sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Quando os dias são maus

Quando os dias são maus, pisar a rua representa uma descarga de adrenalina. Os sentidos se aguçam, o medo, que estava agachado, se levanta. Quando os dias são maus você é obrigado a andar olhando tudo o que acontece ao redor, a encarar passantes, a manter os vidros fechados, a fechar as travas, o rosto e o coração.

Quando os dias são maus você não dorme totalmente em paz. Checa se todas as portas e janelas estão trancadas, acorda sobressaltado ao mínimo ruído.

Quando os dias são maus você desconfia de tudo e de todos, qualquer um pode estar te passando a perna e você fica com a sensação de que geralmente está mesmo.

Quando os dias são maus as contas não dão trégua embora as entradas estejam minguando e você não sabe como será o próximo mês e você não consegue, simplesmente não consegue deixar de andar ansioso quanto ao que haverá de comer ou de vestir.

Quando os dias são maus o emprego e o ofício não preenchem, fica faltando algo, e eles bambeiam, e você não tem segurança.

Quando os dias são maus - e eles são! - as notícias ruins se acumulam, os relacionamentos ficam doentes e alguns, muitas vezes os mais importantes, caem de podre, e você nem tem tempo de pensar de onde veio o disparo. O mundo parece ter perdido a noção do que é razoável, parece louco e movido por coisas baratas como ganância, ódio ou luxúria.

Quando os dias são maus os amigos estão sofrendo, seja porque a morte lhes bateu à porta mais cedo do que se podia esperar, seja porque os terremotos abalaram aquilo em que confiavam e de onde lhes vinha o consolo e o prazer. E você nem sabe o que dizer e você só pensa que o próximo pode ser você.

"Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensato, mas como sábios, aproveitando ao máximo cada oportunidade, porque os dias são maus" (Efésios 5:15 e 16).

Porque os dias são maus é preciso sabedoria. Aproveitar ao máximo cada oportunidade para dizer que ama. Aproveitar ao máximo cada oportunidade para multiplicar a certeza de que um dia Jesus Cristo os fará bons. Aproveitar ao máximo a oportunidade de viver como quem sabe que, no relógio dEle, os dias maus estão com os dias contados.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Fonte no deserto

Ontem eu conversava com amigos sobre o encontro de Jesus com aquela mulher samaritana, registrado em João 4. A gente tentava tirar lições do método de aproximação empregado por Jesus. 

Ele quebrou paradigmas sociais ao se dirigir a uma mulher samaritana pedindo água. Surpresa, ela apontou a esse fato e a tréplica de Jesus tirou a conversa de preconceitos e já introduziu um forte contingente espiritual. "Se você soubesse quem está falando contigo e tivesse o dom de Deus, você é que me pediria água"

Ponto final. Nenhuma explicação adicional, nada de legendas. Ele deixou ela processar aquela afirmação sem maiores elementos para a entender. Acreditando que o assunto ainda era água física, a mulher apontou ao fato de ele não ter com que tirar água do poço. Jesus então lança a célebre frase: "Todo o que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna".

A mulher não estava preparada para mudar a conversa da água física para a espiritual e pediu da água que Jesus vendia dizendo que seria uma boa não ter que retornar para o poço pra tirar água. Nesse momento Jesus mostrou que era mais do que um homem qualquer mostrando que conhecia a vida inteira dela.

Basicamente o que Jesus fez foi mostrar para ela a real origem de sua sede ou sua sede principal. Ela tinha tentado satisfazer essa sede pulando de relacionamento em relacionamento, sem perceber que a fonte da satisfação não estava em homens.

As pessoas ao nosso redor - e nós mesmos amiúde - não percebem que estão buscando saciar a sede em água que não satisfaz. Se conseguíssemos apontar a esse fato a elas de forma tão gentil e sábia como Jesus fez!

A mulher chegou ao poço com sede. No final daquele dia ela havia encontrado o Messias e testemunhado a toda sua vila. "E diziam à mulher: Já não é pela tua palavra que nós cremos; pois agora nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo".

Cumprira-se o que Jesus prometera. Em tempo recorde, a sedenta se transformara numa fonte de água que jorrava para a vida eterna.

E então penso: há quanto tempo eu encontrei o Messias? Quanto tempo falta para eu me tornar uma fonte de água para as pessoas que me rodeiam? Por que tenho buscado outra coisa qualquer nesta existência?

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

no rodapé

Quero acreditar que não era só pra parecer espirituoso que eu costumava dizer que não fazia questão de uma casa com vista para o mar de vidro, no Céu, uma casa com vista para o muro serviria. Fosse qual fosse a intenção, o simples fato de a ideia me ocorrer já representava uma evolução no pensamento, já que por tanto tempo eu me digladiei com sonhos de ser o protagonista da história.

O tipo de protagonista com que eu sonhava ser mudou, claro. Já contei parte dessa história aqui. Mas mesmo quando comecei a admirar como heróis personagens na Bíblia, era em José, Daniel e Paulo que colocava meu rosto nos delírios de futuros possíveis. Os protagonistas. Os sujeitos que, segundo nossa ótica, fazem jus a um triplex com vista para o mar de vidro. Gente que, transportada para o aqui e agora, seria capaz de pregar para multidões como um Bullón ou alcançar a estatura moral de uma madre Teresa de Calcutá.

Não há problemas em eleger grandes servos de Deus como fonte de inspiração, ao contrário, mas há no evangelho um forte contingente de esvaziamento da necessidade por holofotes. Esvaziamento é a palavra, Paulo a usa para descrever Jesus, capaz de se esvaziar para vir morrer num lugar indigno. Para nos convidar a encontrar algum lugar no qual morrer também. Não é conformismo ou mediocridade, portanto, ver que seus heróis evoluem para caras como... como Demétrio.

Manja Demétrio? Na terceira epístola de João ele está falando a um tal de Gaio. Ele reclama de um certo Diótrefes, que na igreja "gosta de ter a primazia" e usa essa primazia para manipular e afastar pessoas. Na sequência João conclama Gaio a imitar o bem e é nesse ponto que aparece nosso amigo Demétrio: '"De Demétrio, porém, todos, e até a própria verdade, dão testemunho" (12). Pronto. Esta é toda referência feita a Demétrio na Bíblia.

Ele é uma nota de rodapé na Bíblia, mas que nota de rodapé! 

Eu não preciso ser o maior pregador. Eu não preciso ser o escritor mais lido, fazer os textos com maior número de likes, alcançar o maior número de seguidores. Se Deus quiser que assim seja, bem, mas se eu permanecer em Cristo de uma forma que afogue nEle meus delírios de grandeza todos, minha necessidade de construir um nome e uma reputação para mim, minhas ambições não santificadas todas... Aí eu terei respondido adequadamente à graça que já me salvou. 

Traduzindo: talvez eu só precise ser grande e protagonista aqui em casa para ser uma nota de rodapé no reino. Esta é a grandeza que vou perseguir.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Luz amarela

Este ano completei 42 primaveras e a luz amarela acendeu mais forte. Estou entrando num grupo de risco e um perigo me ronda. E não estou me referindo ao exame de próstata (que a literatura médica bondosamente postergou para os 50 anos recentemente). 

Os livros de Crônicas e Reis narram de forma bem sintética a biografia dos reis de Judá e Israel e a frase que mais se lê ali é "reinou xx anos e fez o que era mau ao olhos do Senhor". Há umas poucas exceções, contudo, reis que não compactuaram com a tendência reinante de sincretismo e de relativismo religioso, reis que se revelaram fieis a Deus e a Sua lei. Entretanto, mesmo entre estes que mandaram bem durante boa parte da vida, existe alguma nota de reprovação geralmente posicionada no fim de sua vida.

Quer ver? Asa foi um ótimo rei até que, sem consultar a Deus, resolveu se aliar à Assíria contra Israel. A estratégia deu certo pelo ponto de vista militar, mas quando um profeta se levantou para censurá-lo por isso, ele colocou o profeta no tronco. "Também nesse tempo Asa oprimiu alguns do povo" (II Crônicas 16:10). Porque afastar-se de Deus costuma descambar para isso: opressão e exercício arbitrário do poder. 

É famosa a história de Ezequias, um rei muito devoto e que ouvia Isaías, mas que resolveu fazer propaganda das riquezas de seu reino a emissários de Babilônia do mesmo jeito que alguns anos depois o rei da mesma Babilônia, agora senhor sobre Judá, se pavoneava de sua glória e de seu poder como se não viesse tudo de Deus. Ezequias escorregou quando se viu confortável.

Jeosafá também foi um bom rei até que, sem consultar a Deus, resolveu se aliar ao ímpio rei israelita Acabe e por isso seu exército foi destruído. 

Mas possivelmente os dois melhores exemplos do que quero dizer sejam Josias e Salomão. Salomão começou muito bem, mas na fase madura só fez bobagens. Josias foi um rei exemplar, do tipo que a gente conta a história para as crianças, mas quando o fazemos a gente omite o fato de que, tão logo morreu o seu mentor, o sacerdote Jeoiada, ele descambou completamente a ponto de mandar apedrejar o filho de Jeoiada quando veio chamar sua atenção.

Não tenho a idade exata em que o caldo entornou para cada um desses, mas parece que a meia idade esconde essa arapuca. Dá pra ver que um bom começo não é garantia de um bom final e que um bom final é mais importante. Alguns desses homens foram vítimas do sucesso e da prosperidade, outros parece que se deixaram levar por influências encantadoras, mas todos perderam o sentido de vigilância, abaixaram a guarda, colocaram o carro em ponto morto, se refestelaram na zona de conforto. E mancharam terrivelmente suas biografias. 

Nossa biografia é tudo que temos, amigos. É nosso único real patrimônio. Nenhuma vitória do passado compensará os escorregões do presente. É preciso se certificar de que nossa árvore continua plantada perto da água, que nossa preocupação continua sendo ouvir a voz de Deus e nos conformar ao que ela diz diuturnamente.

A luz amarela está acesa, especialmente aos de minha geração. Temos o exemplo desses caras todos a piscar na nossa frente.