terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Uma trama superior

Possivelmente a frase que eu mais escuto é: pai, quer brincar comigo? E graças a Deus às vezes a resposta pode ser sim. E aí sentamos os três, espalhamos os bonecos de heróis e do Star Wars no chão e começamos a montar nossos exércitos. Cada um escolhe dois de cada vez. Essa é a fase mais longa da brincadeira. Porque, uma vez montados os exércitos, a despeito de minhas tentativas para inocular alguma trama mais rebuscada na história (do tipo, este aqui é o rei do meu país. O filho mais velho dele é muito orgulhoso e ambicioso. O pai dele falou para não atacar ninguém do seu país, mas ele desobedeceu e aí...) a coisa sempre descamba pra pancadaria. Que, invariavelmente, termina com o Davi, de 6 anos, pegando um boneco dele e derrubando todos os meus de uma vez só.

Aí, por ser dezembro, e por dezembro ser propício a retrospectivas e balanços de todo gênero, eu olho para trás e vejo os exércitos inimigos que se levantaram contra mim. E lembro das orações por reforços que fiz. E noto que sou muito parecido com o Davi: gostaria que um boneco muito forte entrasse no ringue e amassasse todos os inimigos em poucos segundos e eu seguisse feliz e contente. Vitorioso na batalha.

Mas Deus... Deus é dado a tramas mais rebuscadas. Deus gosta de alguma complexidade no enredo. Surpresas. Inclusive daquelas que eu rotulo como desagradáveis. E as batalhas se fazem mais longas. E nem sempre eu tenho gosto de vitória na boca.

Quem pode reclamar do enredo do melhor escritor?

Se meu plano era seguir sossegado por haver vencido todos os inimigos, percebo que, na trama superior de meu Deus, a confiança decorre não das vitórias passadas, mas do simples fato de seguir batalhando.

Porque o livro de minha vida não há de ser um livro qualquer. Será uma obra prima.

Que em 2014 você confie no Escritor.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Quem fez tudo isso?

E 2013 acabou. O que resta dele são meros estertores, últimos suspiros de um moribundo. E, como ainda faltam algumas ceias, presentes, confraternizações e projetos por terminar, talvez você ainda não tenha respirado fundo e olhado para trás, para colocar 2013 numa lâmina de microscópio, numa balança, e se perguntar se o saldo é positivo ou negativo.

Haverá bençãos, decerto, quando o fizer. Haverá conquistas. Trocou de carro? Comprou a casa? Casou? Começou a namorar? Nasceu seu filho? Seu filho fez mais um aniversário? Teve forças para terminar aquele relacionamento que não era saudável? Venceu aquele hábito ruim? Foi promovido? Aumentou o salário? Sarou de uma doença? Viu o nascer do sol pelo menos uma vez? Comeu coisas maravilhosas? Passou horas magníficas com a família ou com amigos? Foi aprovado naquele concurso ou naquele emprego? Teve seu projeto aprovado? Publicou um livro? Realizou um sonho velho? Ou novo? Viajou? Voltou bem? Ouviu um elogio inesperado? Andou pelas ruas da cidade e não lhe aconteceu alguma tragédia? Aconteceu alguma tragédia e
conseguiu sair daquela situação? Teve problemas e conseguiu superá-los? Teve problemas e não conseguiu superá-los mas achou paz no meio dessa tormenta assim mesmo? Leu ótimos livros? Viu ótimos filmes? Amou? Foi amado?

"Mas vigiem para não esquecer do Senhor, o seu Deus, não cumprindo os seus mandamentos, as suas leis e os seus decretos, que hoje ordeno a vocês, para que não aconteça que, depois de terem comido e estarem satisfeitos, depois de terem construído belas casas para morar, e depois de multiplicarem o seu gado e os seus rebanhos e aumentarem a prata e o ouro, e todos os seus bens, o seu coração fique orgulhoso e venham a esquecer.(...) O Senhor agiu assim para que vocês nunca viessem a pensar: 'Conseguimos estas riquezas com a nossa própria força e capacidade'. Lembrem-se sempre do Senhor, o seu Deus, que dá a vocês a capacidade para enriquecer, confirmando a aliança que fez com os seus antepassados, conforme se vê hoje" (Deuteronômio 8:11-18).

Quando puder parar e olhar para trás e achar muitas, muitas bençãos espalhadas pelo caminho que fez, não esqueça de agradecer o Autor delas. Não coloque no final desse caminho de pérolas a lata de lixo do esquecimento. Não roube a glória que é dEle. 

E que, reconhecendo de onde essas coisas todas realmente vêm, tenha esperança para o que vem pela frente.

Feliz sábado, @migos! Foi uma grande honra tê-los comigo durante mais este ano. Que Deus os abençoe tão abundantemente e em tantas áreas distintas de sua vida quanto Ele mesmo está louco de vontade de o fazer.
Marco Aurelio Brasil, 20/12/13

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O Jesus da esquina

Agora pense nos encontros que Jesus teve e que marcaram a vida das pessoas com quem se encontrou. Zaqueu. Nicodemos. A samaritana. Maria. O cego Bartimeu. Os dez leprosos. O paralítico de Betesda. O jovem rico. Acrescente à lista quem mais você lembrar e depois responda: quantos desses encontros ocorreram na sinagoga?

E a contestação que daí decorre continua quando pensamos nos esforços de Paulo para pregar o evangelho. Esta semana topei mais uma vez com este parágrafo de John Stott: "Quando contrastamos muito do evangelismo contemporâneo com o de Paulo, a superficialidade atual vem imediatamente à tona. Nosso evangelismo tem a tendência de ser muito eclesiástico (convidar pessoas para ir à igreja), ao passo que Paulo também levava o evangelho ao mundo secular. Somos muito emocionais (apelos para uma decisão sem um fundamento adequado para a compreensão), ao passo que ele ensinava, arrazoava e tentava persuadir; e somos também muito superficiais (fazendo breves encontros e esperando resultados rápidos), ao passo que ele ficou em Corinto e Éfeso por cinco anos plantando fielmente a semente do evangelho e fazendo a colheita no tempo devido.” (Cristianismo Autêntico).


E o que mais me interessa hoje aqui é o primeiro ponto: queremos levar pessoas à igreja para que elas se encontrem com Jesus, mas Ele próprio não privilegiava esse local como ponto de encontro com ninguém.

Para além da dimensão individual que deveria ser impactada por essa constatação (“vou pedir que Deus me ajude a levar Cristo comigo por onde for, a começar pelo meu ambiente de trabalho, minha escola e minha vizinhança”), gostaria de apontar a dois exemplos atuais de iniciativas coletivas de levar Cristo para as esquinas onde as pessoas passam, dois exemplos curiosamente da mesma comunidade, a igreja adventista de Vila Olímpia.

Os jovens dessa igreja decidiram distribuir garrafas de água nos sábados à noite no bairro em que a igreja está e que é famoso por suas muitas casas noturnas. “Vai pra balada? Não esqueça de tomar muita água!” Simples assim. E, quando perguntados quem eles são, a resposta costuma ser: “pessoas preocupadas com o seu bem estar”. Cristãos dispostos a apontar o dedo e julgar já há bastante, gente disposta a oferecer água é que estava faltando.

Outra iniciativa deles: imagine quinze a vinte pessoas empunhando cartazes com os dizeres “quer desabafar?” em plena Avenida Paulista no final de uma sexta-feira. Ao final de suas duas a três horas oferecendo a oportunidade para qualquer um vir e desabafar, cada um desses jovens terá ouvido entre quinze e vinte pessoas.

Ambas as iniciativas têm atraído pessoas, gente querendo se juntar a eles, mas o propósito não é o de aumentar o número de membros da igreja. Afinal de contas, Jesus não curava ninguém com o propósito de aumentar o número de seus discípulos.

Algumas poucas pessoas têm encontrado Jesus Cristo nas esquinas de São Paulo e Ele não está pregando aos berros; está se importando com elas. As outras milhões de pessoas continuam esperando por mim e por você.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Contagem regressiva

Tem esse amigo meu, viciado em Candy Crush. Ok, não é amigo nenhum, sou eu mesmo, que uso meu tempo em salas de espera, antes de dormir e até enquanto o computador inicializa (acredite, dá pra jogar umas duas partidas) jogando o viciante joguinho no celular. Para quem não sabe - e é muito bom que continue sem saber na prática - Candy Crush é um joguinho meio tosco em que um tabuleiro com docinhos precisa ser rearranjado de forma a juntar três doces iguais liberando espaço para que outros venham. Deve haver alguma estratégia profunda requerida, mas eu confesso que vou deslizando o dedo sem muita reflexão, mais por instinto mesmo. 

Bem, o fato é que estou há algumas semanas numa fase especialmente enervante. Além de tudo o que preciso fazer, de quando em vez caem lá uns "doces-bomba", que você precisa eliminar em x jogadas. Se a contagem regressiva dele zera, ele explode e você perde. E é esquisito que, mesmo numa tela tão pequenininha, muitas vezes eu estou tão focado num canto dela que não percebo um desses doces-bomba lá do outro lado e ele zera e eu sou surpreendido com o término do jogo.

O que me leva ao poeta Mario Quintana. Foi ele quem disse: "minha morte nasceu quando eu nasci". Como se quando cada um de nós nasceu, tenha nascido junto um cronômetro em contagem regressiva apontando para o fato mais certo dessa vida de resto incerta. Não quero parecer determinista ou passar a impressão de que estamos "fadados a morrer" num dia e hora específico, mas é razoável esperar que o que aconteceu a (quase) 100% dos membros da minha espécie antes de mim venha a acontecer comigo também. Viver como se isso não fosse acontecer seria no mínimo leviano.

Na ficção científica In Time, traduzida para o português com o "inspirado" título O preço do amanhã, todos têm um cronômetro em contagem regressiva no pulso. Nós não temos. Como as bombas do canto esquecido da tela do Candy Crush, nosso cronômetro costuma zerar em um momento que não estamos esperando. No Candy Crush, se você perde cinco vidas, precisa esperar um tempo até poder jogar de novo, o que tem seu lado bom, mas que dá nos nervos. Ainda assim, "jogar de novo" é sempre uma possibilidade. No outro cronômetro não. Se ele zera, é game over. 

O que deveria me levar a valorizar de um jeito diferente cada minuto que passa. O que deveria me levar a valorizar de um jeito diferente a vida que tenho. O que deveria me levar a entender que com a vida não se brinca. Com a vida não se brinca.

Jesus disse que Deus O deu à humanidade para que aqueles que nEle cressem tivessem vida eterna. Disse que voltaria e que quando isso acontecesse, os que morreram crendo ressuscitariam e então não haveria mais qualquer cronômetro, não haveria mais qualquer contagem regressiva. A eternidade, que foi implantada por Ele em nosso código fonte, seria alcançada. Só temos esta vida para fazer o que precisa ser feito a fim de alcançar esse ideal. Só temos esta vida para aprender o que significa crer nEle. Por isso, com essa vida não se brinca.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Isso não me representa

A ascensão do pastor Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, no começo deste ano, com suas declarações consideradas homofóbicas e racistas, gerou um enorme bafafá. De repente, essa comissão, que não havia jamais recebido mais que duas linhas no noticiário, se tornou o epicentro do cosmos. Não se falava de outra coisa: celebridades, manifestações públicas e, claro, o bordão "Marco Feliciano não me representa" virando meme nas redes sociais.

Graças à polêmica, a expressão "não me representa" entrou no cotidiano das pessoas, passando rapidamente a ser aplicada a qualquer outra coisa. Páginas no Facebook foram criadas para detratar tudo o que "não nos representa". Os presidentes da Câmara e do Senado, técnicos de futebol, times de futebol, órgãos públicos e até o Eike Batista tiveram seus nomes acrescentados com o "não me representa" postados na rede ou em matérias jornalísticas. A expressão claramente rompeu os limites da questão da representatividade parlamentar para atingir qualquer coisa que nos cause aversão.

Identificar coisas e pessoas que "não nos representam" é relativamente fácil. Determinar se os princípios e valores que alguém prega e os princípios e valores que realmente regem suas ações são condizentes com os nossos é tarefa nem tão difícil assim. Se você é tolerante com a diversidade, alguém que não seja é facilmente identificado. Se você é honesto, alguém que desvia dinheiro público e chama qualquer oposição de perseguição política não despertará nenhuma identificação com você. Se você não joga um papel no chão, alguém que o faça
não o "representará". Podemos discutir então a validade de sair tascando etiquetas com o "isso não me representa" em tudo com o quê você discorda. Talvez tenha sua utilidade, para mostrar seu caráter, já que, para Goethe, "nada prova mais o caráter de alguém do que aquilo que ele odeia", mas quando a coisa se torna uma moda, dá vontade de dizer: quem perguntou?. 

Mas acredito que o exercício mais eficaz e urgente não é esse, de identificar e rotular tudo que não nos representa, e sim pensar nas pessoas, nos valores e nas instituições que nós não "representamos". E deveríamos representar. 

Em II Crônicas 7:14 o povo de Deus é chamado de "o povo que se chama pelo meu nome". Por outras palavras, o povo de Deus é o povo que O "representa". O terceiro mandamento diz que é um pecado tomar o nome de Deus em vão, frisando a importância de representar a Deus dignamente. Jesus odeia a figueira com flores e sem frutos porque ela ostenta algo que não é. As pessoas que andam ao redor da figueira vêm as flores e acreditam que ela é do tipo que dá frutos. Mas quando chegam perto se decepcionam. E então elas passam a ter outro conceito sobre figueiras em geral, passam a desconfiar das flores.

Jesus narra o dia em que muitas pessoas vão lhe dizer tudo o que fizeram no nome dEle e, contudo, receberão um "não vos conheço" em resposta. "Não vos conheço" é o "você não me representa" de dois mil anos atrás.

Pense em como você usa seu tempo livre, no que você faz quando acha que ninguém está olhando, nas coisas que seus atos, e não suas palavras, dizem que são mais importantes para você. Pense em suas prioridades reais nessa vida e então responda: a quem você representa?


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Desproclamando a República

Hoje comemoramos o dia em que gritamos que não queríamos mais ter um rei. A ideia de monarquia começava a ficar fora de moda. Tenho lá minhas dúvidas se ganhamos muita coisa trocando a família real pelo que veio na sequência.

Mas houve um tempo em que ter um rei era algo super moderno e a teocracia de Israel quis estar antenado com os novos tempos. Exigiram um rei. Atendendo à dica de Bruce Cameron, fui a Deuteronômio 17 ler uma curiosa profecia de Moisés. No fim de sua vida, o velho líder previu que chegaria o dia em que o povo de Israel desejaria ter um rei. Veja que dicas interessantes ele deu:

"Quando vocês entrarem na terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá, tiverem conquistado aquele território, viverem nele e disserem: 'Bem que poderíamos ter um rei que nos governe, como as outras nações ao redor de nós', tenham o cuidado de proclamar rei aquele que o Senhor, o seu Deus, escolher. Esse rei terá que vir dos seus próprios irmãos israelitas... Aquele que for coroado rei não poderá adquirir para si um grande número de cavalos... Também não deverá ter muitas mulheres, para que seu coração não se desvie do Senhor. Além disso, não deverá acumular muita prata e ouro. Quando for coroado e se assentar no trono como rei, terá que fazer uma cópia desta lei, do livro guardado pelos levitas. Essa cópia da lei estará sempre junto dele. O rei precisará ler esse livro todos os dias da sua vida para aprender a respeitar o Senhor, o seu Deus, e a obedecer a todas as
palavras desta lei e todos os seus mandamentos. Isso impedirá que o rei ache que é superior aos demais irmãos israelitas. Também impedirá que ele se desvie da lei... Assim garantirá um reinado longo e feliz sobre Israelm bem como para os seus descendentes" (17:14-20).

Não dá para deixar de pensar em Salomão, lendo isso. Acumular cavalos, mulheres, prata e ouro e sentir-se superior aos demais foi tudo o que ele fez.

Interessante notar que um rei obrigado a fazer qualquer coisa (como fazer uma cópia à mão do pentateuco!) e que não se ponha numa situação de superioridade divina sobre seus súditos é uma ideia extremamente moderna, inaugurada pela noção de estado de Direito que só veio a lume com os escritos de Montesquieu e, um pouco mais tarde, com a obra do alemão Robert von Mohl, no século XIX. Moisés estava quase três milênios à frente de seu tempo, já que inspirado por Deus.

Hoje comemoramos o dia em que gritamos que não queríamos mais um rei, trocando uma servidão por outra. Nossos representantes, eleitos democraticamente ou não, raramente nos representam de fato e a lei à qual deveriam estar sujeitos raramente adere a eles. Raramente? "Nunca" seria mais adequado. Estamos prestes a ver isso acontecer pela primeira vez com o julgamento do mensalão.

Mas temos uma chance de ouro. Podemos coroar Jesus Cristo nosso rei. Ele está sujeito à lei. E está sujeito porque quando quis subvertê-la, fazendo com que o condenado de morte não morresse, Ele o fez pagando o preço no lugar dele. Ele morreu no lugar do condenado (eu!) para que a lei fosse observada e o condenado (eu!) continuasse vivo.

No dia em que gritamos que não queríamos um rei podemos comemorar o dia em que escolhemos direito. O dia em que escolhemos o rei cujo fardo é leve, que está disposto a nos ensinar a mansidão e a nos aliviar quando

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Período integral

E hoje você está ocupado com as muitas coisas que precisa resolver até o final do dia quando nota que Jesus chega. Ele olha nos seus olhos, fala o seu nome e diz: "segue-me". Aconteceu com Mateus. A Bíblia diz que ele largou tudo e O seguiu. 

As pessoas focam muito na disposição que Mateus teve de largar tudo num instante e isso acaba criando a ideia de que seguir a Jesus pressupõe largar tudo. Não é verdade. Para alguns como o cobrador de impostos Mateus, seguir Jesus implicará numa mudança radical de vida, mas para muitos outros implicará apenas numa mudança de atitude. 

Dallas Willard coloca assim: "Considere seu emprego, o trabalho do qual você tira seu sustento. Essa é uma das mais óbvias formas possíveis de focar no aprendizado de Jesus. Ser um discípulo de Jesus é, crucialmente, aprender de Jesus como fazer o seu trabalho do jeito que Ele mesmo o faria. É o que o Novo Testamento chama de 'fazer em nome de Jesus'. 

Uma vez que você pare para pensar nisso, verá que não enxergar o seu trabalho como um lugar primário de discipulado é automaticamente excluir a maior parte das suas horas acordado da vida com Ele. É decidir tocar uma das maiores áreas de seus interesses e preocupações sozinho, por sua conta, ou sob a direção e instrução de outras pessoas, que não Jesus."

Paulo foi um fabricante de tendas, mas aposto que não foi um fabricante de tendas ordinário. Ele não segmentava sua vida em uma larga porção "por minha conta e risco" e outra, menor, "imitando Jesus". Ele é o cara do "orai sem cessar" (I Tessalonicenses 5:17) justamente porque sabia que não dependia da inspiração e orientação divinas só num ou noutro momento do dia.

É isso o que cantar "estou seguindo a Jesus Cristo" implica. Numa tarefa de período integral.

E então, você está aí, preocupado em fazer as muitas coisas que tem até o final do dia e Jesus chega. Ele olha nos seus olhos e diz: segue-me. Você responde afirmativamente e volta às suas tarefas, agora para fazê-las do jeito que Ele faria.


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Enquanto Ele não vem

De tempos em tempos eu volto a Jó, porque de tempos em tempos a dor bate à porta inesperadamente. Minha, de familiares ou de amigos. Um dia ela se instala sem pedir licença. Às vezes como consequência de escolhas infelizes que fizemos, mas às vezes não, e nessas ocasiões é difícil não se perguntar por que? Por que, se há um Deus que poderia haver evitado? Por que, se Ele poderia ter traçado outra rota, outra realidade, uma em que a dor pudesse ser evitada?

Então eu volto a Jó.

E, voltando a Jó, percebo que não está errado querer saber os "por quês" da dor. Jó protesta, esperneia, se indigna. Chega ao desplante de "exigir" que Deus apareça e explique tintim por tintim a razão daquilo tudo. Seus amigos o repreendem, dizem que ele não tem o direito de perguntar por que e que decerto ele tem algum esqueleto no armário, algo que justificasse a Deus. Bem, Deus aparece, sim, e a primeira coisa que faz é mandar esses amigos ficarem quietos e dizer que Jó estava certo. Estava certo em perguntar por que. 



E, apesar de não haver problema nisso, Deus não dá as respostas. Ele desfere uma saraivada de perguntas que Jó não sabe responder. Pergunta se ele sabe qual é o método GPS de orientação das águias, se ele sabe o tempo de parto da cabra montanhesa, se ele sabe como é que o mar se mantém em seus limites.Coisas assim. E aí, vira as costas e vai embora.

Tanto quanto é possível saber, Jó termina sua vida sem entender o que tinha acontecido. Sem saber que aquilo tudo aconteceu por conta de um debate entre Deus e Satanás. Sem saber que Satanás é que tinha feito aquilo tudo, como um plano para fazê-lo descrer.

E, quando volto a Jó, noto que talvez haja uma razão mais profunda para isso tudo. Há uma razão para eu ser estimulado a perguntar por que e uma razão para Deus não responder. É que quando o sofrimento bate à porta, temos basicamente duas alternativas: descrer do Deus que não impediu a dor ou ir até Ele com nossa confusão e nossa aflição. Pressinto que Deus não está preocupado em nos dar os porquês, que não nos serviriam de nada e atrapalhariam a gente alcançar o que realmente precisamos. Deus está preocupado em se vamos ou não estar lá para conversar com Ele no momento em que Ele, em Sua soberania, decidir aparecer. Porque, se estivermos lá, se ainda estivermos lá apesar do silêncio e a despeito da dor, estaremos salvos. Satanás terá perdido o repto. E o caminho para bençãos renovadas estará aberto.

E até que chegue esse dia, portanto, estarei aqui, Senhor. Esperando para ouvir Tua voz.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Nós, farinha do mesmo saco

Na última semana falei daquilo que nos diferencia dos demais (só as roupas que usamos? O que comemos ou deixamos de comer? etc) e eis que ontem tiro um tempo para ler um livro que comprei há algum tempo e nele leio o resultado de uma pesquisa publicada em 2007 nos EUA: "Quando solicitados a identificar suas atividades nos últimos trinta dias, cristãos convertidos afirmaram haver apostado a dinheiro, visitado sites pornográficos, tomado algo que não lhes pertencia, consultado um médium ou vidente, haver brigado fisicamente ou abusado fisicamente de alguém, haver ficado legalmente bêbados, tomado drogas ilegais ou não prescritas, dito alguma mentira sobre alguém, haver espalhado comentários maldosos sobre alguém pelas suas costas e haver dado o troco por alguma ofensa recebida na mesma proporção que os que não têm nenhuma prática religiosa" (UnChristian, David Kinnaman). Ele continua afirmando que a incidência de comportamento sexual inadequado, que vai desde o consumo de pornografia até relações sexuais fora do casamento, aparece praticamente na mesma proporção entre cristãos e não cristãos (30% naquele grupo, 35% neste).

Aparentemente a prática da religião não tem efeito algum sobre o cerne das pessoas. Na hora de tirar uma vantagem pessoal, cristãos são tão rápidos no gatilho quanto os demais. Na hora de devolver o mal com mais mal, não se pode esperar uma atitude diferente daqueles que semanalmente vão às igrejas ouvir sobre amor e perdão. Quando o assunto é a vida privada e o que você faz quando ninguém está olhando, não há vantagens para os que deveriam ser "novas criaturas".

Em suma, somos aqueles discípulos antes da terapia de choque que foi a cruz para eles. Deixamos o discurso entrar por uma orelha e sair pela outra. Oferecemos escusas. Outro dia eu passava uma lição da escola sabatina sobre perdão e só ouvia apartes de que isso era relativo, que a gente perdoa mas não esquece, etc. Não tem como ser diferente assim, sem o que Brennan Maning chama de uma atitude de "obediência radical" ao evangelho. Talvez precisemos ter o chão arrancado de sob os pés, como os discípulos tiveram, para sermos pessoas essencialmente diferentes das que temos sido.

Malaquias 3:18 fala sobre o dia em que "vereis novamente a diferença entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus e o que o não serve". Quando esse dia chegar, estar no grupo dos justos vai requerer um preparo. Vai requerer uma entrega a Jesus Cristo bem mais profunda da que temos praticado. 

Porque a sua religião não presta para porcaria nenhuma se você é tão diferente da pessoa a quem diz seguir quanto qualquer outro.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Minha pesquisa de mercado

Minha pesquisa de mercado sobre o que as pessoas pensam de minha igreja não teve método científico nem uma mostra estatisticamente relevante. Mesmo assim, eu a tenho em alta conta. 

Começou quando eu era ainda adolescente, no clube que frequentava com minha família (no tempo em que as pessoas frequentavam clubes). Uma amiga de minha mãe vira pra ela e pergunta: "Glícia? Você é adventista? Mas como?! Você é legal!" Depois dessa introdução bombástica, ela explicou que morava numa região com alta concentração de adventistas. Resumindo sua visão deles, afirmou que eram pessoas que não se misturavam, prepotentes e cuja grande preocupação na vida parecia ser comprar roupas maravilhosas para usar aos sábados.

Anos mais tarde assisti a uma entrevista de Mano Brown, líder dos Racionais MCs, que estudou em uma de nossas escolas um breve período de tempo. Em rede nacional ele descreveu sua impressão dos adventistas. Embora tenha usado outras palavras, ela incluía prepotência e roupas lindas. 

Passam-se alguns anos mais e leio uma coluna do escritor Ferrez na revista Caros Amigos em que ele, como morador do Capão Redondo, dá sua visão dos adventistas e adivinhe?

João 13:35 afirma que o mundo conheceria os discípulos pelo amor que tivessem uns pelos outros. Roupas lindas decerto não era um elemento distintivo. No entanto, aquela amiga de minha mãe relatou uma diferença de comportamento curiosa entre adventistas e não adventistas: em frente à casa dela aconteciam muitos acidentes, ocasião em que todos saíam para ajudar, menos você sabe quem. Estes se limitavam a afastar a cortina para dar uma olhadinha.

Narrei essa "pesquisa de mercado" em uma classe de escola sabatina certa vez e fui praticamente crucificado. As roupas lindas foram defendidas com unhas e dentes. Uma das coisas que ouvi foi: "quem é Mano Brown para dizer como devemos viver?" Bem, posso responder a essa pergunta hoje: Mano Brown é parte do oceano de pessoas que temos a missão solene de alcançar. É uma parte singular desse oceano porque o tivemos nas mãos e perdemos. Você só despreza a visão dos outros sobre si próprio quando não tem como missão de vida amar essa pessoa. E este não deveria ser o nosso caso. Não se trata de conhecer a visão deles para nos tornarmos aquilo que eles querem que nós sejamos, mas para ser aquilo que nosso Mestre nos comissionou a ser. Pessoas que se importam. Pessoas que vão atrás. Pessoas que amam. Amam algo mais que suas roupas lindas.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Ai, que orgulho que dá!

Anos atrás ouvi esse irmão dizer que se nosso papel na salvação fosse aceitar o sacrifício vicário de Cristo, poderíamos nos ufanar de haver aceito. Poderíamos nos orgulhar de termos feito algo. Bem, me parece estranho imaginar que alguém pudesse se pavonear de haver sido alvo da graça. 

A preocupação com o orgulho é mais do que justificada. Ele é provavelmente o pecado mais destrutivo, porquanto o mais impossível de ser perdoado, porque é o tipo pecado que nos engana quanto a nossa real situação. O orgulhoso acha que nada lhe falta. Há pouca ou nenhuma chance do satisfeito consigo mesmo intuir a necessidade do Salvador. É o náufrago que rejeita a boia salvadora por se enxergar numa piscina.

Está na moda falar em vergonha alheia, a vergonha que você sente pelo mico que o outro está pagando. Bem, há decisões na vida que podem nos encher de júbilo, mas jamais de orgulho. Esta, particularmente, nos enche de uma sensação de "orgulho alheio". Ou, como escreveu Paulo, "mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo" (Gálatas 6:14). 

Eu posso me orgulhar da cruz de Cristo. Mais que isso, eu devo me orgulhar, de forma parecida como me orgulho do golaço que o atacante do meu time fez. Posso me orgulhar do tamanho do presente, mas jamais de o haver recebido. Como escreveu Bonar, "não precisamos temer uma grande graça. Uma pequena graça pode tornar um homem orgulhoso, mas nunca uma grande graça". O orgulhoso é aquele que jamais encarou de frente o tamanho da graça de Cristo, o tamanho do preço dela, a enormidade do caminho que Ele percorreu para salvar o que não queria ser salvo. Aí ele ganha dinheiro e se orgulha, ele consegue a admiração por falar bem em público e se orgulha, ele é bonito e se orgulha... O sujeito se orgulha dessas pequenas, vãs, transitórias graças. 

Há esse paradoxo na graça. Ela é tão gigantescamente descomunal que não pode incutir em quem a recebe senão humildade, gratidão e amor. Onde faltam essas três coisas, falta a percepção do que Cristo fez.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

À imagem e semelhança de quem?

A pergunta de Jesus em Lucas 18:8, "quando vier o Filho do Homem, porventura achará fé na terra?" me parece cada vez menos retórica. Na Europa, a fé parece quase que definitivamente coisa de museu. Foi nisso que as igrejas lá se tornaram, centros de visitação turística que falam de uma era passada, com arquitetura e crenças curiosas. Agora os EUA caminham na mesma direção, como mostram os estudos de David Kinnaman. "Nossa pesquisa mostra que muitos dos não cristãos, especialmente jovens adultos, têm pouca confiança na fé cristã, e a estima pelo estilo de vida cristão está rapidamente desaparecendo entre eles. Eles admitem que suas barreiras intelectuais e morais são erguidas quando estão perto de cristãos, e rejeitam Jesus porque se sentem rejeitados pelos cristãos" (Unchristian, Baker Books). 

Mas vivemos no Brasil, onde a fé vai muito bem, obrigado, não é? Bem, a verdade é que existem dois Brasis e um deles se parece muito mais com a realidade apontada por Kinnaman e sentida por qualquer um quando visita a Europa, a ponto de a Conferência Geral da Igreja Adventista haver inserido bairros de classe média alta de São Paulo entre os grupos não alcançados. Tecnicamente, o Morumbi está na mesma situação que o  Chad islamita, ou quase.

A profecia do Mestre é de que conforme a iniquidade fosse se alastrando (e aí eu penso que, seja por ela aumentar de fato ou simplesmente pelo fato de que todos agora ficam sabendo dela, graças aos meios de comunicação), o amor esfriaria (Mateus 24:12). Ainda assim, um mundo em que a fé é trocada por... - pelo que mesmo? nos assusta, e por isso nos perguntamos: o que pode ser feito para que a religião alcance relevância nesse contexto?

Depois de pensar bastante nisso cheguei à conclusão de que deveríamos ter uma preocupação anterior a essa. Antes de pensar em como fazer o cristianismo relevante para o mundo, precisamos pensar em quão relevante ele de fato é para nós. Para mim e para você.

Na pesquisa de Kinnaman, cristãos são vistos como anti homossexuais, críticos demais sobre as vidas dos
outros, hipócritas, maçantes, intolerantes e confusos. Alguma razão para pensar isso eles têm, com certeza, mas agora pensem na Pessoa a quem os cristãos dizem seguir. Jesus seria hoje alguém rotulado como anti homossexual ou como anti qualquer coisa? Quando penso nisso lembro da foto que circula pela Internet de um menino em meio a uma manifestação cheia de cartazes com os dizeres "Deus odeia os gays", que empunha um cartaz menor escrito "Deus não odeia ninguém". Estou com ele. Jesus seria hipócrita, se isso era o que mais o tirava do sério? Jesus não foi maçante, multidões adoravam estar na presença dEle, Ele foi tudo menos intolerante e certamente não era nada confuso e nem as pessoas sentiam que Ele estava julgando suas vidas constantemente.

É porque muitos antes de nós seguiram uma imagem de Cristo e não o Cristo real que a religião se tornou irrelevante. Aos que seguem uma imagem de Cristo Ele vai dizer: não os conheço (Mateus 7:23). Não os conheço porque nitidamente vocês não me conhecem. Será que você encontrou relevância para sua vida em algo que não é a religião pura de Cristo, aquela que o cria à imagem e semelhança dEle? Aquela que o faz mais parecido com Aquele a quem você diz seguir? Uma religião que o faz hipócrita, julgador, intolerante e chato não pode ser relevante para ninguém.

Quando vier o Filho do Homem, achará porventura fé na terra? Vou cuidar para que aqui na minha casa, ao menos, Ele encontre.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Bem vindo ao Reino

Tem dias em que o caminho parece alto demais. Seguir ao Cristo implica em dar frutos como amor, temperança, paciência e outras coisinhas inalcançáveis num mundo de ódio, egoísmo, competição e intolerância. Ontem na livraria vi um livro que ensina a como usar seus "instintos primitivos" a seu favor nos negócios e uma ou duas prateleiras acima livros que falam sobre ser um líder servidor ou que Jesus foi o maior líder que já existiu. Tem dias em que aqueles parecem mais verossímeis que estes.

Tem dias que você é tentado a pensar que o caminho é para uns poucos privilegiados. Os que não são apaixonados por uma picanha sangrando ou por uma cerveja gelada. Os que têm menos hormônios correndo nas veias. Tem dias em que você pensa que os que parecem estar no caminho são, na realidade, hipócritas com esqueletos no armário.

Um dia Jesus assentou-se num monte e começou a dizer coisas absurdas. Disse que felizes são os pobres de espírito, os que têm o coração dilacerado, os que têm que abaixar a cabeça para as injustiças do mundo, os que são perseguidos. Estes, disse Ele, seriam os felizes, porque no longo prazo, quando as coisas todas se fizerem definitivas, veriam uma inversão total do status e então seriam recompensados.

E há muitos seguidores do Mestre de boa fé se esforçando para se encaixar naquele ideal de ser pobre, manso, perseguido e a verdade é que isso não faz muito sentido. Ok, até faz quando se pensa em ser um pacificador e um manso, já que mais adiante Ele diz "aprendei de mim, que sou manso e humilde", mas se nós tivéssemos que nos esforçar para ser pobres de espírito, como faríamos isso? Se tivéssemos que nos esforçar para ter fome e sede de justiça, ou seja para sentirmos falta disso, ou seja, para sermos injustiçados, estaríamos exercitando algum tipo de virtude sadomasoquista? E o que dizer do esforço para ser perseguido? Se felizes são os perseguidos, então o ideal é fomentar a perseguição (chutando santas, vociferando que gays queimarão no inferno, etc)? E, se Jesus estivesse mesmo desenhando no monte um ideal de cristão a ser perseguido, não estaríamos trocando a salvação pela graça mediante a fé por um outro tipo de salvação pelas obras, por coisas que nós fazemos?

Concordo com Dallas Willard, Ed René Kivitz e outros estudiosos que chegaram à conclusão de que não se trata de nada disso. Em Mateus 5 Jesus não está ali enumerando qualidades a serem perseguidas pelos Seus discípulos, mas está continuando a pregação que começou em Mateus 4:17: "desde então Jesus começou a pregar e a dizer: arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus". E o reino dos céus está tão perto e é tão acessível que até mesmo os pobres têm acesso a ele. Até mesmo os perseguidos, os que abaixam a cabeça e engolem sapo, os que foram traumatizados e hoje choram, impotentes. O reino de Deus está perto e isso quer dizer que o caminho não é alto demais que só uns poucos conseguem palmilhar, ao contrário, ele está ao alcance até do mais humilde e fraco dos que de boa fé dizem: Senhor, eis-me aqui, sou teu. O reino de Deus, amigos, o lugar onde Deus reina, está aqui para qualquer um, à distância daquela prece simples. Eis-me aqui, sou Teu. O resto é com Ele, porque você já terá cruzado a fronteira do reino dEle. Você já estará respirando a atmosfera do país em que a vontade dEle é alcançada.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Vou dançar com Deus

Todo ano a escola promovia uma excursão a um bonito sítio no sul de São Paulo, a fazenda Itaipava. Uma semana inteira com a galera, dormindo em alojamentos ou chalés, jogando bola, nadando na piscina, remando nos botes do laguinho, fazendo trilhas pela floresta. A semana de Itaipava foi ranqueada como a melhor do ano inteiro no meu ranking particular durante três anos consecutivos, entre meus 10 e 12 anos. Mas havia um momento torturante.

Uma das noites, pelo menos, era dedicada à famigerada "social". Meninos ao longo de uma das paredes, meninas ao longo da outra, e enquanto musiquinhas eram executadas ao piano e cantadas ao ritmo de palmas, alguns meninos corajosos atravessavam o salão e convidavam uma menina para fazer umas coreografias bastante pueris. Rodavam para lá e para cá dando-se os braços, paravam um na frente do outro e conforme a música fosse evoluindo tinham que ir pra lá ou pra cá. Para quem fazia isso parecia ser muito divertido, mas eu sempre fui dos que ficavam só olhando e por isso a noite para mim era uma tortura, parecia sempre longa demais.

Rob Bell narra em Sex God um episódio parecido de sua pré-adolescência. Ele tomou a coragem, atravessou o salão e pediu para dançar com uma menina cujo nome se lembra até hoje. Ela irrompeu em choro e saiu correndo para o banheiro das meninas, deixando-o plantado no meio do salão com os olhos do universo inteiro sobre ele e sobre sua rejeição traumática.

Mais tarde tive que enfrentar meus medos e convidar alguma menina para dançar num bailinho de garagem. Pra meu alívio, não recebi um "não" senão uma ou duas vezes e graças a Deus não foi na primeira tentativa. Recebi alguns "sim" melancólicos, é verdade, mas foram sim.

Há algo na rejeição amorosa que é especialmente dilacerante. Saber-se traído é uma dor sem rivais. Quando alguém consente em dançar com outra pessoa (namorar, casar), está se colocando na frente do outro com tudo o que é. Não se trata, portanto, da rejeição dessa ou daquela características, mas a rejeição do pacote inteiro. Uma traição é o recado mais doloroso que alguém pode receber: "você não é suficiente". Metade das músicas que foram compostas na história da humanidade falam sobre a isso e metade dos filmes românticos fala de pessoas traumatizadas com medo de se arriscar de novo. Por que sim, o amor é arriscado. É por pressentir todo esse risco que levantar-se de um lado do salão, atravessá-lo e falar com uma menina requer a junção de toda a coragem do mundo e fico imaginando também a sensação da menina na direção de quem um menino está caminhando.

E, como tudo que é grande nesta vida, um simples convite para ser seu par na social é um símbolo de Deus. Ali, seja você dos corajosos ou dos medrosos como eu, Deus está lhe ensinando uma verdade vital. Porque o amor é arriscado e Ele é amor, e atravessou o Universo, e veio até o meu lado do salão, tomou uma forma que eu pudesse entender, e Se deu inteiro, sem reservas. O pacote completo. Deus arriscou, me convidou para dançar.

Minha resposta a Sua mão estendida é um "sim, Você é suficiente" ou um "Você não é suficiente, eu preciso de algo mais para ser feliz".

Vou dançar com Deus.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Nós somos os mortos

No clássico 1984, de George Orwell (hoje infelizmente mais conhecido por ser a fonte da expressão “big brother”), há uma  situação emblemática imediatamente antes de uma reviravolta na trama; o protagonista, que vive numa sociedade distópica em que todos são constantemente vigiados pelo Estado e não podem apresentar nenhum desvio de comportamento ou nenhum pensamento original, começa a experimentar se rebelar contra o sistema. Compra um livro. Faz contato com subversivos. Enceta um caso amoroso. Em suma, parece que só agora, já maduro, começa a viver de verdade. Bem, exatamente aí é que ele chega a esta conclusão estranha. Olhando pela janela e vendo as pessoas lá fora ele fala à sua amante: “nós somos os mortos”.

Comecei a separar um material sobre zumbis para um programa de jovens na igreja e dei com um daqueles quadros "expectativa x realidade" que povoam as redes sociais. Ele apresentava uma cena da série The Walking Dead em que os protagonistas estão sobre um trailer cercado de zumbis. A brincadeira é: sua expectativa é ser o mocinho, que mata zumbis e lidera o grupo, mas a realidade é que você, num apocalipse zumbi, provavelmente seria um dos zumbis. É claro, a chance de você ser infectado pelo vírus que tomou a humanidade quase que inteira é bem maior do que de você, justo você, estar na minoria heroica.

E se o mundo todo for reduzido a uma horda de mortos-vivos comedores de carne humana? E se você for um deles? E se isso já tiver acontecido? 


Apocalipse 3:1 traz essa sinistra advertência: Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto. Esta é a mensagem endereçada à igreja de Deus, logo, haveria uma igreja que tem fama de viva, mas quem conhece suas obras sabe que ela está morta. Ela anda como um vivo, se comporta quase que como um vivo, mas está morta.

Quais os sintomas de uma igreja morta? Simples, ela deixou de fazer as coisas que a igreja viva faz. A igreja viva guarda os mandamentos de Deus e tem fé em Jesus (Apocalipse 14:12). A igreja viva ama perdidamente o ser humano (João 13:35). A igreja viva é uma comunidade de conforto, consolo, estímulo, ânimo e paciência (I Tessalonicenses 5:14).

Em Lucas 12:42-46 Jesus nos apresenta a um mau servo, que perde de vista o espírito de vigilância, a noção de que seu senhor voltará de sua viagem ao estrangeiro a qualquer momento. Ele começa a espancar os seus conservos. Ele é um morto se alimentando da carne dos vivos, ferindo os vivos, tornando-os mortos como ele, mortos à sua imagem e semelhança.

Será que justamente quando acreditamos estar vivendo mais é que vamos concluir que nós somos os mortos? Será que a realidade é distante demais da nossa expectativa?

Em Ezequiel 37:5 eu leio estas palavras: Diga que eu, o SENHOR Deus, estou lhes dizendo isto: “Eu porei respiração dentro de vocês e os farei viver de novo”. Quem ouvir viverá. Quem ouvir a palavra do Deus vivo deixará de ser um morto. Guardará os mandamentos, exercitará fé, amará e cuidará dos que estão ao redor. Quem ouvir, viverá.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Matou a família e foi à escola

As evidências apontam para a hipótese de o menino de 13 anos ter arquitetado o assassinato dos pais, da avó e de uma tia-avó. Ele os teria sedado, depois matado a tiros. Então teria pego o carro da família e dirigido até próximo a sua escola, onde assistira às aulas. Teria então voltado para casa de carona com o pai de um amigo e então se matado. 13 anos, repita-se.

Mas há quem não acredite nessa versão. A família teria sido executada por colegas dos pais do garoto, policiais, porque eles não quiseram se envolver num esquema de furto de caixas eletrônicos ou então teriam ameaçado delatar colegas corruptos. Seria tudo uma armação para queimar o arquivo e incriminar o garoto.

A pergunta que me faço de verdade é se alguma dessas hipóteses é mais alentadora. A verdade é que um mundo em que crianças de 13 assassinam a família não é o mundo em que eu quero viver, mas o mundo em que a força policial é vista como a suspeita natural de um crime bárbaro desses também não é. Seja qual for a verdade, ela é indigesta. Seja qual for a verdade, eu tenho saudades do Céu.
Jesus afirma em Mateus 24:10 que o ódio instalado entre as pessoas será um sinal de Sua vinda. Em diversos momentos de seus escritos, Ellen G. White diz que a história do pecado é de aproximadamente 6 mil anos. Ela repete esse fato muitas vezes. A prudência pede que não sejamos dogmáticos com isso, porque ela poderia estar tomando emprestado uma crença de seu meio e a utilizando de forma ilustrativa, apenas. Ainda assim, façamos esse exercício de imaginação, admitindo que o sétimo milênio, o milênio sabático, o descanso no qual falta entrarmos, segundo o livro de Hebreus, será no Céu. Agora vamos tomar outra baliza: a própria Ellen G. White aponta para o batismo de Jesus como estando no ano 4 mil da História. Aí fica fácil fazer uma conta que, de novo, a prudência pede para não fazermos. Este mundo já teve muitas marcações da data da volta de Jesus e "o dia e hora ninguém sabe".  Devemos vigiar justamente porque não sabemos a hora em que Ele virá.

Mas sabemos a época e esse raciocínio aponta para a possibilidade que mais me enche de consolo, hoje, ao meditar na tragédia da família Pesseghini: Jesus deve vir nos meus dias. Porque assim como o tempo de angústia de 1.260 anos de que falou o profeta Daniel foi abreviado, conforme indicado por Jesus em Mateus 24:22, o próximo grande evento profético pode ser abreviado também.

Meu último interesse é criar aqui um ambiente de excitação, isso seria pouco saudável. O que quero é dividir com você meus suspiros pela realidade prometida pelo Salvador, onde habita a justiça e onde dor, lágrimas e solidão são continentes de um mundo já passado. 

Porque seria lastimável se essa realidade se impusesse em meus dias e me encontrasse ocupado demais com qualquer outra coisa deste mundo que passará. Ora vem, Senhor Jesus!

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Diferentes classes de monstros

Por alguma estranha razão lembrei esses dias de um filme que a Globo reprisava insistentemente na Sessão da Tarde nos anos 80, um filme acho que francês sobre um homem com uma deficiência mental que era rejeitado e ridicularizado por todos da vila, mas que tinha um coração enorme. O filme era triste até o osso. Por lembrar dele, me ocorreu que é fácil simpatizar com os rejeitados quando eles protagonizam filmes; por que será que é tão difícil fazer o mesmo com os de carne e osso que vivem à nossa volta?

Durante séculos uma pessoa com alguma deformidade física era retratada sempre como vilã nas histórias, como o corcunda traidor de 300 de Esparta, de Frank Miller. As deformidades do físico eram sempre reflexo de deformidades de caráter. A Revolução Francesa, contudo, trouxe a ideia dos direitos inalienáveis da pessoa humana. O Direito, que até então era excessivamente patrimonialista, começou a reconhecer os direitos da personalidade, direitos que são inerentes a todo ser humano, tais como o direito à honra, direito à imagem, direito à intimidade, etc., processo este que chegou ao ponto de fazer inserir no coração da nossa Constituição
o princípio maior da dignidade humana, um princípio ao qual todas as leis brasileiras devem respeitar. Foi essa verdadeira revolução civilizatória que mudou o status das pessoas que carregam alguma diferença estética, funcional ou de capacidade intelectual relevante. A civilização não compactua mais com a discriminação a essas pessoas. 

O problema é que a civilização é uma casca fina e frágil que tenta manter domesticada uma fera selvagem que habita em nós.

Foram necessários séculos de civilização para desembocar na Revolução Francesa, que tentou, de um lado, queimar a Bíblia e extirpar a religião e, de outro, reconhecer o princípio religioso cristão mais basilar que existe: o de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Reconhecer esse fato impresso logo na primeira página da Bíblia deveria ser suficiente para não se admitir bullying e discriminação e para se incensar o apoio e a inclusão dos párias. Deveria. Mas a besta que mora dentro quer negar a humanidade do outro para poder esmagá-lo sem culpa como se faz com uma formiga. A besta que mora dentro quer negar a humanidade do outro para poder usá-lo como se usa um cavalo ou um boi.

Não estou falando exclusivamente da forma como tratamos os deficientes. Estou falando também da forma como homens tratam mulheres, como nações tratam estrangeiros, como torcidas rivais se tratam. "Quando um ser humano é desprezado, tratado como um objeto, ou negligenciado, quando eles são tratados como menos do que humanos, essas ações são ações contra Deus. Porque como você trata a criação reflete o que você sente sobre o Criador" (Rob Bell, em Sex God).

Agredir, coisificar ou desprezar quem quer que seja é uma forma de abrir mão da sua própria humanidade, porque quando você subtrai a humanidade de alguém, quando você despreza o fato de que um ser humano, seja ele quem for, carrega um reflexo, inda que embaçado, da imagem divina, alguma coisa aconteceu com a sua imagem divina. Você se torna menos humano e mais parecido com um monstro. Quem você acha que eram os verdadeiros monstros, os nazistas ou aqueles que eles chamavam de monstros e mandavam para os fornos?

Valorize a imagem divina que há em você. Esforce-se para enxergá-la no outro.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

...Mas e se a gente obedecesse?

Há alguns meses tive a felicidade de participar de um fantástico congresso em uma igreja para 6.000 pessoas nos EUA. O pastor da comunidade brasileira daquela igreja me disse que são mais de 17 mil membros que se reúnem todas as semanas ali. No congresso havia gente de todo o mundo, mas principalmente dos próprios EUA, pessoas que lideram igrejas de 3, 4, até 20 mil pessoas. Assisti a muitos painéis e em todos eles notei uma tônica comum: todo mundo espera, de uma forma ou de outra, ter uma experiência espiritual mais intensa. Todo mundo acha que a igreja está fracassando de alguma forma. Não importa se vivendo num ambiente em que a igreja parece estar prosperando, todo mundo está insatisfeito.

Comentando o fato com um amigo, observei que talvez estejamos fadados a isso, fadados a achar que falta alguma coisa enquanto estamos deste lado da eternidade. Plenitude, só no Céu. "Um pouco conformista", foi o comentário dele.

Por alguma razão associei essa cadeia de ideias às palavras um tanto misteriosas para mim de Oswald Chambers, que li no clássico My utmost for His Highest. Ele diz que se estamos tendo dificuldades para entender a Bíblia, deveríamos simplesmente obedecer. A obediência nos daria uma compreensão mil vezes mais ampla e rápida do que a mera reflexão na Palavra de Deus.

Talvez a razão da insatisfação reinante com a vida espiritual resida na resistência a simplesmente obedecer a Deus. Obedecer o "vá e faça o mesmo" com o qual Jesus termina a parábola do bom samaritano. Obedecer o "quando fizeste isto [vestir o nu, alimentar o faminto, visitar o preso] a um destes mais pequeninos, a Mim o fizestes". Talvez se simplesmente obedecêssemos mandamentos como este teríamos uma visão mais compreensiva da Palavra de Deus e tenhamos plenitude.

Dias frios são uma boa ocasião para exercitar isso.

Vamos nós lá, fazer o mesmo!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Os mortos e os pais

No dia 10 de maio escrevi sobre cinco estágios em que podemos nos encontrar na jornada espiritual segundo Jim Putman, do Real Life Ministries: morto, nascido de novo, bebê, adolescente e pai. Na ocasião recebi um justo puxão de orelha de uma amiga dizendo que a forma como descrevi a pessoa no estágio morto foi preconceituosa.

Eu escrevi: "A pessoa morta espiritualmente está divorciada de Deus, não quer nada com Ele, não o leva em conta em sua vida... É natural que ele fume, encha a cara, tenha ideias negativas sobre a Bíblia e sobre a igreja, tenha uma conduta sexual diferente da que a igreja prega. etc." Embora na sequência eu tenha escrito: "O problema da igreja com pessoas mortas é que ela se comporta para com eles como se só fosse possível haver interação se os mortos fossem um pouco menos mortos. Deveríamos ter em mente que um homem morto age como um morto. Nenhum desses fatores deveria ser suficiente para nos fazer fugir dos mortos, porque a missão da igreja é justamente alcançá-los", ficou parecendo que meus esforços para quebrar preconceitos acabaram reforçando-os, porque essa minha amiga argumentou que há muitos mortos que vivem de forma mais "viva" que os "vivos"; nem todos os mortos enchem a cara e levam uma vida promíscua. 
Esse morto parece vivo...

Bem, volto àquele assunto para poder explicar que minha intenção não era, de modo algum, generalizar, mas ajustar as expectativas de quem está dentro da igreja. É comum você identificar pessoas que são parecidas com você mesmo e dizer: "esse aí daria um bom cristão". Os outros não, já estariam perdidos. O que quis dizer é que não devemos riscar do mapa de candidatos ao Reino um "morto" por agir como "morto". Certamente há muitos mortos que parecem vivos e quase tantos vivos que parecem mortos.

Mas o que gostaria de enfatizar é que o quinto estágio, o estágio de "pai", é o alvo de todo cristão, não apenas de uns poucos iluminados. Deus nos fez a todos "nação sacerdotal" e foi para todos a missão de ir e fazer discípulos. Precisamos desesperadamente buscar alcançar o nível de pais espirituais. Ou, como afirma Ellen G. White,"toda alma que Cristo salva é chamada a trabalhar pelos perdidos". Toda. 

Está longe do nível de "pai"? Bom, eis aí um ótimo assunto pelo qual orar. Acompanhar um bom "pai" enquanto exerce sua "paternidade" por algum tempo pode ajudar também.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

A herança que não queríamos

Ainda em meus tempos de adolescência, li uma matéria sobre como somos afetados desde o útero por experiências vividas pela mãe e aquilo me deixou meio deprimido. Eu tinha a ilusão de estar escrevendo a pessoa que eu era sobre uma folha totalmente em branco. Eu tinha a ilusão de ser o resultado de minhas experiências e escolhas, só, no entanto aquilo me dizia que eu carregava uma herança que eu nem sabia qual era. Me pareceu injusto.

Conforme amadureci notei que era assim mesmo. Todo mundo tem um cacoete, um jeito de andar, um traço de personalidade, uma risada ou um hábito nitidamente herdados. Para além disso, apurando o olho dá pra notar que todo mundo carrega bençãos e maldições das escolhas de gente que veio antes de si. O fato é que não construímos o que somos sobre um solo limpo, construímos sobre algo que herdamos e a pergunta passa a ser: esse fundamento define ou não o tipo de prédio que vamos construir?

Na Bíblia, as famílias tipo "família americana feliz", com pai, mãe, filho, filha e um golden retriever, sorrindo todos abraçados para a foto, são exceção à regra. As que chegam mais perto disso são aquelas de que não se fala muito, em geral. A família de Jacó, por exemplo, tem suas disfunções, algumas delas bem sérias. Os pais dele tinham, cada um, um filho predileto. Na geração seguinte o mesmo padrão se repete, Jacó também tem seu predileto, José. Jacó tinha enganado o próprio pai por uma benção e depois foi enganado pelo sogro para casar-se não com uma, mas logo duas de suas filhas. Não contente em ser casado com duas irmãs, ele tomou para si duas concubinas. Mais tarde seu filho mais velho envolveu-se sexualmente com uma dessas concubinas. Outro filho era chegado em prostitutas, o que o levou a deitar-se sem saber com a própria nora. 

Considerada dessa forma, a bagagem que José carregou para o Egito não foi nada promissora. Ele era o filho mimado de um pai permissivo sexualmente, havendo crescido entre irmãos igualmente permissivos e ao chegar ao Egito, agora como escravo, longe dos olhos de todas as pessoas que conhecia e amava, com todas as razões para sentir-se esquecido por Deus, uma de suas primeiras provas foi justamente ser ou não ser puro sexualmente. A mulher de Potifar tentou seduziu-lo. Era fácil deixar a carruagem seguir seu rumo, repetir o padrão de sua família, ainda mais naquelas circunstâncias, mas José era diferente. José resolveu construir um prédio de arquitetura totalmente diferente daquele que seu fundamento recomendava. Ele tenta discutir racionalmente com a ninfomaníaca patroa: "Como posso cometer esse grande mal e pecar contra Deus?" (Gênesis 38:9).

Essas palavras refletem uma opção destacada de José. Ele está dizendo: eu conheço minha herança, eu sei como as coisas são feitas na casa de meu pai, e eu rejeito tudo isso. Eu quero outro tipo de coisas para mim. Não é à toa que, quando lhe nasce seu primeiro filho, ele o chama Manassés, "porque disse: Deus me fez esquecer de todo o meu trabalho, e de toda a casa de meu pai" (Gênesis 41:51).

Minha cisma adolescente acabou de forma feliz. Eu trago coisas comigo que não foram escolha minha, mas não preciso continuar o caminho com elas. A herança é dura? O padrão parece querer se repetir em você? Deus tem o poder de quebrar essa corrente. Deus tem o poder de fazer você se esquecer das coisas que carrega em seu DNA. Você não precisa ficar aprisionado pelos muros de seus traumas, complexos e pelos hábitos herdados. Não importa quantos andares já tenham sido construídos, daqui pra diante sua casa pode ter uma arquitetura totalmente diferente. Aproxime-se de quem pode fazer e não saia da presença dEle até ouvir a resposta a sua oração.