sexta-feira, 25 de abril de 2014

Interrogações

"Meu projeto de vida era fazer o curso x na faculdade y, mas eu estou fazendo o curso w na faculdade z. Eu não entendo porque! Por que Deus me levou para um lado tão diferente do que eu sonhei?" Não sei se o amigo que me fez essa pergunta há uns quinze anos atrás se lembra dela, mas ainda esta semana essas palavras ecoaram em minha memória enquanto eu ouvia outra pergunta parecida, apenas em um contexto diferente. "Quando descobri que meu sócio cometia uma série de fraudes, inclusive prejudicando criancinhas, eu rompi imediatamente, mas parece que tudo que eu tento fazer com o patrimônio adquirido naquela sociedade dá errado. Você acha que aquele dinheiro é amaldiçoado? E essas maldades que estão fazendo comigo, será que elas vão mesmo ser julgadas só na eternidade? Isso não é justiça, terá demorado muito!"

Quinze anos atrás minha resposta foi diferente. Com um sorrisinho algo pretensioso, olhei fundo nos olhos do meu amigo e disse: "você vai descobrir. Fique tranquilo, um dia você vai entender perfeitamente." Eu era jovem demais. Não sei se esse meu amigo descobriu porque sua vida deu as voltas que deu, se ele chegou a alguma conclusão, mas eu jamais poderia dar uma resposta dessas hoje em dia, pelo simples fato de que às vezes a gente não descobre. Jó não descobriu porque seus filhos foram mortos, seu patrimônio destruído e seu corpo ficou coberto de chagas. João Batista não descobriu porque teve de ser aprisionado e decapitado. Ninguém disse a Paulo porque exatamente aquele "espinho na carne" de que ele fala continuou lá. 

Por mais que a ideia de dinheiro ser "amaldiçoado" me pareça estranha e eu tenha toda uma teologia a respeito da justiça divina, os cursos incertos da vida e essas experiências todas encontradas na Bíblia já não me deixam mais ser o gatilho mais rápido do Oeste na hora de dar respostas. É que Deus nunca prometeu respostas. Ele deixou princípios gerais na Bíblia e a gente patina um pouco na hora de trazê-los para os casos concretos. 

Mas pensando nisso tudo esta semana me veio uma ideia que me parece digna de ser compartilhada: acredito que isso não seja por acaso. Enquanto estamos lutando com Ele para entender os porquês da vida, estamos no lugar em que Ele quer que estejamos. Na presença dEle. Olhando para Ele. Esperneando, sim, mas perto dEle. Aí um dia as perguntas mudam e podemos perder a paciência porque Ele insiste em não vir aqui e responder em bom português, mas se insistimos em questionar Seu silêncio ou se o aceitamos e O louvamos, estamos salvos. É que pessoas que entendem tudo, que têm todas as respostas, que sabem o fim desde o começo, como Ele, não precisam confiar. 

E é a confiança que nos salva. "Voltando e descansando sereis salvos, na calma e na confiança estará sua força" Isaías 30:15.


sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ouse crer

Escrever para você toda semana é um ato de resistência. Primeiro, contra minha tendência natural a burocratizar e "mesmificar" minha fé, já que o hábito me impele a ruminar novas coisas sobre o reino de Deus, sempre. Segundo, contra o tempo. O tempo quer enterrar isso que um dia eu entendi ser minha vocação.

Quando me perguntam minha profissão eu respondo que sou advogado, mas dentro de mim uma vozinha baixa, daquelas bem teimosas, aparteia: "não, não. Advogado é a ocupação. A profissão de fato é escritor". Porque um dia eu sonhei em ser um escritor, sonho que, por estar num país de poucos leitores, confessei a poucos. E então veio o tempo e fez de tudo pra enterrar o sonho. O tempo preencheu todo mínimo tempo livre com a busca pelo pão de cada dia e trocou as divagações de minha cabeça, os reinos fantásticos, os diálogos imaginados e o mundo das ideias por coisas muito práticas, coisas muito pragmáticas. A corrente majoritária sobre o conceito de consumidor. Como fazer uma planilha no Excel. De quanto em quanto tempo calibrar o pneu do meu carro. Coisas assim.

Passaram-se alguns anos e vi o hábito simpático de meu amigo Neimar de escrever um texto toda sexta-feira para os amigos. Me deliciei com várias coisas que ele escreveu e acontece que ele parou de escrever. E eu escrevi um. Escrevi dois. E na terceira semana, quando não escrevi, alguém reclamou. O Neimar e esse amigo que reclamou foram agentes mandados por Deus para soprar o pó de sobre meu sonho. O sopro me animou a continuar e lá se vão quinze anos.

No filme "Carruagens de fogo", sobre atletas britânicos na Olimpíada de 1924, conhecemos a história de Eric Liddel. Ele estava a ponto de embarcar como missionário rumo a um país distante, mas decidiu disputar as Olimpíadas. Enquanto corre para ganhar o ouro, ouve-se em off um diálogo dele com sua irmã. Ele explica porque escolheu correr, e deixar para mais tarde a conversão das almas perdidas: "Eu acredito que Deus me fez com um propósito. Mas Ele também me fez rápido. Quando eu corro, eu sinto Seu prazer". Reggie MacNeal se refere a essa cena citando Provérbios 8:31, que afirma que Deus se regozija em Seus filhos, Deus fica feliz quando alguém se põe a fazer aquilo para o que Ele o vocacionou.

Eu não escrevo tão bem quando Liddel corria, mas entendo o que ele queria dizer, porque no exercício daquilo que um dia reconheci como minha vocação sinto o sorriso do Pai. Sinto que o sonho era dEle primeiro. Por isso aceitei os estímulos dEle e me recusei a deixar isso morrer. O que me levou ao ato de resistência contra o tempo semana após semana. Por isso, quando me vi desempregado, dois anos atrás, redescobri o prazer de me sentar aqui nesta cadeira e passar horas lapidando frases.

Na última segunda-feira havia um pacote me esperando na portaria do condomínio. Quando abri, uma enorme surpresa: o livro que escrevi nessa fase de incertezas estava ali, com uma capa que até então eu não conhecia, e que achei linda como qualquer pai só pode achar lindo seu filho recém nascido. A Casa Publicadora Brasileira, que tão generosamente apostou no livro, me fez essa surpresa, de enviá-lo de repente, sem aviso prévio.

O título também foi escolhido pela editora. É "Ouse crer". Ouse crer. Propício, não?

E eu só espero que a história do meu sonho quase morto e enterrado, depois ressuscitado e então feito papel e tinta, inspire você a assoprar o pó de sobre o seu sonho. Pra que Deus não apenas sorria, mas gargalhe de puro contentamento com Seus filhos fazendo as coisas que Ele os criou para fazer.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O homem segundo o coração de Deus

Há quem viva tentando agradar os outros. Desses, uns conseguem, outros falham tristemente. Se você agrada alguém, em tese esse alguém vai querer ter você por perto e aí sua solidão patológica estará equacionada. É o que esperamos. Nem sempre acontece. Bom mesmo era Davi. "Um homem segundo o meu coração", disse não a mulher, o rei, aquele cara bonito e rico para quem tudo parece dar certo. Não o chefe ou a celebridade da hora. Foi Deus quem disse: Davi é um homem segundo o meu coração (I Samuel 13:14, Atos 13:22). Quando se agrada a Deus, sua solidão está dinamitada para sempre.

Eu tenha essa ambição nada secreta: ser como Davi, agradar a Deus. Se for como Enoque, que "alcançou testemunho de haver agradado a Deus" (Hebreus 11:5), ou seja, que todo mundo sabia que Deus ficava feliz só de olhar para ele, bem, aí tanto melhor.

A resposta padrão para a pergunta: por que Davi era um homem segundo o coração de Deus? é: porque ele se arrependia quando percebia que tinha pecado. E é isso mesmo, concordo, mas não creio que só aí ele mostre o tipo de grandeza capaz de atrair um sorriso aos lábios do Criador.

Por exemplo, Davi amava seus filhos incondicionalmente. Veja como ele chorou quando mataram o rebelde Absalão, que estava tentando matá-lo. Davi confiava em Deus com uma maturidade que eu quero um dia ter. Veja como foi quando seu primeiro filho com Bate Seba ficou doente; ele chorou, jejuou, passou sete dias prostrado com o rosto no chão - ele, o grande rei! - até que veio a notícia. Quando soube que o menino havia morrido levantou-se, lavou-se, trocou de roupa, foi ao templo e adorou a Deus.

São só alguns exemplos. O guerreiro poeta tem decerto muito mais a ensinar.

Você não precisa repetir os erros de Davi para ser segundo o coração de Deus. Pode evitá-los, para assim evitar as consequências funestas deles também. Pode apenas admirar a grandeza dele, meditar nela e pedir ao Deus que aponta para ela com orgulho e felicidade que esse exercício o faça mais parecido com ele.