sexta-feira, 30 de maio de 2014

Aquele abraço

Para qualquer pessoa acostumada à visão escatológica adventista, a recente viagem do papa ao Oriente Médio foi carregada de simbolismo. Rezou junto ao muro das lamentações, abraçou e beijou o patriarca da igreja ortodoxa e terminou a viagem com um significativo abraço triplo com um líder do judaísmo e a maior autoridade muçulmana de Jerusalém. As três maiores religiões monoteístas do mundo ali, abraçadas. Nossa reação ao fato pode variar de alarmismo apocalíptico a um silêncio de desdém por pura vergonha de se dizer crente em algo que reforça a diferença.

A convicção e a diferença estão em baixa. Uma pessoa que crê fortemente em algo é chamada pejorativamente de fundamentalista e fundamentalista é o tipo de pessoa que explode bombas em pizzarias, joga aviões em prédios, sequestra meninas que estudam, chuta santos e comete outras sandices. A diferença também é "do mal". Não se pode falar de diferenças entre sexos, opções sexuais, países, raças e religiões sob pena de estar instigando o ódio e a repressão. E a visão tradicional adventista é ao mesmo tempo fundamentalista (coloca a Bíblia acima das opiniões da moda) e anti-ecumenista. Isso explica porque muitos adventistas mais modernos silenciam sobre algo tão significativo quanto esse abraço dado em Jerusalém, enquanto, do outro lado do espectro, outros adventistas brandem as mãos dizendo que o fim do mundo está próximo e essa é a evidência cabal.

É evidente que se estou reforçando os dois extremos é por me posicionar entre eles. Não temo o rótulo de fundamentalista. Em um mundo em que tudo é relativo, tenho a felicidade de crer. Creio que a História está acelerando os ponteiros - não para o fim, mas para o recomeço glorioso e creio que as cenas que vimos esta semana são uma evidência a mais disso. Por outro lado, também não pactuo do afã alarmista. A ordem do Mestre é "vigiem! Estejam alertas aos sinais!" e não "fiquem excitados e mantenham a adrenalina alta". Afinal de contas, até as virgens prudentes caíram no sono e a experiência mostra que esse tipo de alarmismo termina em descrença quando o tempo parece passar sem que as coisas aconteçam. Também não acredito que nosso papel seja, por discordar desse abraço que o mundo todo aplaude, reforçar a diferença, frisar os pontos de discordância, forçar a antipatia. Esse jamais foi o método do Mestre.

O noticiário diz que Jesus Cristo vai voltar. Quem lê não silencia sobre o fato. 



sexta-feira, 23 de maio de 2014

Ele tudo fará (menos aquilo que você não fez)

O pastor Danny Bloye conta em It's personal que foi visitar um pastor mais velho com uma pergunta que latejava em sua cabeça: como cumprir com as obrigações de um pastor dedicado ao seu ministério e não perder sua própria família? Eram tantas reuniões, tantas visitas a fazer, tantos atendimentos a qualquer hora do dia ou da noite que sentia sua relação com a esposa cada vez mais distante e formal, e que era pouco mais que um estranho para seu filho. A resposta do seu conselheiro foi: Deus nunca prometeu suprir prioridades negligenciadas.

O cristão corre o risco de entender errado o Salmo 37:5, com sua poderosa mensagem de confiança em Deus: Entrega teu caminho ao Senhor, confia nEle e Ele tudo fará, ou o mais Ele fará. E aí ele pode juntar essa afirmação com estas palavras de Jesus: quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim e pronto: está aberto o caminho para alguém lamentando no leito de morte as prioridades que elegeu na vida.

Se o Salmo 37:5 não significa que Deus vai fazer de conta que você deu primazia para o que é vital e num passe de mágica eliminar as consequências de sua negligência, o que ele quer dizer? Bem, ele quer dizer que você pode descansar porque a parte de Deus será feita. Não a sua. Ele quer dizer que, se o reino de Deus é a prioridade número 1 da vida, você precisa colocá-la no centro de cada dia seu, mas isso não significa que as prioridades números 2 e 3 vão cuidar de si próprias.

A pergunta seguinte é: minha esposa e meus filhos são prioridade sobre as reuniões, as visitas e as outras coisas boas? A orientação da Bíblia é para os maridos amarem suas esposas e para os pais educarem seus filhos no caminho em que devem andar. Amar e educar no caminho (não "o caminho", mas no caminho) pressupõe tempo, empenho e sacrifício de outras coisas. E embora Deus haja chamado alguns para deixarem tudo, inclusive a família, esta é claramente a exceção à regra. O filet mignon do seu tempo deve ser votado ao que é seu ministério mais importante, sua família, e apenas havendo cada membro dela tido suas necessidades emocionais e espirituais supridas é que você deve se preocupar com outros.

E, no entanto, há tantos que estão negligenciando as prioridades números 2 (cônjuge) e 3 (filhos) por coisas ainda menos nobres que o trabalho de Deus. Dinheiro e sobrevivência, por exemplo. Exatamente as coisas que Deus diz: não andeis ansiosos quanto a isso, eu sou o seu pastor, vou suprir essas coisas...

Repense sua escala de valores. Não há nada mais triste do que o arrependimento pelo que se negligenciou a vida inteira.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

A filha que eu queria ter


Havia alguma coisa de surreal no quarto da maternidade de nosso terceiro menino, nascido depois de um ano de desemprego do pai: todo mundo só falava no próximo. Era assim: "que lindo que ele é", seguido por "acho que se parece com x, y ou z", e então, toca a falar do próximo filho. E o problema é: o nome de nossa possível filha estava escolhido desde a primeira semana de namoro. Ela foi citada na música de nosso casamento! É difícil simplesmente fazer de conta que esse "projeto" era do tipo descartável...

E aí Deus abençoou minha iniciativa de abrir um escritório de advocacia, pelo menos pelo tempo exato para decidirmos dar esse passou louco. Muita gente diz que é coragem ter quatro filhos, mas particularmente acho coragem ter três. Quatro está mais para loucura mesmo. Tatiana estudou as técnicas científicas (ou nem tanto) para aumentar as chances de fazer uma menina e eis que ela veio. Nos últimos meses fui apresentado ao amedrontador mundo do cor-de-rosa, essa coisa desconhecida para quem tem dois irmãos homens.

E Tatiana tem a Sâmela, essa melhor amiga (ela tem umas sete melhores amigas) querida que além disso é a enfermeira obstetra da equipe da médica obstetra que faria o parto. Para a chegada da Clara ser tudo conforme o sonho, Sâmela teria necessariamente de estar presente. O problema é que ela estava com viagem marcada para o dia 14 de maio à noite, exatamente no mesmo dia em que atingiríamos 40 semanas de gestação.

Sendo ambas as amigas enfermeiras obstetras e entusiastas do parto normal, uma cesárea agendada nem era algo a ser considerado. Clara precisava nascer até o dia 14. O que nos levou a durante as últimas duas semanas a uma maratona de indução natural do parto: andar, subir escadas, caminhar pelo condomínio. 

Mas Clara parecia determinada a continuar no calorzinho do útero e Tatiana tentava se conformar com a perspectiva de a amiga querida não estar no parto. Tentava sem conseguir. Até que na madrugada do dia 14, alguma coisa aconteceu. Seguiu-se uma corrida algo estressante até a maternidade (de onde escrevo neste momento) e um parto lindo de viver, depois do que fui formalmente apresentado a uma princesa apaixonante chamada Clara.

Hoje não vou fazer nenhuma aplicação espiritual, nem citar algum texto da Bíblia. Às vezes a gente simplesmente não consegue ensinar nada, porque o desejo de gritar sua alegria para que os outros se alegrem junto se impõe. Às vezes a gente sente que Deus, o Criador, Se debruçou sobre nós, nos pegou com as duas mãos e nos tascou um beijo. Pra gente não duvidar que é amado. Pra gente guardar a lembrança desse beijo na carteira e ter bem à mão quando a dúvida resolver se insinuar outra vez sobre nós.

P.S. para ter mais detalhes dessa história, agora pelo olhar da mãe dos quatro filhos, procure-a no Instagram: @dicasdatatioficial

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Com as próprias mãos

Não existe assunto neste mundo que mais excite meu pai e o faça falar com energia e pura raiva do que o Judiciário brasileiro. Para ele, o Judiciário é a pior de todas as péssimas instituições que temos. Nesses momentos, como advogado, sinto um dever de ofício de defender (mas sem nem 1/10 da energia dele) os juízes, argumentando que o problema também é das leis, mas nenhum argumento aplaca a ira dele. Ele não entende como alguém que pode fazer algo para melhorar o país, deixe de o fazer, e não puna (e rápido) quem o mundo inteiro está vendo que é culpado.

A impunidade é universalmente apontada como sendo um grande mal do Brasil. Existe aquela sensação geral de que, dependendo de quem é seu amigo, o crime compensa. Talvez essa frustração latente que o noticiário nosso de cada dia não faz senão atiçar esteja na gênese de acontecimentos como a tragédia do momento: Fabiane Maria, mãe de duas meninas, saía da igreja quando foi cercada por uma multidão enfurecida e linchada até a morte no Guarujá. Circulavam boatos na Internet de que ela (ou alguém muito parecido com ela) sequestrava crianças para rituais de magia negra. Mas havia anos que nenhum caso de sequestro de crianças era registrado no Guarujá. Boato. Mentira. Uma inverdade sem qualquer fundamento.

Tribute-se o fato, ao menos em parte, ao efeito turba, aquilo que leva uma pessoa pacata a agir como um animal quando está inflamado pela coletividade. Lembro de um fato parecido ocorrido no Rio de Janeiro muitos anos atrás, quando dois meninos foram espancados até a morte após alguém gritar que eles eram ladrões. Não eram, mas quando a multidão se levantou para fazer justiça com as próprias mãos era tarde demais e as testemunhas relatavam a atitude de uma velhinha que quebrou um cabo de vassoura e fez questão de usá-lo nos olhos das vítimas. 

Ok, em parte isso aconteceu pela influência da multidão, mas a parte maior da culpa pela tragédia de Fabiane Maria acredito que seja mesmo a desconfiança nas instituições e o desejo de fazer alguma coisa para reparar esse déficit. Cercado pela multidão até o mais pacato cidadão resolve fazer o que polícia e Judiciário não conseguem fazer: nos dar segurança. Ora, um dos primeiros e importantes passos civilizatórios da humanidade foi abdicar à justiça com as próprias mãos e agora estamos regredindo até mesmo nisso. 

Podemos explicar o absurdo, mas jamais o justificar. Nada muda o fato de que uma mãe de família foi espancada até a morte por uma multidão engodada por uma mentira. Nada vai mudar o fato de que mentiras acontecem o tempo todo e não somente a respeito de pessoas que sequestram criancinhas. 

"Não julgueis" é o mandamento de Deus, que não é sinônimo de "não tenhais espírito crítico", mas simplesmente abstenha-se de julgar e sentenciar o próximo. "Minha é a vingança" (Romanos 12:19). "O amor não suspeita mal" (I Coríntios 13:5). 

O evangelho nos quer manter civilizados. Não permita que nada o faça regredir.

P.S.: Está disponível meu livro Ouse Crer no site da editora, a Casa Publicadora Brasileira (http://www.cpb.com.br/produto/detalhe/14157/ouse-crer-----------------------------------------------) leia e ajude a divulgar!

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Um arco defeituoso

Na hora do perigo ou quando dá tudo errado, você corre automaticamente para o lugar onde costuma se sentir seguro. Quando o rei Josafá se viu cercado por um gigantesco exército, imediatamente convocou o povo todo para orar a Deus, mostrando que sua confiança não estava em seus generais ou no seu maquinário de guerra, e sua oração tem me inspirado ao longo dos anos. "Nós não sabemos o que fazer, mas nossos olhos estão postos em ti" (II Cro. 20:12), disse ele. 

Para onde vai o seu primeiro olhar quando há um grande exército à sua volta? Quando o saldo da conta é insuficiente, quando o resultado do laboratório é sinistro, quando seus relacionamentos parecem estar ruindo de podre? 

Em Oseias 7:16 há uma descrição da atitude da esmagadora maioria do povo de Israel: "procuram ajuda em toda parte, porém não olham para o céu, para o Deus Altíssimo. São como um arco defeituoso que nunca acerta o alvo".

Curiosamente, um dos significados da palavra "pecado" no hebraico é justamente "errar o alvo". Mais cedo ou mais tarde (e geralmente é bem cedo) a gente descobre que falha em obedecer a lei de Deus, a gente se descobre insuficiente para enquadrar-se no que ela pede. A gente erra o alvo. A gente peca. A gente precisa de salvação.

Em Oseias descubro que a falta de confiança é um tipo de pecado. Ou melhor, de ato pecaminoso, ou seja, de externalização do pecado que já está dentro de você. Afinal, se você não investe no relacionamento com Deus, se você não passa seu tempo livre com Ele para depois descobrir que também pode passar o tempo não livre com Ele, quando o grande exército chega é para outro lado qualquer que você corre em busca de auxílio. E estar longe de Deus é outro sinônimo da palavrinha que traduzimos simplesmente como pecado.

Não tem problema se você recorre a Ele só quando tudo o mais falha, desde que aprenda a lição e não saia mais da presença de Quem pode resolver as coisas. Mas se neste instante não há grandes exércitos à sua volta, saiba que um dia eles vão chegar. Para onde irá seu primeiro olhar nesse dia?