noticiário do dia e do que se espera que ele faça em uma infinidade de situações da vida.

Fiquei feliz de ver que o estudioso de mais de 50 anos tem a mesmíssima experiência que eu, com meus cerca de 15 anos de estudos diários do Livro. Dá para continuar confiando na Bíblia? A melhor forma de responder isso é ir a ela e deixar que o poder que está por trás dela atue. Há, eu sei, uma série de evidências racionais, internas e externas, inclusive endossadas pela arqueologia, em favor da Bíblia, mas a que eu mais gosto é a que vem da minha experiência pessoal: a Bíblia mudou minha vida e continua mudando, operando uma transformação profunda que vai muito além da construção de uma ideologia interessante. A Bíblia dá forma a meu caráter, que ideologia seria capaz disso?

No começo da jornada é bom saber que tenho um mapa fiel. Ele me diz exatamente onde eu estou (“porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”, Rom. 3:23), para onde devo ir (“até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo” Efe.4:13) e diz como é que isso vai acontecer (“porque Deus é o que opera em vós tanto o querer quanto o efetuar” Fil.2:13, “justificados, pois, mediante a fé”Rom.5:1). É bom saber que eu não preciso de mais nada do que meu velho mapa, ao qual eu deveria é dar mais atenção do que tenho dado!