sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A qualquer momento

Você provavelmente tem um amigo que nunca falha. Alguém que sempre
cumpre seus compromissos, que não dá furos e que já deu mostras
indiscutíveis de que você é importante para ele. Imagine que ele marca
de encontrar você em um determinado lugar e você está lá esperando;
qual é seu estado de espírito? Você fica pensando se ele vem mesmo ou
a persepectiva da falha dele nem lhe passa pela cabeça?

Bem, para quem O conheceu, Jesus Cristo é exatamente assim. As
promessas que fez já se cumpriram todas, menos uma. O simples fato de
haver tomado nossa forma, de haver devotado uma vida inteira para nos
salvar e de Se ter deixado matar daquela forma ignominiosa já seriam
evidências óbvias de que somos o que há de mais importante para Ele,
mas, como se não bastasse, Ele prova seu amor a cada dia pelo jeito
que encaminha nossa vida. Estamos aqui, esperando o cumprimento de Sua
última promessa, aquela que Ele repete centenas de vezes em Sua
Palavra. Não há porque descrer, não há margem para desconfiança: Ele
vem. Ele vai voltar. Deus não deixará o atual estado de coisas, que
nos é amplamente desfavorável, persistir indefinidamente. Cristo está
voltando para completar o que começou.


Os sinais que Ele deu de Sua vinda têm se cumprido com incrível
precisão, mas parece que o sinal definitivo é o que Ele registra em
Mateus 24:14: “E este evangelho do Reino será pregado a toda língua,
tribo e povo, em testemunho a todos as gentes, então virá o fim”.
Muito bem, para que essa situação de morros tomados por traficantes,
balas perdidas, doenças incuráveis, doenças crônicas, doenças
congênitas, confusão moral, corrupção, desavenças, sonhos frustrados,
solidão, tragédias naturais, dor, morte e tudo o que Ele não planejou
nem quis para nós tenha fim, sabemos o que deve acontecer. O que? Uma
pregação. Do que? Do evangelho do reino, ou seja, da mensagem de que
Jesus resolveu nosso maior problema ao morrer em nosso lugar naquela
cruz. A quem? A toda tribo deste mundo. Para que? Para que venha o
fim.


Sabemos o “o quê”, sabemos o “do quê”, sabemos o “a quem” e o “para
que”, mas pode ser que estejamos desprezando outro elemento que esse
texto nos dá: o “como”. O evangelho do Reino é pregado ao mundo todo
não de qualquer jeito; ele é pregado em testemunho. Por outras
palavras, são testemunhas do evangelho que o pregam, ou melhor, que o
vivem perante toda nação, tribo, lingua e povo. Não adianta
terceirizar esse trabalho para os anjos, ou para os livros ou para a
Internet ou a televisão. A fim de que o mundo todo saiba que Jesus
Cristo é o caminho e a saída, é necessário que você e eu o vivamos.
Só assim a mensagem de que Ele está por chegar se reveste de
credibilidade irresistível.


Não se trata, portanto, de enumerar as razões porque sabemos que Ele
está voltando, mas fazer isso e viver uma vida condizente com o fato.
Então virá o fim.


Deus acelererá essa obra quando entender que chegou a hora: “Pois o
Senhor executará a sua palavra sobre a terra, consumando-a e
abreviando-a” (Romanos 9:28). “Eu, o Senhor, apressarei isso a seu
tempo” (Isaías 60:22). E, para tanto, vai contar com pessoas dispostas
a viver como quem tem certeza de que esse Amigo vai chegar a qualquer
momento.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O barato que sai caro

Arnaldo Baptista era um pequeno gênio musical. Excelente pianista, compunha e arranjava músicas com uma sofisticação que os entendidos até hoje comparam às de gênios bem mais renomados. Sua criatividade era tanta que grande parte dos brasileiros não a compreendia. Mesmo assim, sua banda, Os Mutantes, gozava de uma grande popularidade na virada dos anos 60 para os 70; era casado com Rita Lee e em plena ditadura militar tinha uma liberdade criativa e uma produção espetaculares. Até que o LSD entrou na parada.

Nisso, a história de Arnaldo Baptista não difere muito de outras tantas. O clima de revolução cultural vivido por sua geração era ditado e colorido pelas drogas, em especial o LSD. A impressão geral era de que o ácido abria as portas para um novo nível de compreensão, o despertar de uma nova consciência. Para Arnaldo muito nitidamente essa nova consciência foi o princípio de um longo e tenebroso declive. Rita Lee o deixou, sua musicalidade se tornou mais esquisita, sua alegria - grande marca de sua personalidade - desapareceu. Na sequência foi internado algumas vezes em hospitais psiquiátricos até que tentou suicídio atirando-se do 4º andar de um deles. Passou dois meses em coma, mas nunca se recuperou completamente. Passou quase duas décadas em um relativo ostracismo, embora tenha entrado em sua vida uma mulher devotada que praticamente salvou-lhe a vida.

Assistindo a um documentário sobre essa história toda, a questão que me ocorria sempre era: alguns instantes de uma sensação de liberdade intensa e de êxtase dos sentidos valem o preço que eles cobram? Para muita gente a resposta é sim. Evitar a experiência para ter os neurônios intactos seria o equivalente a deixar de viver. Viver, dizem eles, é isso. Andar no limite. Correr perigo.

Para os ex-companheiros de Mutantes ouvidos no documentário, contudo, o saldo é francamente negativo. Nota-se um certo receio de parecerem caretas ao falar do assunto, mas eles são praticamente unânimes em afirmar que eles eram melhores antes da droga do que durante; depois dela, então, nem se fale. O êxtase não valeu a pena. Viver, segundo o conceito que tinham então, não valeu a pena.

Bem, mas o que significa “viver” é uma das grandes questões da humanidade. Há dúzias, talvez centenas de ideias díspares sobre o que é isso. Eu, particularmente, gosto da ideia que meu Criador faz de vida. “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância”, disse Ele (João 10:10). E, na vida que Ele recomenda, não há muito lugar para êxtases e arrebatamentos dos sentidos. As pequenas alegrias (pequenas ao menos na comparação com alegria bombástica do barato da droga), entremeadas com as tristezas e preocupações do cotidiano, tudo isso emoldurado pela confiança em Deus e pela esperança que daí provém, essa é a ideia de vida que Ele recomenda. Vida abundante.

Você e eu não precisamos do despertar de uma nova consciência. Precisamos simplesmente aplicar essa que temos à realidade de Deus à nossa volta. Ou, como diz Paulo: Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional (Romanos 12:1).

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A mulher virtuosa

O filósofo André Comte-Sponville escreveu um interessante “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” defendendo que, mesmo neste mundo pós-moderno, ainda há espaço para a virtude. Mais que isso, é urgente enaltecê-la, porque ela tem um papel fundamental em nossa realização como seres humanos.

Seu primeiro capítulo enfoca a polidez - que é uma quase-virtude; ainda não é uma virtude, porque ela pode existir sem qualquer lastro no caráter da pessoa – e termina com o amor, que já não é mais uma simples virtude, é algo bem maior que isso. Entre uma e outro, ele discorre sobre virtudes como a justiça, a fidelidade, a prudência, a temperança e a coragem, entre outras.

Salomão, que teve cerca de mil mulheres, perguntou: “Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor muito excede o de finas jóias” (Provérbios 31:10). O velho e sábio rei tinha entendido que a qualidade é muito superior à quantidade. Também havia entendido que a qualidade é coisa rara, raríssima.

Não acredito que esteja distorcendo a ideia de Paulo ao afirmar que aquilo que ele diz sobre “procurar os melhores dons” (I Coríntios 12:31) vale também para virtudes, mesmo porque, logo após dizer isso ele introduz o belíssimo elogio do amor que está no capítulo 13.

Conhecer as virtudes deveria nos incitar o desejo de persegui-las até incorporá-las. E, como diz Comte-Sponville, “se a virtude pode ser ensinada, como creio, é mais pelo exemplo do que pelos livros”. A melhor forma de “perseguir as melhores virtudes” é vivendo perto de pessoas virtuosas e perto dAquele que é a origem e o fim de toda virtude, Aquele que enfeixa em Si a realização absoluta de todas elas, Deus.

Nesse sentido, sou realmente um felizardo. Conheço a Deus e, quando a coisa se torna muito teórica demais (como eu às vezes gosto, lamentavelmente), conheço também a minha esposa. Acho que uma resposta válida para a pergunta de Salomão (“...quem a achará?”) seja eu – meu nome.

Há mil razões para isso. É porque ela tem o dom de pacificar as relações das pessoas ao seu redor; é porque ela é rápida em perdoar – embora às vezes diga que não; é porque ela tem uma preocupação genuína pelas pessoas que cruzam seu caminho, tem uma empatia que eu invejo muito; é porque ela tem uma meia dúzia de “melhores amigas” sem hierarquia alguma entre elas e é capaz de ter dezenas de outros
amigos; é porque ela tem uma inteligência rara para relacionamentos, capaz de fazer com que perfeitos estranhos sintam-se como amigos de infância com ela em pouquíssimos instantes e que muita gente queira estar perto; é porque tudo em que ela se envolve se faz bem sucedido: ela tem uma competência que só demonstra quem é imbuído da mais cristalina boa fé, aquela que faz com que alguém realmente queira, com todas as forças, fazer o melhor. Não, não é só isso. Ela tem a competência ditada pela boa fé de alguém que percebe a importância do que faz e que entende o quadro todo, entende a repercussão de seus mínimos atos no resultado final e que sabe que esse resultado final é o bem estar de outros; é porque ela mostra por atos e palavras que suas prioridades são adequadas, sendo que a família está no topo da
lista e, assim, ela está constantemente disposta a sacrificar seu bem estar, seus interesses mais egoístas; é porque nisso tudo, e no resto, está a justiça, está a fidelidade, está a coragem, estão a prudência, a generosidade e, sobretudo, o amor; é porque, enfim, sei - aquele tipo de conhecimento que resiste a qualquer protesto contrário, que está enraizado no âmago do ser e de lá não sai por nada – sei que o
mundo precisa muito mais de pessoas como ela do que de pessoas como eu.

Na verdade, mostrei esse texto para ela e ela pediu para fazer uma retificação aqui. Ela disse que são pessoas como ela e como eu juntas que fazem a diferença. Gentileza também é uma virtude.

Às vezes, pensando nisso tudo, eu só pergunto a Deus por que esse negócio de aprender virtudes não podia ser mais rápido...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O certo e o errado

Muita gente boa acreditava, como hoje também, que Deus é do tipo “fiscal de comportamento”, sorrindo quando alguém agia certo independentemente de seus motivos para isso, e que franze o cenho e se ira quando alguém age errado. Para merecer o sorriso divino, basta agir do jeito certo, falar as palavras mágicas, vestir a roupa certa e ouvir a música certa. Aquelas pessoas, como tantas hoje, não conseguiam entender o sentimento que Deus tem quando alguém que estava longe dEle volta para Ele e não conseguiam entender por que razão Ele dedicava tanta atenção aos que estavam longe.

Para tentar explicar como as coisas realmente são, Jesus contou a história de um pai de dois filhos para quem o caçula chega e faz um pedido inopinado: pai, adianta a minha parte na herança que eu quero sair por aí e curtir a vida. No antigo Oriente, esse pedido equivalia a dizer: pai, eu preferia que você já estivesse morto. Mas o pai atende mesmo assim, respeita a liberdade de escolha do seu filho, vende algumas propriedades, ajunta o dinheiro e lá se vai o seu caçula, conhecer as delícias do mundo.

Você conhece a história e eu preciso resumi-la para caber nesses poucos parágrafos: ele gasta toda sua fortuna e de repente se vê numa situação de penúria, cuidando de porcos e tentando comer um pouco da ração deles, uma coisa abominável para um judeu, para quem o porco é um animal imundo. Ele então volta, disposto a mendigar um lugar de empregado na casa do pai. O pai estava fazendo aquilo que fazia todos os dias desde que o filho partira: estava espreitando a estrada, na esperança de ver o filho querido voltar. Quanto tempo gasto nessa expectativa! Então acontece o segundo fato estranho para aquela sociedade patriarcal do antigo Oriente: o pai corre ao encontro do filho. Senhores de vastos domínios, como parece ser o caso do pai, nunca correm. Mas esse correu. Para abraçar o filho, colocar nele seu anel e ordenar uma festa.

Então entra na história o filho mais velho. Quando ele ouve os sons de festa na casa, chegando de um dia cansativo de trabalhar na propriedade do pai (a atitude certa, a roupa certa, a música certa) e é informado da razão de tanto barulho, ele se revolta. Aquilo simplesmente não era justo. Aquele seu irmão já tinha tido a recompensa pelas suas escolhas, tinha gasto parte da propriedade do pai provavelmente em prostitutas, não era justo que agora tivesse uma festa; ao passo que ele havia ficado ali e trabalhado tanto e tão duro (a atitude certa, as palavras mágicas...), sem nunca ter recebido festa nenhuma. Ele decide não entrar na casa. O pai vem e explica pra ele que não dá para fazer cara de paisagem quando um filho perdido, dado como morto, reaparece, renasce. E insiste comseu primogênito para entrar.

Nessa história, a casa do pai é o símbolo do lugar onde nada falta. Onde a fome não grassa, onde há de tudo o que precisamos. Aquele filho mais velho não havia sentido fome. Ele estava ali o tempo todo. Mas tinha um problema: ele se achava merecedor do lugar que ocupava naquela casa. Ele cometeu o erro terrível de achar que ficar na casa e comer do pão do pai tinha que ver com merecimento. Com agir do jeito certo, estar no lugar correto, falar as palavras certas.

A grande tragédia da história do filho pródigo é que, enquanto o filho que se humilhou e arrependeu a termina com o anel do pai no dedo e experimentando as delícias de uma festa inverossímil e muito além do que ele esperaria encontrar, o filho que age certo fica longe da casa do pai. Ele se nega a entrar. Seu sendo de justiça o afasta do lugar onde nada falta para todos a quem o pai ama.

Ficar na casa pelos motivos errados significa acabar a história fora dela. Querer merecer seu lugar ali é inútil. A atitude certa, a palavra certa, a roupa e a música certas, são aquelas que aprendemos imitando o pai ao contemplar, com olhos repletos de gratidão pelo pão de cada dia que Ele dá em sua mesa, como Ele age.