sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Novos começos

O ano novo pela frente, com sua multidão de páginas em branco, convida a respirar fundo e recomeçar. Começos são sempre espinhosos, requerem adaptação e força de vontade, sem falar que muitas vezes os desafios que assumimos botam um medo terrível na gente.

Nessas horas é muito bom lembrar de Josué, meio assustado por ter sido guindado à posição de líder máximo da multidão israelita que marchava sobre Canaã, e das palavras de Deus a dizer-lhe, repetidas vezes, por entre toda a perplexidade do rapaz: "não temas. Sê forte e corajoso, porque Eu sou contigo". Não importa o tanto de bichos de sete cabeças que apareçam no seu novo começo, não há de haver desafio maior que o poder do Senhor para que você dele dê conta.

Podemos, sem qualquer medo de errar, perscrutar o horizonte incerto e sorrir confiantes. Não importa o tanto de novos começos que apareçam até que O vejamos; não importa sua complexidade, seus traumas e impasses; temos um Deus que nos convida a descansar em Sua divina Providência.

Não precisamos jamais temer novos começos. Ele mesmo, nosso Criador e Redentor, promete que o princípio de nossa felicidade suprema começa com isto, um novo começo, e o faz nessas magníficas palavras: "Faço novas todas as coisas" (Apocalipse 21:5). Que beleza! Tudo o que Ele quer é fazer um último e definitivo novo começo para nós, mas até lá nos há de guiar, capacitar, proteger e cuidar. Você costuma desconfiar da validade das promessas feitas por quem o ama? A promessa é sua, aproprie-se dela e toque em frente!

Neste recomeço, desligue o som do mundo e ouça a voz serena do Pai: "Esforça-te e tem bom ânimo; não te atemorizes, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andares." Josué 1:9.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sim!

Então Calebe, fazendo calar o povo perante Moisés, disse: Subamos animosamente, e apoderemo-nos dela; porque bem poderemos prevalecer contra ela.
Números 13:30

O telefone tocou e do outro lado da linha alguém me chamando por um nome que ninguém usava havia uns dezesseis anos, fazendo mistério pra ver seu eu adivinhava quem era.

- Quem?! eu havia escutado certo: Robson Tatimoto. De que tumba ele teria saído? Estudei com ele até acho que a sétima série do fundamental e depois nunca mais havia ouvido falar dele. Disse que encontrou alguém daquele tempo longínquo e logo foram trocando informações sobre os colegas com quem mantinham ainda algum contato e a vontade de ver o povo foi crescendo e os contatos foram acrescentando pessoas e em cinco dias recebi ligações de uma porção de gente que até então era apenas uma lembrança amarelada num baú bem guardado. Fizeram uma página na Internet pra colocar fotos, começou uma corrente de e-mails nostálgicos e desse jeito eu fui mais uma vez transportado para os idos de 1986, 1987.

Pensar no assunto me liberou endorfinas suficientes para muitos dias. Relembrei rostos, vozes, fatos, músicas e sensações gratas. Entre tantas lembranças, contudo, veio a de uma dessas colegas que acabou coincidentemente, depois do intervalo do ensino médio, fazendo faculdade comigo. A gente nunca tinha sido muito próximo e no dia em que toquei no assunto de nosso passado em comum na frente de outros colegas da faculdade, ela se pôs a contar aos outros as exóticas normas da escola em que havíamos estudado. Enumerou milhões de "nãos", alguns dos quais eu nem lembrava mais. Falou da saia que tinha de usar, da proibição do uso de adornos, da ausência de carne na dieta, dos rígidos padrões morais, das aulas de religião e mais uma penca de coisas, tudo como se tivesse sobrevivido ao inferno.

Fiquei decepcionado e jamais voltei a tocar no assunto com ela. Diferentemente da impressão que lhe ficou, para mim eu não havia sobrevivido ao inferno, mas caído do Céu, depois que saí de lá. A porção de "nãos" para mim nunca havia disputado nem de longe com a multidão de "sins" que eu trazia do tempo das espinhas na cara. Cada nuance daquele tempo bom era para mim um sonoro e retumbante sim!

Fiquei muito feliz de perceber que a minha opinião é compartilhada por um monte dos colegas de então, mas não posso deixar de estranhar em como uma mesma situação, um mesmo contexto, pode ter ressonâncias tão distintas para pessoas que o viveram teoricamente nas mesmas condições.

Também isso aconteceu entre os doze espiões de Moisés que foram vasculhar Canaã. Dez viram uma terra inalcançável e dois, que enxergaram tudo pelo mesmo ângulo e nas mesmas, digamos, condições climáticas que os demais, viram algo facilmente conquistável mediante o poder do Deus que os tirara do Egito. A diferença, aí, estava no quanto esses dois conheciam ao Deus que ia com eles.

O que determina a diferença? O que faz com que as situações da vida sejam sim ou não para alguém, e para a pessoa do seu lado o perfeito oposto?

Fico pensando em como olharemos para o hoje daqui a algum tempo. Veremos "nãos" ou "sins"? Ora, o mesmo Deus que estava lá, atrás dos israelitas, empurrando-os para Canaã e o tranquilizando com Seu braço forte, o mesmo Deus que me cercou de coisas boas há dezesseis anos, sabendo que elas haveriam de ser preciosas na dura caminhada que eu ainda nem desconfiava que assomava à minha frente, bom o mesmo Deus está agora dizendo coisinhas como "mas tu, meu amigo, não temas porque sou contigo, não te assombres porque eu sou teu Deus" (Isaías 41).

Voltei de 1987 não apenas cheio de endorfinas, mas também disposto a ver muitos "sins" no meu caminho de hoje. E graças a Deus eu os vi! E você, o que vê?

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A pirâmide

Como foi sua alimentação este ano? Você conhece o ditado: você é o que você come, e talvez você conheça também a pirâmide alimentar, aquela representação gráfica que coloca na base do triângulo pães, cereais e carboidratos e lá na pontinha dele açúcares e gorduras, indicando que a alimentação tem que ser aqueles como regra e estes como exceção. A proporção dos alimentos que você comeu este ano foi saudável?

Para além da dica de resolução de ano novo (“em 2011, vou me alimentar melhor!”), minha intenção é lembrá-lo que Jesus Cristo afirmou ser “o pão da vida” (João 6:35). Ele sabe que você é o que você come e por isso Ele se identificou com o alimento mais trivial e básico que existe, aquele que comemos todos os dias.

No começo do século passado, Oswald de Andrade e outros intelectuais paulistas assinaram o “Manifesto Antropofágico”, um libelo artístico e literário que enaltecia o espírito criativo humano e convocava a todos que alimentassem seu espírito com os frutos da verve de outros homens. Não é exatamente o que temos feito? De que alimentamos nosso espírito? O que comemos todos os dias? Mais que isso: nossos valores e princípios, a forma como entendemos o mundo e aquilo que reputamos como verdade e como conhecimento, são fruto de quem? De Deus ou dos homens?

Alguns cristãos pregam que só devemos comer pão, que tudo o que pessoas que não temem a Deus fazem não presta e não devemos “comer”, mas esse me parece outro extremo nada saudável. Paulo conhecia as obras dos pensadores de seu tempo e Deus sempre nos inspirou através das formas artísticas conhecidas. Deus ama a poesia, a pintura, a música e a literatura e não poderia ser diferente, já que a criação de Suas mãos exala uma arte superior por cada mínimo poro.

Acontece que Ele é pão e as obras dos homens são açúcar. Um é regra, o outro é exceção. Um é para ser comido todos os dias em quantidades generosas, o outro não é essencial.

Em 2011, garanta o essencial.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O sábio e o esperto

Costumamos dizer que Salomão foi o homem mais sábio que já existiu. Bem, o tal “homem mais sábio que já existiu” realmente conhecia muito de botânica, biologia e astronomia, conseguia decifrar enigmas complicados e tinha habilidade em julgamentos para desmascarar a mentira – como vimos no caso das duas mulheres que disputavam a maternidade de um bebê - mas isso tudo é sabedoria?

Quando Deus lhe perguntou o que ele queria ganhar, Salomão pediu “um coração cheio de discernimento para governar o teu povo e capaz de distinguir entre o bem e o mal” (I Reis 3:9). Por outras palavras, Salomão pediu para ser esperto, e não apenas um jovem inexperiente. A resposta de Deus foi: “eu lhe darei um coração sábio e capaz de discernir” (verso 12). Deus acrescentou não apenas riquezas e poder ao pedido de Salomão, mas sabedoria propriamente dita.

O que ele fez com ela, contudo? Depois que Salomão construiu o templo, I Reis 9 diz que Deus lhe apareceu e lembrou que a promessa de proteção e cuidado sobre ele e seus descendentes dependia da obediência dele aos estatutos divinos. Falta de aviso, portanto, não foi, porque dois capítulos adiante somos informados que Salomão tomou 700 mulheres e 300 concubinas; “elas eram das nações a respeito das quais o Senhor tinha dito aos israelitas ‘vocês não poderão tomar mulheres dentre essas nações...” “À medida que Salomão foi envelhecendo, suas mulheres o induziram a voltar-se para outros deuses, e o seu coração já não era totalmente dedicado ao Senhor, o seu Deus.” (11:2 e 4).

Casar-se com princesas era uma ótima forma de garantir a paz entre as nações, e permitir que essas princesas conservassem sua cultura era certamente a forma mais fácil de mantê-las satisfeitas. Isso era mera esperteza, não era sabedoria. Afinal de contas, o “homem mais sábio que já existiu” escreveu que “o temor do Senhor é o princípio do conhecimento” (Provérbios 1:7). O discernimento sem temor do Senhor é mera esperteza. Salomão só foi sábio enquanto ouviu mais aos conselhos divinos do que às conveniências políticas.

É difícil reconhecer a verdadeira sabedoria entre seus genéricos disfarçados. Como saber o que é sabedoria, de fato, e o que é mera esperteza? Bem, Paulo dá uma ótima dica: “Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (II Timóteo 3:15).

Sabedoria de fato é aquela que opera a salvação, e o princípio dela é o temor do Senhor. O resto engana bem, mas não é sabedoria.

Feliz sábado, @migos!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O terror e a gratidão

A semana começou com uma cena histórica: homens das forças policiais e militares hasteando uma bandeira brasileira no alto do complexo de favelas do Alemão, no Rio de Janeiro. Para todo mundo nascido desde a década de 70, a existência de bolsões onde o Estado não existe (lugares onde a ordem é mantida por um código de valores e por leis totalmente diferentes dos que vigoram no restante da sociedade organizada) é algo natural, faz parte da paisagem. O que possibilitou a existência dessas zonas cinzentas foi uma conjugação de alguns fatores: a geografia carioca, que torna os morros inexpugnáveis e que mistura favela com as outras partes da cidade em todas as suas zonas, o descaso histórico do Estado pela população humilde que foi obrigada
a subir os morros para encontrar onde morar e a estratégia de dominação dos traficantes.

Os traficantes escolheram o caminho mais curto para garantir o exercício do poder nos seus feudos: uma mistura de terror com assistencialismo. De um lado, invadem casas, espancam, torturam, ostentam seus fuzis e metralhadoras livremente, ameaçam e matam sem pestanejar. De outro, cuidam da segurança dos habitantes da favela,
coíbem o roubo em seus domínios, exercem uma justiça paralela, distribuem presentes, trocam favores. Com isso, garantem uma fórmula infalível para ganhar respeito e obediência, manejando com uma mão o medo e com outra a gratidão.

Quando as tropas subiram o morro, contudo, viu-se que terror e gratidão, embora garantidores de obediência e servilismo instantâneos, constituem uma motivação frágil para isso. Traficantes presos foram insultados abertamente por parte da população e uma enxurrada de denúncias anônimas por telefone vinda de moradores do bairro apontou esconderijos e rotas de fuga dos marginais. Moradores aliviados foram
entrevistados.

Conhecemos bem o caminho mais fácil para a obediência. O mesmo não se pode dizer do caminho mais difícil, aquele que Jesus trilhou. Jesus sabe que a obediência que nasce do medo é precária e corrompida. “No amor não há medo, antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor“ (I João 4:18). Jesus sabe também que a obediência por simples
gratidão também não é suficiente. A gratidão é imprescindível para nossa sanidade mental, mas não é ainda o motivo correto para a obediência. Só o amor é.

Por isso é que Jesus não carrega nas cores quando fala do juízo. Ele não fica esfregando fogo e enxofre na nossa cara. Quando fala do juízo, algo que é real e que está acontecendo e que, portanto, sobre o qual seria falta de amor calar, ele enfatiza a vitória que será para os que forem aprovados. Por isso também é que Jesus não compra nossa obediência com dinheiro e saúde como os adeptos da teologia da prosperidade advogam. Em lugar disso Ele nos ama, nos pega nos braços, nos aquece, nos consola, nos dá esperança. Amor gera amor e a obediência e o respeito que nascem do amor são indestrutíveis.

Por um caminho mil vezes mais difícil do que aquele que nós escolheríamos Ele subiu e cravou sua bandeira em nosso coração. Louvado seja.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A qualquer momento

Você provavelmente tem um amigo que nunca falha. Alguém que sempre
cumpre seus compromissos, que não dá furos e que já deu mostras
indiscutíveis de que você é importante para ele. Imagine que ele marca
de encontrar você em um determinado lugar e você está lá esperando;
qual é seu estado de espírito? Você fica pensando se ele vem mesmo ou
a persepectiva da falha dele nem lhe passa pela cabeça?

Bem, para quem O conheceu, Jesus Cristo é exatamente assim. As
promessas que fez já se cumpriram todas, menos uma. O simples fato de
haver tomado nossa forma, de haver devotado uma vida inteira para nos
salvar e de Se ter deixado matar daquela forma ignominiosa já seriam
evidências óbvias de que somos o que há de mais importante para Ele,
mas, como se não bastasse, Ele prova seu amor a cada dia pelo jeito
que encaminha nossa vida. Estamos aqui, esperando o cumprimento de Sua
última promessa, aquela que Ele repete centenas de vezes em Sua
Palavra. Não há porque descrer, não há margem para desconfiança: Ele
vem. Ele vai voltar. Deus não deixará o atual estado de coisas, que
nos é amplamente desfavorável, persistir indefinidamente. Cristo está
voltando para completar o que começou.


Os sinais que Ele deu de Sua vinda têm se cumprido com incrível
precisão, mas parece que o sinal definitivo é o que Ele registra em
Mateus 24:14: “E este evangelho do Reino será pregado a toda língua,
tribo e povo, em testemunho a todos as gentes, então virá o fim”.
Muito bem, para que essa situação de morros tomados por traficantes,
balas perdidas, doenças incuráveis, doenças crônicas, doenças
congênitas, confusão moral, corrupção, desavenças, sonhos frustrados,
solidão, tragédias naturais, dor, morte e tudo o que Ele não planejou
nem quis para nós tenha fim, sabemos o que deve acontecer. O que? Uma
pregação. Do que? Do evangelho do reino, ou seja, da mensagem de que
Jesus resolveu nosso maior problema ao morrer em nosso lugar naquela
cruz. A quem? A toda tribo deste mundo. Para que? Para que venha o
fim.


Sabemos o “o quê”, sabemos o “do quê”, sabemos o “a quem” e o “para
que”, mas pode ser que estejamos desprezando outro elemento que esse
texto nos dá: o “como”. O evangelho do Reino é pregado ao mundo todo
não de qualquer jeito; ele é pregado em testemunho. Por outras
palavras, são testemunhas do evangelho que o pregam, ou melhor, que o
vivem perante toda nação, tribo, lingua e povo. Não adianta
terceirizar esse trabalho para os anjos, ou para os livros ou para a
Internet ou a televisão. A fim de que o mundo todo saiba que Jesus
Cristo é o caminho e a saída, é necessário que você e eu o vivamos.
Só assim a mensagem de que Ele está por chegar se reveste de
credibilidade irresistível.


Não se trata, portanto, de enumerar as razões porque sabemos que Ele
está voltando, mas fazer isso e viver uma vida condizente com o fato.
Então virá o fim.


Deus acelererá essa obra quando entender que chegou a hora: “Pois o
Senhor executará a sua palavra sobre a terra, consumando-a e
abreviando-a” (Romanos 9:28). “Eu, o Senhor, apressarei isso a seu
tempo” (Isaías 60:22). E, para tanto, vai contar com pessoas dispostas
a viver como quem tem certeza de que esse Amigo vai chegar a qualquer
momento.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O barato que sai caro

Arnaldo Baptista era um pequeno gênio musical. Excelente pianista, compunha e arranjava músicas com uma sofisticação que os entendidos até hoje comparam às de gênios bem mais renomados. Sua criatividade era tanta que grande parte dos brasileiros não a compreendia. Mesmo assim, sua banda, Os Mutantes, gozava de uma grande popularidade na virada dos anos 60 para os 70; era casado com Rita Lee e em plena ditadura militar tinha uma liberdade criativa e uma produção espetaculares. Até que o LSD entrou na parada.

Nisso, a história de Arnaldo Baptista não difere muito de outras tantas. O clima de revolução cultural vivido por sua geração era ditado e colorido pelas drogas, em especial o LSD. A impressão geral era de que o ácido abria as portas para um novo nível de compreensão, o despertar de uma nova consciência. Para Arnaldo muito nitidamente essa nova consciência foi o princípio de um longo e tenebroso declive. Rita Lee o deixou, sua musicalidade se tornou mais esquisita, sua alegria - grande marca de sua personalidade - desapareceu. Na sequência foi internado algumas vezes em hospitais psiquiátricos até que tentou suicídio atirando-se do 4º andar de um deles. Passou dois meses em coma, mas nunca se recuperou completamente. Passou quase duas décadas em um relativo ostracismo, embora tenha entrado em sua vida uma mulher devotada que praticamente salvou-lhe a vida.

Assistindo a um documentário sobre essa história toda, a questão que me ocorria sempre era: alguns instantes de uma sensação de liberdade intensa e de êxtase dos sentidos valem o preço que eles cobram? Para muita gente a resposta é sim. Evitar a experiência para ter os neurônios intactos seria o equivalente a deixar de viver. Viver, dizem eles, é isso. Andar no limite. Correr perigo.

Para os ex-companheiros de Mutantes ouvidos no documentário, contudo, o saldo é francamente negativo. Nota-se um certo receio de parecerem caretas ao falar do assunto, mas eles são praticamente unânimes em afirmar que eles eram melhores antes da droga do que durante; depois dela, então, nem se fale. O êxtase não valeu a pena. Viver, segundo o conceito que tinham então, não valeu a pena.

Bem, mas o que significa “viver” é uma das grandes questões da humanidade. Há dúzias, talvez centenas de ideias díspares sobre o que é isso. Eu, particularmente, gosto da ideia que meu Criador faz de vida. “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância”, disse Ele (João 10:10). E, na vida que Ele recomenda, não há muito lugar para êxtases e arrebatamentos dos sentidos. As pequenas alegrias (pequenas ao menos na comparação com alegria bombástica do barato da droga), entremeadas com as tristezas e preocupações do cotidiano, tudo isso emoldurado pela confiança em Deus e pela esperança que daí provém, essa é a ideia de vida que Ele recomenda. Vida abundante.

Você e eu não precisamos do despertar de uma nova consciência. Precisamos simplesmente aplicar essa que temos à realidade de Deus à nossa volta. Ou, como diz Paulo: Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional (Romanos 12:1).

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A mulher virtuosa

O filósofo André Comte-Sponville escreveu um interessante “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” defendendo que, mesmo neste mundo pós-moderno, ainda há espaço para a virtude. Mais que isso, é urgente enaltecê-la, porque ela tem um papel fundamental em nossa realização como seres humanos.

Seu primeiro capítulo enfoca a polidez - que é uma quase-virtude; ainda não é uma virtude, porque ela pode existir sem qualquer lastro no caráter da pessoa – e termina com o amor, que já não é mais uma simples virtude, é algo bem maior que isso. Entre uma e outro, ele discorre sobre virtudes como a justiça, a fidelidade, a prudência, a temperança e a coragem, entre outras.

Salomão, que teve cerca de mil mulheres, perguntou: “Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor muito excede o de finas jóias” (Provérbios 31:10). O velho e sábio rei tinha entendido que a qualidade é muito superior à quantidade. Também havia entendido que a qualidade é coisa rara, raríssima.

Não acredito que esteja distorcendo a ideia de Paulo ao afirmar que aquilo que ele diz sobre “procurar os melhores dons” (I Coríntios 12:31) vale também para virtudes, mesmo porque, logo após dizer isso ele introduz o belíssimo elogio do amor que está no capítulo 13.

Conhecer as virtudes deveria nos incitar o desejo de persegui-las até incorporá-las. E, como diz Comte-Sponville, “se a virtude pode ser ensinada, como creio, é mais pelo exemplo do que pelos livros”. A melhor forma de “perseguir as melhores virtudes” é vivendo perto de pessoas virtuosas e perto dAquele que é a origem e o fim de toda virtude, Aquele que enfeixa em Si a realização absoluta de todas elas, Deus.

Nesse sentido, sou realmente um felizardo. Conheço a Deus e, quando a coisa se torna muito teórica demais (como eu às vezes gosto, lamentavelmente), conheço também a minha esposa. Acho que uma resposta válida para a pergunta de Salomão (“...quem a achará?”) seja eu – meu nome.

Há mil razões para isso. É porque ela tem o dom de pacificar as relações das pessoas ao seu redor; é porque ela é rápida em perdoar – embora às vezes diga que não; é porque ela tem uma preocupação genuína pelas pessoas que cruzam seu caminho, tem uma empatia que eu invejo muito; é porque ela tem uma meia dúzia de “melhores amigas” sem hierarquia alguma entre elas e é capaz de ter dezenas de outros
amigos; é porque ela tem uma inteligência rara para relacionamentos, capaz de fazer com que perfeitos estranhos sintam-se como amigos de infância com ela em pouquíssimos instantes e que muita gente queira estar perto; é porque tudo em que ela se envolve se faz bem sucedido: ela tem uma competência que só demonstra quem é imbuído da mais cristalina boa fé, aquela que faz com que alguém realmente queira, com todas as forças, fazer o melhor. Não, não é só isso. Ela tem a competência ditada pela boa fé de alguém que percebe a importância do que faz e que entende o quadro todo, entende a repercussão de seus mínimos atos no resultado final e que sabe que esse resultado final é o bem estar de outros; é porque ela mostra por atos e palavras que suas prioridades são adequadas, sendo que a família está no topo da
lista e, assim, ela está constantemente disposta a sacrificar seu bem estar, seus interesses mais egoístas; é porque nisso tudo, e no resto, está a justiça, está a fidelidade, está a coragem, estão a prudência, a generosidade e, sobretudo, o amor; é porque, enfim, sei - aquele tipo de conhecimento que resiste a qualquer protesto contrário, que está enraizado no âmago do ser e de lá não sai por nada – sei que o
mundo precisa muito mais de pessoas como ela do que de pessoas como eu.

Na verdade, mostrei esse texto para ela e ela pediu para fazer uma retificação aqui. Ela disse que são pessoas como ela e como eu juntas que fazem a diferença. Gentileza também é uma virtude.

Às vezes, pensando nisso tudo, eu só pergunto a Deus por que esse negócio de aprender virtudes não podia ser mais rápido...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O certo e o errado

Muita gente boa acreditava, como hoje também, que Deus é do tipo “fiscal de comportamento”, sorrindo quando alguém agia certo independentemente de seus motivos para isso, e que franze o cenho e se ira quando alguém age errado. Para merecer o sorriso divino, basta agir do jeito certo, falar as palavras mágicas, vestir a roupa certa e ouvir a música certa. Aquelas pessoas, como tantas hoje, não conseguiam entender o sentimento que Deus tem quando alguém que estava longe dEle volta para Ele e não conseguiam entender por que razão Ele dedicava tanta atenção aos que estavam longe.

Para tentar explicar como as coisas realmente são, Jesus contou a história de um pai de dois filhos para quem o caçula chega e faz um pedido inopinado: pai, adianta a minha parte na herança que eu quero sair por aí e curtir a vida. No antigo Oriente, esse pedido equivalia a dizer: pai, eu preferia que você já estivesse morto. Mas o pai atende mesmo assim, respeita a liberdade de escolha do seu filho, vende algumas propriedades, ajunta o dinheiro e lá se vai o seu caçula, conhecer as delícias do mundo.

Você conhece a história e eu preciso resumi-la para caber nesses poucos parágrafos: ele gasta toda sua fortuna e de repente se vê numa situação de penúria, cuidando de porcos e tentando comer um pouco da ração deles, uma coisa abominável para um judeu, para quem o porco é um animal imundo. Ele então volta, disposto a mendigar um lugar de empregado na casa do pai. O pai estava fazendo aquilo que fazia todos os dias desde que o filho partira: estava espreitando a estrada, na esperança de ver o filho querido voltar. Quanto tempo gasto nessa expectativa! Então acontece o segundo fato estranho para aquela sociedade patriarcal do antigo Oriente: o pai corre ao encontro do filho. Senhores de vastos domínios, como parece ser o caso do pai, nunca correm. Mas esse correu. Para abraçar o filho, colocar nele seu anel e ordenar uma festa.

Então entra na história o filho mais velho. Quando ele ouve os sons de festa na casa, chegando de um dia cansativo de trabalhar na propriedade do pai (a atitude certa, a roupa certa, a música certa) e é informado da razão de tanto barulho, ele se revolta. Aquilo simplesmente não era justo. Aquele seu irmão já tinha tido a recompensa pelas suas escolhas, tinha gasto parte da propriedade do pai provavelmente em prostitutas, não era justo que agora tivesse uma festa; ao passo que ele havia ficado ali e trabalhado tanto e tão duro (a atitude certa, as palavras mágicas...), sem nunca ter recebido festa nenhuma. Ele decide não entrar na casa. O pai vem e explica pra ele que não dá para fazer cara de paisagem quando um filho perdido, dado como morto, reaparece, renasce. E insiste comseu primogênito para entrar.

Nessa história, a casa do pai é o símbolo do lugar onde nada falta. Onde a fome não grassa, onde há de tudo o que precisamos. Aquele filho mais velho não havia sentido fome. Ele estava ali o tempo todo. Mas tinha um problema: ele se achava merecedor do lugar que ocupava naquela casa. Ele cometeu o erro terrível de achar que ficar na casa e comer do pão do pai tinha que ver com merecimento. Com agir do jeito certo, estar no lugar correto, falar as palavras certas.

A grande tragédia da história do filho pródigo é que, enquanto o filho que se humilhou e arrependeu a termina com o anel do pai no dedo e experimentando as delícias de uma festa inverossímil e muito além do que ele esperaria encontrar, o filho que age certo fica longe da casa do pai. Ele se nega a entrar. Seu sendo de justiça o afasta do lugar onde nada falta para todos a quem o pai ama.

Ficar na casa pelos motivos errados significa acabar a história fora dela. Querer merecer seu lugar ali é inútil. A atitude certa, a palavra certa, a roupa e a música certas, são aquelas que aprendemos imitando o pai ao contemplar, com olhos repletos de gratidão pelo pão de cada dia que Ele dá em sua mesa, como Ele age.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mickey

Meu primogênito estava com dois anos e achamos que era hora de consultá-lo sobre o que gostaria de ganhar de natal. Quando perguntado, portanto, o que gostaria de ganhar do papai noel, ele, sem pensar muito, respondeu: “uma malinha do Mickey”. Coçamos a cabeça, confusos. Nem sabíamos que ele conhecia o Mickey e não fazíamos ideia de onde ele tinha visto a tal “malinha”.

Nos próximos dias repetimos a pergunta várias vezes para ver se era isso mesmo que ele queria e a resposta foi sempre a mesma. Começou então um grande movimento de caça a uma malinha do Mickey que envolveu avós e tias e durou longas semanas até que uma tia finalmente achou uma mochila do Mickey e garantiu o natal feliz do Dudu.

Na véspera do Natal, armou-se a maior expectativa para ver a reação dele ao ganhar o tão ansiado presente. Filmamos tudo. é nitida a frustração. Dudu olhou para a mochila recém saída do pacote com ar blasé, de um sorrisinho e voltou as atenções ao caminhão de plástico que tinha ganho da avó.

O mistério da malinha do Mickey nos acompanhou por um longo tempo, até que minha esposa matou a charada. Ela lembrou que em uma visita a um shopping onde havia precocemente um papai noel recebendo a criançada, o Dudu havia ganho dele uma balinha do Mickey. Quando perguntado o que ele ganharia do papai noel, a resposta óbvia para ele foi aquilo que ele já havia ganho dele. O que mais se poderia esperar? E ele não tinha culpa se não entendíamos balinha na sua língua enrolada...

A tragédia é que estávamos prontos para dar brinquedos sofisticados mas, por achar que o Papai Noel só podia dar mais do mesmo, ele ganhou uma malinha. Já era melhor que uma balinha, claro, mas nada se comparado ao que queríamos que ele pedisse.

Quando Samuel foi ungir o futuro rei de Israel, espantou-se de que Deus não havia escolhido nenhum dos filhos mais velhos de Jessé, que eram altos, fortes e bonitos. Deus havia escolhido Saul anteriormente, que era exatamente isso: alto, forte e bonito, então, essa era a ideia de rei que Samuel fazia. Mas Deus é ilimitado, tem recursos ilimitados e não precisa agir do mesmo jeito que agiu anteriormente. Enquanto Samuel esperava outro Saul, Deus gestava nada menos que um Davi.

É preciso humildade para reconhecer que não fazemos ideia do que Deus está planejando a nosso respeito. Precisamos reconhecer que pode ser algo radicalmente diferente daquilo que já recebemos dEle. Precisamos não esperar nada em especial para nos surpreender e maravilhar ao ver o que Ele fará.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Imitação barata

O que você ganha mergulhando no reino de Deus? O que acontece já agora se você o faz, e não apenas em termos de Céu e eternidade - aquela coisa que a gente estupidamente acha que está muito longe? Eu abro minha Bíblia e leio. Vejo o que houve na vida de outros, que deram esse salto. Vejo o que aconteceu na chamada igreja primitiva: todos comiam juntos, vendiam as suas propriedades e repartiam o fruto da venda entre todos, para que ninguém tivesse necessidades, e viviam todos como irmãos e irmãs. Vejo o que aconteceu com Paulo, que tinha paz em meio às maiores provações. Noto que o padrão moral dessas pessoas elevou-se enormemente.

Vamos ficar só com esses três pontos, por questão de espaço: vida em comunidade de amor, paz na tempestade, moral elevada. Sem dúvida alguma são consequências diretas da entrega a Cristo, a primeira e a última delas em circunscrição coletiva e a outra individual.

Bem, embora todos nós possamos resistir à ideia de dividir o que temos com quem quer que seja, no fundo o grande anseio do ser humano é por integrar uma comunidade amorosa, sem desigualdades, em que as nossas necessidades são notadas e mitigadas pelos outros. Somos seres gregários, animais sociais, e nossas maiores dores e traumas advém da solidão ou de desajustes sociais. Quanto à paz e ao padrão moral, acho que não preciso argumentar muito para que você os reconheça como boas coisas.

Bem, mas o ser humano não quer simplesmente entrar no reino de Deus. O tipo de paz, o tipo de comunidade e o tipo de moral que ganhamos com Ele parecem intuitivamente desagradáveis ao homem natural, regido por sua natureza caída. Mas continuamos ansiando por uma comunidade, por paz e por algum tipo de moral.

Engraçadas, senão ridículas, as nossas tentativas de alcançar essas coisas por outras vias quaisquer. O comunismo foi uma tentativa frustrada de reproduzir a comunidade igualitária da igreja primitiva. Como bem observou Orwell na Revolução dos Bichos, o líder da comunidade não consegue resistir a, na prática, fazer com que alguns animais sejam mais iguais que os outros. O resultado é tirania, supressão da liberdade, culto à personalidade do líder, invenção de inimigos para manutenção da obediência pelo medo e, claro, degredos e morticínio.

As drogas, a comida, o sexo e o dinheiro são tentativas de substitutos à paz. E, para completar o quadro, a ética é uma risível tentativa da reprodução da moral sem a necessidade do reconhecimento da existência de um Deus, um valor absoluto de onde decorre o padrão de comportamento a ser perseguido.

Estamos o tempo todo tentando imitar a Deus, tentando reproduzir de alguma forma as coisas que só achamos nEle. Mas estamos no século XXI, com uma História de 60 séculos para trás a nos ensinar de modo que não podemos mais nos enganar: cada tentativa dessas é fracassada. O comunismo fracassou, os arremedos de paz são fugazes, a ética deságua nisso que estamos acompanhando na campanha eleitoral.

“Eu sou o Caminho” (João 14:6), diz Jesus Cristo e aí não há espaço para nenhum caminho alternativo. “Esse é o caminho, andai por Ele” (Isaías 30:21).

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Quanto custa o resgate?

Em O Resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg, vários soldados são sacrificados para salvar o Ryan do título, que era o último de quatro irmãos vivo. As últimas palavras do líder do grupo de resgate para Ryan são: “faça valer a pena”. Vemos um Ryan já velho, ante o túmulo de seu salvador, perguntando ansioso a seus familiares se ele teve uma vida digna.

Esta semana assistimos, extasiados, à emersão fantástica e algo miraculosa dos 33 mineiros soterrados no Chile. A façanha para tirá-los daquela situação desesperadora foi épica, e, por mais que uma vida não tenha preço, aposto como você também se pegou questionando quanto dinheiro foi empregado para salvar aquelas vidas. Fala-se em mais de 22 milhões de dólares. Bem, e aí talvez você tenha se flagrado matutando em quantas vidas há que não poderiam ser salvas com muito menos e não são? Quanto custa algum alimento diário para as milhares de pessoas que morrem de fome todos os dias?

O preço é uma coisa importante. Coloca em perspectiva a aplicação que se faz da vida do resgatado. Como o soldado Ryan é instado a viver uma vida digna do custoso sacrifício em seu favor, como deveriam aqueles mineiros pensar em viver agora?

Bem, nós temos alguma dificuldade para enxergar que estamos em uma situação tão desesperadora quanto à dos mineiros chilenos. Nós também caímos em um buraco escuro e claustrofóbico sem saída alguma. Não há saída que nós possamos abrir, não há túnel que tenhamos condições de cavar. Contudo, temos alguns brinquedos, temos programas de TV bacanas, temos sonhos a respeito de uma casa maior ou de algum tipo de fama, por isso somos tentados a ignorar que necessitamos de uma sonda espetacular para nos salvar.

Jesus Cristo desceu muito mais fundo do que aquela sonda para resgatar você. Ele não exige um único centavo seu; a sua salvação é inteiramente gratuita para você. Mas não para Ele. Para Ele, ela custou tudo. No Chile, ninguém colocou a mão no próprio bolso, foi o governo federal quem custeou o regate, mas o muito mais espetacular resgate em seu favor custou o sangue de Quem veio em seu resgate. Ele precisou Se diminuir e Se deixar matar para ter sucesso na missão. Ele ocupou o seu lugar no buraco para que você pudesse pisar em Seus ombros e sair.

A cápsula que retira você do centro da Terra é a fé, a corda que o iça é a graça de Deus, e, agora que você vê a luz da salvação, como vai viver os dias que lhe restam?

Feliz sábado, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 15/10/10

Quanto custa o resgate?

Em O Resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg, vários soldados são sacrificados para salvar o Ryan do título, que era o último de quatro irmãos vivo. As últimas palavras do líder do grupo de resgate para Ryan são: “faça valer a pena”. Vemos um Ryan já velho, ante o túmulo de seu salvador, perguntando ansioso a seus familiares se ele teve uma vida digna.

Esta semana assistimos, extasiados, à emersão fantástica e algo miraculosa dos 33 mineiros soterrados no Chile. A façanha para tirá-los daquela situação desesperadora foi épica, e, por mais que uma vida não tenha preço, aposto como você também se pegou questionando quanto dinheiro foi empregado para salvar aquelas vidas. Fala-se em mais de 22 milhões de dólares. Bem, e aí talvez você tenha se flagrado matutando em quantas vidas há que não poderiam ser salvas com muito menos e não são? Quanto custa algum alimento diário para as milhares de pessoas que morrem de fome todos os dias?

O preço é uma coisa importante. Coloca em perspectiva a aplicação que se faz da vida do resgatado. Como o soldado Ryan é instado a viver uma vida digna do custoso sacrifício em seu favor, como deveriam aqueles mineiros pensar em viver agora?

Bem, nós temos alguma dificuldade para enxergar que estamos em uma situação tão desesperadora quanto à dos mineiros chilenos. Nós também caímos em um buraco escuro e claustrofóbico sem saída alguma. Não há saída que nós possamos abrir, não há túnel que tenhamos condições de cavar. Contudo, temos alguns brinquedos, temos programas de TV bacanas, temos sonhos a respeito de uma casa maior ou de algum tipo de fama, por isso somos tentados a ignorar que necessitamos de uma sonda espetacular para nos salvar.

Jesus Cristo desceu muito mais fundo do que aquela sonda para resgatar você. Ele não exige um único centavo seu; a sua salvação é inteiramente gratuita para você. Mas não para Ele. Para Ele, ela custou tudo. No Chile, ninguém colocou a mão no próprio bolso, foi o governo federal quem custeou o regate, mas o muito mais espetacular resgate em seu favor custou o sangue de Quem veio em seu resgate. Ele precisou Se diminuir e Se deixar matar para ter sucesso na missão. Ele ocupou o seu lugar no buraco para que você pudesse pisar em Seus ombros e sair.

A cápsula que retira você do centro da Terra é a fé, a corda que o iça é a graça de Deus, e, agora que você vê a luz da salvação, como vai viver os dias que lhe restam?

Feliz sábado, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 15/10/10

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O outro enredo

Eu sempre gostei de livros e filmes que mostram histórias paralelas que se cruzam no final ou que, sem seus protagonistas saberem, influenciam nos desenlaces umas das outras. Eles estimulam a reflexão no fato de que somos impactados por coisas que nem imaginamos, coisas que estavam em movimento muito antes de nos atingirem e, de igual maneira, nós também influenciamos pessoas e acontecimentos que nos seria impossível prever ou mesmo suspeitar.

Sábado passado, na classe de escola sabatina, discutíamos a existência de dois enredos paralelos no livro de Jó. Há uma história acontecendo na Terra e outra acontecendo no Céu. Para nós, os leitores, claramente uma influencia na outra. O enredo da Terra tem seu piparote inicial no Céu, na discussão de Deus com Satanás, e o final do enredo celeste depende de como as coisas se desenvolvem na Terra também. Satanás teria sido o vitorioso no repto que lançou a Deus caso Jó tivesse adotado outra atitude.

Talvez a conclusão mais relevante que se tira daí tenha a ver com o fato de que Jó começa e termina a história sem conhecer o enredo celeste. Ele não faz ideia da razão pela qual está sofrendo daquele jeito absurdo e mesmo quando Deus lhe aparece, no fim, não há qualquer indicação para ele do enredo celeste. Bem, podemos ter a certeza de que a nossa história também tem múltiplos enredos paralelos, sendo o mais relevante deles o que se desenrola no Céu. E, como Jó, não sabemos o que acontece lá.

Na classe de escola sabatina algumas pessoas manifestaram desconforto com isso. Uma mulher queria a todo custo entender porque Deus havia concedido o visto americano só para depois ele ser negado. Querer saber o porque não é problema. Jó também quis. Jó insistiu em entender a razão de tudo estar acontecendo e a Bíblia diz que ele não pecou contra Deus, logo, essa insistência em tentar entender não é um problema. Só que Jó não teve resposta. O problema haveria se ele deixasse de confiar no Deus que não respondia a suas perguntas, se ele “amaldiçoasse a Deus”, como sugeriu sua mulher.

Jesus diz que devemos nos humilhar e tornar como crianças para ver a Deus. Isso implica em que reconheçamos que a maior parte do conhecimento de tudo o que existe simplesmente não cabe em nós. Somos pequenos demais para saber. E, como pequenos demais, como crianças, o único jeito de andarmos em segurança num universo de desconhecimento é confiando em alguém maior e segurando em sua mão.

Alguma coisa está acontecendo lá em cima. Não vamos saber o que tão cedo, mas uma coisa podemos saber. Se passamos tempo com Deus, se nos familiarizamos com Ele, podemos saber que Ele fará com que tudo conspire para nossa felicidade final. Confie no Senhor e o resto Ele fará.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Para quem pensa estar em pé

Acreditamos estar vivendo momentos solenes da história deste mundo. Aquilo que Paulo chamou de “os fins dos séculos”. Ao dizer isso, ele afirma que há na história do povo hebreu libertado do Egito uma série de advertências específicas para nós (I Coríntios 10:1-13), mais especificamente cinco:

1. Não cobiçar as coisas más, como eles cobiçaram (v. 6). É claro. Aquilo que desejamos determina aquilo que somos. Não dá para ser bom desejando coisas más, ainda que chamemos as coisas más com outros nomes, mais brandos.

2. Não sejamos idólatras (v. 7), e ele explica isso assim: “o povo assentou-se a comer e a beber, e levantou-se para folgar”. Mas em que sentido comer, beber e folgar configuram idolatria? Ter um ídolo é ter algo venerado, algo que se fica contemplando longamente, algo que captura nossa afeição de maneira praticamente exclusiva. Comer, beber e folgar era uma consequência da idolatria, e não a idolatria em si, porque se aquilo que adoramos é menos do que Deus, nosso padrão moral é rebaixado automaticamente, e passamos a ter prioridades distorcidas; passamos a empregar nosso tempo e nossos recursos de forma irresponsável. A vida passa a ser só uma sucessão de banquetes e orgias, em maior ou menor grau.

3. Não cometamos imoralidade sexual (v. 8). Outra consequência de cobiçar coisas más e de colocar alguma outra coisa no lugar de Deus. Nossa sexualidade, dada ao homem como um maravilhoso presente pelo próprio Deus, acaba servindo como veículo de satisfação própria unicamente. No sexo segundo o padrão de Deus, o homem está a serviço da mulher e a mulher a serviço do homem. O sexo só é amplamente satisfatório para ambos quando ambos controlam certos impulsos egoístas. O sexo, portanto, é outra escola divina de serviço. Qualquer forma de imoralidade sexual desvirtua essa dinâmica e o que era uma benção se torna facilmente em maldição.

4. Não tentemos ao Senhor (v. 9). Abusar da paciência de Deus é outra advertência que nos é dada pela história do povo de Israel no deserto. Podemos contar com Sua misericórdia indefinidamente, mas um dia Ele vai ter que mudar de tática conosco. E isso pode doer. Deus apela ao nosso coração infinitas vezes e de infinitas formas. Negar consistentemente atender a esses apelos, como alguns hebreus fizeram, pode ser fatal.

5. Não murmuremos (v. 10). Há muitos cristãos que vivem resmungando sua sorte. Vi alguns cujo maior prazer é nos momentos em que podem se levantar na igreja e fazer pedidos de oração, quando desfiam um interminável rol de desgraças que recaiu sobre si. Bem, quem é grato não murmura. E temos razões de sobra para ser gratos, a começar por Jesus Cristo e Seu sacrifício na cruz. Estou acostumado a lidar com isso com meus filhos. Podemos ter tido um dia fantástico, com passeios, presentes, brincadeiras, mas eles são hábeis em achar razões para murmurar e reclamar, às vezes. Sei a indignação que isso me causa, portanto, posso imaginar qual é a de meu Deus quando faço o mesmo.

O texto termina assim: “aquele, pois, que pensa estar em pé, olhe não caia. Não vos sobreveio tentação senão humana; mas fiel é Deus, o qual não deixará que sejais tentados acima do que podeis resistir, antes, com a tentação dará também o meio de saída, para que a possais suportar” (VS. 12 e 13). Em suma, não há desculpa plausível para escorregar em qualquer desses pontos.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Deus amou o mundo. Não tente fazer o mesmo.

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho...” Deus amou o mundo. O mundo inteiro. Com suas imperfeições todas. Com sua multiplicidade interminável. Com seus africanos e seus escandinavos, seus orientais e seus caucasianos; com budistas e cristãos, satanistas, muçulmanos e espíritas; com altos e baixos, ricos e pobres, cultos e incultos. Deus amou o mundo todo. E, embora Ele tenha vivido entre nós e solicitado que O imitássemos em tudo, nesse quesito específico Ele pediu uma outra coisa. Ele não quer que amemos o mundo. Ele quer que amemos o próximo.

Nós temos abusado da palavra amor. Você diz para alguém que o ama, e dez minutos depois diz que ama cocada ou um par de sapatos. Quando Deus diz que amou o mundo Ele está empregando o primeiro sentido da palavra, ou provavelmente bem mais que isso, porque mesmo para pessoas usamos a palavra amor de forma trivial. O amor de Deus não é trivial. É do tipo que renega a tudo o mais em nome do objeto amado. É do tipo que se diminui, se deixa torturar, cuspir, ridicularizar, xingar e matar.

Portanto, o amor segundo Deus não é algo que se possa reduzir a um mero sentimento. O amor segundo Deus não pode ser “platônico”. O amor segundo Deus não é algo abstrato, que pode ser encapsulado na subjetividade do amante, sem reflexo em suas ações, suas prioridades, sua atitude.

Acho que é exatamente por isso que Ele não nos pede para amar o mundo. Ele sabe que isso nos é impossível. Não conseguimos exercitar amor pelo mundo todo, porque somos finitos, somos limitados em tempo e em espaço. Só Deus pode amar o mundo.

O que uma criatura finita que foi muito amada pode, sim, fazer, é amar o próximo. Na verdade, é o que ele deve fazer, é a resposta lógica ao amor recebido. Perguntaram a Jesus quem era o próximo e sua resposta, através da parábola do bom samaritano, foi a mais trivial possível. Próximo, é a conclusão, é quem está próximo. É quem está perto de você. Quem quer que seja. Próximo é qualquer pessoa a quem você possa demonstrar amor. É qualquer pessoa que pode ser atingida pela exteriorização de algo que está dentro de você. É toda pessoa a quem você possa tocar, que possa ser impactada pelo seu sorriso, pela sua atenção. É qualquer pessoa a quem a sua preocupação e sua ação possa beneficiar de fato.

Olhe ao seu redor e imite a Deus.

Feliz sábado, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 24/09/10

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Um plano

Se você tivesse que eleger a porção de sua vida que, se melhorada, mais impacto teria sobre as outras todas, qual seria? Praticar uma atividade física, ter tempo para ler, estudar mais, ter mais amigos, estabilidade afetiva, relação com pais ou filhos...? Para a grande maioria dos habitantes deste mundo – eu incluído -, contudo, arrisco dizer que a melhor resposta seria oração.

Nós, que cremos, temos, em geral, uma relação ambígua com a oração. Sabemos que é um elemento importante, mas não nos preocupamos em efetivamente melhorá-lo. Se quisermos um abdômen definido, precisamos fazer abdominais e, se quisermos passar em um concurso, precisamos rachar em cima dos livros, mas não nos aplicamos em de fato melhorar nossa vida de oração. Não temos um plano para isso.


Alguns são criados com o costume de orar antes das refeições e antes de dormir, além das orações coletivas nos cultos da igreja, mas a qualidade de todos esses momentos é pífia. São formalidades, atitudes automáticas, palavras repetidas em fórmulas vazias. Essa dinâmica só é quebrada em momentos especiais, pequenas exceções à regra insípida do mero formalismo.


Paulo sugere que coloquemos o tema na ordem do dia. "Orai sem cessar”, diz ele (1Ts 5:17), "com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos" (Ef 6:18). Ele nos desafia a lutar para inverter a lógica da oração como exceção. Orai sem cessar. E, para isso, diz que devemos vigiar e perseverar, porque não há nada que Satanás odeie mais do que pessoas que oram, portanto, vai fazer de tudo para atrapalhar; vai roubar nosso tempo, nos distrair, nos encher de sono, nos fazer sentir que não há ninguém ouvindo ali do outro lado, nos fazer sentir indignos de falar com Deus. Vigiar implica em estar alerta, em começar orando para que Deus o ajude a orar. Perseverar implica em não ter medo de tornar aos mesmos temas repetidas vezes, não desanimar se o horário separado para a oração simplesmente parece não funcionar.


Você pode aspirar a muita coisa na vida, mas pouca coisa é digna disso, amigo. E ter uma vida de oração é uma dessas coisas. Sonhe com isso. Acalente isso. E então, levante-se para buscá-lo. Comece separando um lugar e um horário. No trânsito, quando o semáforo fecha? Ao acordar? Na caminhada para o trabalho? Encontre seu espaço. Não deixe que nada seja mais importante do que isso. Estabeleça seu
momento de oração como prioridade absoluta. Ore a Deus que o ajude a não ter a mente arrebatada por qualquer coisa no caminho. Eleja de antemão sobre o que o sobre quem orará. Pense nas diversas nuances e implicações desse pedido e as nomine todas quando estiver orando. Não se preocupe se no começo sua oração for muito curta, persevere.


Desse momento, tornado hábito, fluirá uma nova relação com Deus. Você se pegará orando fora desse horário também. Você se surpreenderá orando sem cessar. Você se reconhecerá numa relação de intimidade impensável com o Criador. E toda sua vida será impactada por essa relação.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ao seu redor

Em São Paulo, um automóvel com dois adultos e um bebê de 20 dias é abordado por assaltantes; o motorista tem uma reação automática de tentar fugir e é baleado. Tenta dirigir mesmo ferido e acaba capotando o veículo. O bebê é arremessado para fora do carro a uma distância de 20 metros. O roteiro é bem conhecido, ouvimos falar dele repetidamente nos noticiários, mas o desfecho desta história específica foi
diferente: o bebê não sofreu um único arranhão e mesmo o motorista baleado passa bem.

Enquanto isso, 33 mineiros estão soterrados no Chile. Eles foram informados de que os trabalhos de resgate deles vão durar nada menos que 4 meses. Meses, não dias. Meses. Acabo de ver no telejornal imagens que eles próprios gravaram utilizando o sistema de filmagem no escuro da câmera. Estão barbados, sem camisa, com aspecto de fraqueza, mas sem demonstrar desespero. Uns jogam dominó, outros mandam mensagens para a família e então todos se reúnem e cantam o hino nacional.

Às vezes o enorme mistério disso que chamamos vida nos atropela. Tente se colocar na pele dos pais daquele bebê ou de um daqueles mineiros ou da esposa de um deles. Tente se imaginar numa dessas situações em que você é levado a questionar porque as coisas acontecem do jeito que acontecem, a questionar se existe um Deus ou então a ser forçado a reconhecer isso como fato, a pensar qual é o sentido disso tudo, a
ficar engasgado e sem palavras, impressionado, abalado, eufórico ou desesperado. Por outras palavras, tente recuperar alguns desses momentos que com certeza você já teve.

Sabemos que Deus chora conosco quando algo ruim nos acontece (na verdade, Ele começa a chorar antes, muito antes de nos acontecer). Sabemos que Ele nos envia toda sorte de benção, algumas que nós sequer conseguimos reconhecer. E o fato é: não precisamos estar cientes disso para que Deus seja Deus. Ou, por outras palavras: não precisamos ser cristãos para estar imersos na realidade em que Deus habita, Se move e age.

Em Atos 14 vemos Paulo chegando a Listra e curando um paralítico. Os religiosos da cidade ficam pasmos e resolvem oferecer sacrifícios a Paulo e Barnabé achando que são deuses. Para demovê-los, Paulo diz que eles não passam de homens, homens que servem a Deus. Ora, eles nunca haviam ouvido falar de Deus, então Paulo diz que está se referindo ao Deus criador de tudo, “o qual nos tempos passados permitiu que todas
as nações andassem nos seus próprios caminhos. Contudo não deixou de dar testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos chuvas do céu e estações frutíferas, enchendo-vos de mantimento, e de alegria os vossos corações” (Atos 14:16 e17).

Comentando esse texto, Rob Bell escreve: “Paulo essencialmente pergunta a sua audiência: vocês tem comida suficiente? De quem vocês acham que ela vem?

Tem chovido sobre suas plantações de modo que elas frutifiquem? Quem vocês acham que fez isso?

Vocês já riram? Quem vocês acham que tornou isso possível?”

Não se trata, portanto, de levar Deus a quem não O conhece, mas de apontar-lhes aquilo que já está lá e eles não vêem.

Você pode pensar em mil esquemas para incrementar sua vida espiritual e ter alguns momentos com Deus por dia, mas do que você precisa desesperadamente é simplesmente abrir os olhos. Deus está contigo o dia inteiro. E, quando você abrir os olhos, aponte para as pessoas que lhe rodeiam aquilo que (ou melhor, Quem) está lá, ao redor delas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O mistério

“O círculo não fecha”. A frase é repetida algumas vezes ao longo do filme Antes da Chuva, que narra três histórias de intolerância racial que se interligam, embora duas aconteçam na Macedônia e uma em Londres. A última delas é, na verdade, a primeira, se colocada em ordem cronológica, e o estopim do que se passa nas outras duas. Difícil não terminar de assistir ao filme sem ficar ruminando a história, tentando encaixar as peças, montando o engenhoso quebra cabeça. E, quando fazemos isso, notamos que, de fato, o círculo não fecha. Há uma incongruência na narrativa, eventos que só podem acontecer depois, mostrados antes.

Aquele círculo imperfeito incomoda. Não estamos afeitos a histórias que chegam ao fim inspirando mais perguntas que respostas. Gostamos de saber, no final das duas horas de filme, que o protagonista esteve morto o tempo todo, que a mulher na verdade era homem, que o assassino era o velhinho simpático. Mistério é uma coisa que se resolve. Se não resolve, ficamos realmente desconfortáveis.

Bem, ao longo dos últimos dois milênios a fé cristã foi apresentada como um “mistério”. Um mistério povoado de mistérios menores. Temos a encarnação, temos a trindade, temos o nascimento virginal, temos o amor divino, por exemplo. Acontece que passamos bem mais que duas horas considerando cada um deles ou todos eles em conjunto - em alguns casos passa-se a vida toda nesse trabalho - e o mistério não se resolve. A cortina não é desvelada, a máscara não é tirada. Por vezes temos a sensação muito forte de que começamos a entender o enigma, começamos a enxergar o que está por trás do véu, mas o alcance nunca é global, as respostas nunca são tão definitivas como um final de filme.

Jó quis saber o que estava por trás dos atos de Deus e só obteve perguntas em resposta. Moisés quis saber como deveria descrever a Deus para as outras pessoas e a resposta foi: diga que Eu Sou te enviou. Eu Sou. Ou seja, não tente encapsular em palavras humanas minha essência, simplesmente não cabe. Aceite o mistério.

Para uma humanidade arrogante, orgulhosa de tudo o que já descobriu sobre o Universo que a contém, é duro admitir que há coisas inalcançáveis. Mas há. Esta é a realidade. Ou seja, a realidade não é o que está por trás do mistério: a realidade é o mistério. E o ápice do mistério é isto: aceitar o mistério, aceitar devassá-lo apenas centímetro a centímetro, mergulhar nele sem pressa de chegar “ao que está por trás dele”, é uma fonte de alegria. Há paz e felicidade nessa ignorância. Eu não preciso saber quais são os ingredientes e a receita exata do chocolate para sentir prazer ao comê-lo. Eu não preciso virar o ilógico amor de Deus do avesso para sentir alegria nele.

Às vezes não adianta buscar palavras. Às vezes só adianta viver. E o mistério veio para que tivéssemos vida.

Feliz sábado, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 20/08/10

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Keep walking

Em menos de um mês completo 37 aninhos. Analisando o fato desapaixonadamente e considerando a expectativa média de vida em meu país, isso indicaria que eu já passei da metade de meu percurso nessa Terra ou estou bem perto dela. Como quer que seja, fato é que eu já sou grandinho, mas “ser grandinho” é radicalmente diferente da forma como eu imaginava que seria quando eu ainda não era.

Dizem que há uma crise na aproximação dos 40. É o período em que geralmente os cabelos brancos se multiplicam, a calvície se impõe sobre qualquer forma de penteado que você tente, você já está exercendo sua profissão há algum tempo e já está casado com a mesma mulher também há algum tempo. Possivelmente por isso seja normal eu me espantar em me ver, aos 37, de forma tão diversa da que eu imaginava há quinze anos. É que eu imaginava que a essa altura do campeonato eu teria alcançado a glória profissional, estaria completamente estável e viveria num tranquilo navegar, sem grandes dúvidas, sem grandes encruzilhadas.

Há quinze anos ou mais eu ainda tinha que escolher que profissão exercer e com quem casar, e me angustiava com as muitas opções perguntando a Deus por que razão Ele não me revelava logo como seria meu futuro para eu poder me preparar adequadamente para ele e para não ter que escolher às cegas, como parecia que eu estava fazendo. Eu olhava, então, para os quase quarenta como uma fase da vida sem esse monte de dúvidas e angústias, eu olhava com inveja para os anos que agora vivo.

Mas a realidade é que continuo cheio de dúvidas. Não existe um só santo dia em que eu não me questione se estou empregando meus esforços e meu tempo em algo que realmente seja digno disso. A possibilidade de mudar radicalmente de profissão ainda existe. Meu irmão mais velho, por exemplo, num salto de fé e coragem que eu admiro, acaba de reduzir seus atendimentos no consultório odontológico para estudar medicina. Enfim, a vida ainda me reserva encruzilhadas, decisões a tomar, o tempo todo.

Quando mais jovem e petulante, eu desconfiava seriamente dos que diziam que há certas coisas que só aprendemos com a idade. Bem, a humildade é outra dádiva dos meus quase quarenta. Só agora eu reconheço que Jesus não está preocupado com essas decisões “para a vida toda”. Ele não nos aponta um caminho quilométrico, apenas diz: “vem, segue-me”. Ou seja, Ele apenas aponta o lugar onde devemos colocar o pé no próximo passo. Não existe um momento em que podemos colocar nosso carro no ponto morto e dormir. “Levantai-vos, e ide-vos, pois este não é lugar de descanso” (Miqueias 2:10). Ainda não chegamos no lugar onde podemos simplesmente relaxar. Teremos decisões a tomar a cada dia, a cada hora.

Angustiante? Não, não, longe disso. Ser confrontado com tantas decisões não me angustia mais. Primeiro, porque tenho um caminhão de gratidão pela forma como Ele até aqui me guiou. Em segundo, porque não há angústia quando temos um Guia confiável a Quem seguir. Tudo o que temos a fazer é não perdê-lO de vista. Aos quarenta, como aos 10 ou aos 20 ou aos 80, tudo o que precisamos fazer é aprender a confiar. E continuar andando.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A noite escura da alma

A noite escura da alma

Abriram uma igreja nova na cidade. Ela tem liturgia e formato diferentes. As pessoas se vestem diferente, as pregações têm recursos audiovisuais, a música é mais moderna e o ambiente não se parece com uma igreja. Mais que tudo, o conteúdo das mensagens é profundo e fala das ansiedades típicas da classe média dos grandes centros urbanos do século XXI. Uma multidão deixou as igrejas tradicionais para começar a congregar na nova igreja, embora a ideia primordial dela fosse alcançar pessoas que ainda não eram cristãs.

Mas a primeira onda passou e muitos dos que acorreram à nova igreja acabaram se desencantando por alguma razão. Com o tempo o pastor passou a apresentar defeitos, houve cotoveladas, problemas de relacionamento... Aparentemente, a igreja nova que abriu na cidade não era a solução para o seu problema, como a princípio haviam acreditado.

Bem, e que problema seria esse? Não há uma resposta única, claro. Entre eles havia os que estavam atrás de um lugar mais descolado, sem tanta formalidade; havia também os que tinham padrões morais mais relaxados e que achavam que lá poderiam ter os aspectos positivos da igreja sem precisar arcar com os negativos: o julgamento, a ênfase nos aspectos mais sacrificados da religião como a lei de Deus, etc. ; havia também os que só queriam ver gente bonita e bem vestida para armar uma boa balada na sequência, claro, mas eu estou me referindo àquele grupo específico de pessoas que estava desanimado nas suas igrejas tradicionais, sem ver mais sentido em uma porção de rituais, sem achar graça nos sermões e demais conteúdos. Estou me referindo a um grupo de cristãos sinceros, que continuava buscando a Deus mas para quem parecia que sua vida espiritual entrara em um marasmo irreversível. Parecia natural para eles mudar de igreja atrás de um pastor que lhes acendesse a chama outra vez. Bem, depois de tudo, a decepção que experimentaram poderia ser fatal em sua fé (e de fato foi e tem sido na vida de alguns, porque não estou falando metaforicamente, essas coisas realmente tem acontecido).

Essas pessoas estão atravessando o que o frade carmelita São João da Cruz (que viveu no século XIV) chamou de “a noite escura da alma”. Apesar do nome sombrio, essa noite escura não deveria ser algo da qual fugir, mas algo que deveríamos ansiar. Esse estado em que, nas palavras de Richard Foster (em tradução livre), “o pregador é um chato. O hino que estão cantando é tão fraco. O serviço de cânticos é monótono”. Você se sente solitário, perdido, seco. Parece que você entrou num estado de torpor, de anestesia. Anestesia sim, porque está a ponto de passar por uma cirurgia.

A primeira coisa que você precisa saber é que é possível temer a Deus, obedecê-lO, procurá-lO e ainda assim estar em trevas. Aconteceu com muita gente boa antes de você. Isaías 50:10 o endossa: “Quem há entre vós que tema ao Senhor? ouça ele a voz do seu servo. Aquele que anda em trevas, e não tem luz, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus.”

A segunda coisa que você precisa saber é que Deus quer, de tempos em tempos, chacoalhar seus valores, tirar você da zona de conforto, subverter seu orgulho espiritual. Ao chegar a noite escura, é hora de confiar em Deus, firmar-se nEle, deixar que Ele opere em você e esperar para ver no que Ele está por transformá-lo. É hora de procurar tempos de solidão e silêncio, de esvaziar a mente e de buscar não novos e mais empolgantes estímulos, mas estímulo nenhum, porque essa é a avenida pela qual Deus caminha para efetuar a sutil revolução que Ele quer efetuar em você.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A oportunidade

Para nós, adventistas do sétimo dia, a adolescente Ellen Harmon, depois White, foi chamada por Deus para ser profetisa aos 17 anos. Isso significa que Deus tinha uma mensagem específica para aquele tempo e que Ele a confiou a Ellen. Ellen não apenas registrou as mensagens que recebeu em visões, mas também escreveu milhares e milhares de páginas em comentários riquíssimos sobre a Bíblia e sobre diversos outros assuntos.

Mas o que é o trunfo dos adventistas é também sua maior vidraça. Outros grupos cristãos têm acusado Ellen de uma porção de coisas: afirmam que suas visões seriam fruto de algum tipo de epilepsia provocada por um acidente ocorrido em sua infância e que ela cometeu plágio em seus livros, entre outras coisas, além de afirmar que a relação que os adventistas têm com ela é de uma veneração fora de propósito, como se ela fosse uma espécie de papisa do adventismo.

No meio desse conflito, nós, que acreditamos em seu dom profético, somos tentados a questionar o próprio Deus em Suas escolhas. Por que razão confiar um tesouro a um instrumento equívoco, passível de tanta polêmica?

A Bíblia registra eloquentes apelos a darmos ouvidos aos profetas, advertindo que “não havendo profecia o povo se corrompe” (Proverbios 29:18), mas também traz sonoras advertências para termos cuidado com os falsos profetas, que infestariam o mundo especialmente nesse tempo em que vivemos. Ela dá os elementos para julgarmos um profeta verdadeiro (basicamente: uma vida coerente com a mensagem que prega, uma pregação em harmonia com a Bíblia e, se fizer previsões para o futuro, que elas se cumpram), mas estaríamos mais confortáveis com setinhas celestes de neon sobre o dito cujo e anjos voando ao redor para termos certeza de que é mensagem divina, e não, por exemplo, epilepsia.

Bem, convém lembrar que algumas vezes houve mesmo setinhas e anjos. Moisés, por exemplo, quando levantava seu cajado poderia cair – ou cessar – uma praga sobre o Egito ou abrir o Mar Vermelho, mas os que viram essas coisas acontecerem, à sua primeira ausência, começaram a adorar um bezerro de ouro dizendo que ele, o bezerro, é quem havia feito tudo aquilo. Jesus também realizou uma série de milagres e você sabe o final da história.

Portanto, parece que todo nosso anseio por um instrumento inequívoco não é muito útil na prática. Provas sobrenaturais não garantem a recepção da mensagem que Deus está dando. Assim mesmo: por que razão Deus não confia Sua mensagem aos anjos ou a escreve em letras de fogo no céu?

Imagine que você está na sua igreja e que de repente se levanta alguém dizendo que tem uma mensagem divina para dar. Ora, isso já aconteceu muitas outras vezes. A Bíblia está recheada de relatos de pessoas que fizeram o mesmo, logo, o profeta na sua igreja goza do benefício da dúvida. Qual é a sua reação?

O que está acontecendo aqui é uma oportunidade fantástica. Você está sendo confrontado com o dilema: crer ou não crer? Para resolver esse dilema de forma consciente e para que você fique de consciência tranquila, só há um jeito: orar muito a respeito e estudar a Bíblia. Portanto, Deus está oferecendo a oportunidade de você chegar mais próximo dEle, e de exercitar fé, esse elemento magnífico “sem o qual é impossível agradar a Deus” (Hebreus 11:6). É por isso que ele levanta pessoas ordinárias, pessoas comuns e confere a elas mensagens incomuns. Porque essas mensagens só vão atingir o efeito transformador que Ele deseja nos corações daqueles que, confrontados com a dúvida, após orarem e pesquisarem suas Bíblias, decidirem crer.

Feliz sábado, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 30/07/10

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Não tenha medo

Para o pai chocado com a notícia da morte de sua filha amada, para o homem cujo chão havia acabado de sumir de sob seus pés, Jesus disse: “não temas, crê somente” (Marcos 5:36). “Não tenha medo”, aliás, é a frase mais repetida da Bíblia inteira. É como se o pai, sabendo que há escuridão, que a noite tem ruídos terríveis, ficasse repetindo para o filho que ele não precisava ter medo, porque o pai estava ali o tempo todo.

Por outro lado, um filho com medo mesmo ao lado do pai denota desconfiança no poder de proteção daquele pai. É como se a escuridão e os ruídos e os monstros imagináveis fossem maiores que o pai. Isso está errado. Se aquele filho andou nos braços do pai muitas vezes, se sentiu a força daqueles braços, se pasmou ante o tamanho aparentemente infindável dele, não deveria haver medo! O “não tenha medo” do pai deveria ser suficiente.

É claro que, sendo uma emoção instintiva, o medo é inevitável e é por ser inevitável que nosso Pai fala tantas vezes para não alimentá-lo. Em lugar de tremer ante o que está à sua frente, creia. Confie.

É claro que isso será impossível para quem não foi carregado pelo Pai. E por que não foi carregado pelo Pai? Porque Ele está distante e não liga para aquele filho? Como, se foi Ele quem convidou: “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.”( Mateus 11.28)? Ele está o tempo todo perguntando: você está cansado? Não quer que Eu lhe carregue? Não quer descansar aqui no meu peito?

Mas a gente quer fazer coisas. A gente quer dar um jeito na situação. A gente não quer descansar, isso parece roubar a meritocracia que é o que nos parece justo.

João colocou a coisa assim: “No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor.” (I João 4:18). Quem se sente amado não tem medo. Mas como sentir-se amado se a gente rejeita as muitas cartas de amor do Pai? Se a gente não as abre para ler e pensa que, quando ouve uma declaração de amor dEle, ela é direcionada a outra pessoa qualquer?

Crer, confiar, saber-se amado e parar de ter medo. Simples assim. Porque o Pai é forte e nos ama.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Aquilo que votei, pagarei

Dá para medir o quanto nossa geração está distante do ideal de vida traçado e vivido por Jesus Cristo ao olhar a forma como tratamos os compromissos que assumimos. A coisa que Ele mais odiava era hipocrisia, ou seja, o descompasso entre discurso e prática e nós vivemos no tempo em que o discurso pouco importa. Todo discurso é
politicamente correto, quase nenhuma atitude o é. Todo contrato tem suas válvulas de escape, nossas promessas só valem enquanto elas nos forem convenientes, nossos votos eternos são tão eternos quanto a atração física que os motivou...

Há uma ilustração dramática da forma como Deus encara compromissos na relação dos hebreus com os gibeonitas. Os primeiros haviam sido libertados por Deus, com Moisés como lider, do cativeiro no Egito e conduzidos durante 40 anos pelo deserto para então tomarem posse da terra de Canaã. Deus havia dado cerca de 400 anos de oportunidade para os povos que lá habitavam, seu prazo havia chegado ao fim, então a
ordem expressa aos hebreus era: eliminem esses povos, não façam alianças, não escravizem, não contemporizem com nenhum deles.

Bem, depois da vitória hebréia sobre Jericó e Ai, os gibeonitas armaram um estratagema ardiloso. Alguns deles vestiram roupas rasgadas, pegaram uns pães mofados e se aproximaram dos hebreus com cara de quem estava viajando há meses. Contaram uma ladainha sobre viverem numa terra muito, muito distante ("veja os pães que trouxemos da nossa terra, já estragaram, tão longa é a viagem...") e propuseram
uma aliança com os hebreus, que, contra as ordens divinas expressas, aceitaram.

Logo em seguida, os hebreus têm de guerrear contra um consórcio de povos cananitas para defender os gibeonitas, um povo que eles deveriam ter eliminado. Mas o que Deus achava dessa história? Bem, muitas décadas no futuro, quando Davi era o rei dos hebreus, uma grande fome, de três anos, assolou a terra. Através dos profetas ele foi informado: isso aconteceu porque o rei anterior, Saul, havia matado gibeonitas.
Ora, apesar da aliança com Gibeão ter sido contrária à ordem de Deus, o tipo de atitude que Ele esperava do Seu povo era a obediência estrita ao compromisso assumido.

Esse Deus não mudou. A aliança que Ele fez conosco é para valer, não tem cláusulas escondidas para livrá-lO de Suas obrigações e Ele continua esperando que nossos compromissos assumidos com Ele e com os outros sejam honrados sem atenuantes, condicionantes ou subterfúgios.