sexta-feira, 27 de março de 2015

O que se pode esperar de Deus

Você se aproxima do caixa eletrônico com a expectativa de que em poucos minutos ele vai te dar o dinheiro de que você precisa. Tchau, caixa eletrônico. Você se aproxima do poço dos desejos com a expectativa de que, jogando a moedinha lá dentro, em algum momento quando você estiver longe do poço dos desejos o seu desejo vai se concretizar. Então pimba, moedinha na água e tchau, poço dos desejos. Você se aproxima daquelas máquinas de cassino com a expectativa de que talvez a moedinha que você coloca lá vai resultar num montão de moedinhas. Depois de tentada a sorte, tchau, máquina. Você vai aproveitar o que conseguiu. Você vai viver sua vida. 

E talvez você se aproxime de Deus como quem se aproxima de um caixa eletrônico, um poço dos desejos, uma máquina de cassino.

Jesus havia alimentado miraculosamente uma multidão com alguns milhares de pessoas. A excitação foi tão grande que algumas pessoas queriam coroá-lO rei ali mesmo. Mas Ele não queria ser rei. Não esse tipo de rei. Com muito esforço e habilidade Ele obriga Seus discípulos a entrarem num barco e começa a dispersar aquela multidão. Quando consegue, enfim, vai andando sobre as águas encontrar-se com os discípulos no meio do mar da Galileia. Uma série de coisas interessantes acontece nos entremeios dessa história, mas quero me concentrar no dia seguinte, quando pessoas que haviam comido de graça no dia anterior encontram Jesus do outro lado do mar. Eles estão espantados e querem saber mais a respeito desse novo milagre, mas Jesus corta o papo dizendo que eles queriam mesmo era ter a barriga cheia de novo. Eles não "entenderam os atos miraculosos" (João 6:26, BV).

Por outras palavras, Jesus está dizendo: vocês se aproximam de mim pelos motivos errados. Vocês se aproximam de mim por algo muito menor do que o relacionamento comigo pode e deve dar a vocês. 

Quando aquelas pessoas então perguntam o que deveriam fazer, a resposta é incisiva, clara e (para pessoas acostumadas com a relação caixa eletrônico/poço dos desejos/máquina caça-níquel) desagradável: "A vontade de Deus é esta: que vocês creiam naquele que ele enviou" (v. 29).

A reação deles é bastante ilustrativa da nossa relação utilitária com Deus: "O Senhor deve nos mostrar mais sinais miraculosos, se quiser que nós creiamos no Senhor" (v. 30). Mais? O dinheiro que saiu fantasticamente ontem do caixa não foi suficiente? O desejo que se realizou de modo maravilhoso não foi o bastante para mostrar quem Eu sou? As bençãos que Eu tenho derramado sobre você e sua casa não são suficientes para demonstrar que Eu sou Deus, que você deve crer em Mim, que você deve se relacionar comigo muito mais do que na hora da necessidade? Todo o seu passado não é evidência suficiente para você perceber que Eu posso ser muito mais do que aquele que mata sua fome temporal, que eu posso lhe indicar o caminho da vida, vida abundante e eterna? Que eu posso te dar uma benção imaterial que supera infinitamente o valor dessas bençãos materiais que você busca na relação comigo?

Tudo o que eu quero nesta vida é não chegar um dia em que eu escute dEle: você se aproximou de Mim pelos motivos errados.

sexta-feira, 20 de março de 2015

No meio deles

Cresci acreditando que a forma ideal de fazer alguém que não liga para religião se converter era convencê-la de alguma forma a aceitar estudar a Bíblia. Durante o processo da exposição sistemática das Escrituras o Espírito Santo atuaria e aí, pumba!: a racionalidade da pessoa a constrangeria à conversão.

Tentei esse método muitas vezes, com baixíssimo êxito. Apesar de a culpa muito possivelmente ser minha e de minha inabilidade para fazer apelos incisivos, não posso deixar de notar a desconformidade desse método com o empregado pela pessoa a Quem eu digo seguir.

O evangelho de Lucas narra uns poucos eventos depois da crucificação. Primeiro vemos um Pedro "abalado e admirado" perante o túmulo vazio e na sequência vemos aqueles discípulos deprimidos voltando a Emaús acompanhados do próprio Jesus. Depois de reconhecê-lO, eles voltam aos tropeções, de noite mesmo, explodindo de alegria, até Jerusalém para compartilhar a notícia fantástica. No caminho até Emaús, "começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele nas Escrituras" (v. 27).

Aqui temos a única passagem em que vemos Jesus fazendo uma exposição sistemática das Escrituras. 

Aparentemente, Jesus aguardou até algo acontecer com Seus discípulos, algo que os fizesse ouvir com verdadeira sede de salvação. Até que isso acontecesse, Ele viveu com eles. 

Eu sei, eu sei. Encontrar a pessoa algumas semanas para estudos bíblicos, fazer um apelo e então dizer "hasta la vista" e cada um segue seu caminho é mais confortável, não é? Precisar se envolver, acompanhar a pessoa até a maturidade, se doar... bem, isso é mais custoso.

O que você acha que Jesus quis dizer quando afirmou que se alguém quer segui-lo deve negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e andar no caminho que Ele caminhou? Certamente Ele não estava dizendo: venha comigo e vou te conduzir pelos caminhos mais confortáveis.

Viva no meio deles. Peça ao Espírito Santo para fazer você não deixar passar nenhuma oportunidade de mostrar-lhes que você é espiritual. Ame. Esta é a missão que Ele deu a você.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Ótimos argumentos

Eu tenho ótimos argumentos.

Por exemplo, se eu tenho 120 anos e Deus me pede para sacrificar meu único filho de 20 anos, que nasceu em cumprimento a uma promessa dEle, eu posso falar assim: "essa voz não é de Deus porque Deus não gosta de assassinato. Eu devo estar esquizofrênico". E aí eu não vou.

Por exemplo, se eu estou no meio duma multidão em frente a uma estátua enorme com a cara do rei e ele avisa que quando a orquestra tocar todo mundo tem que se ajoelhar e adorar a estátua como se ela fosse um deus se não vai ser jogado numa fornalha ardente, eu posso falar assim: "bom, no meu coração eu sei que isso aí não é deus nenhum, é só um monte de ouro. Eu posso muito bem ajoelhar aqui e orar no meu coração ao Deus verdadeiro. Ele vai entender". E aí eu ajoelho.

Por exemplo, se Deus pede para eu ir até o meio da favela, chegar na boca de fumo mais escondida e gritar que se aqueles traficantes não se arrependerem em 40 dias Ele vai fazer descer fogo do Céu, eu digo assim: "Eu tenho mulher e quatro filhos pra criar. Se aqueles caras realmente merecem ouvir essa mensagem, Deus pode muito bem mandar alguém que tem menos a perder lá, ou quem sabe trazer os caras pruma situação em que eu não vou certamente sair num saco preto". E eu não vou.

Por exemplo, se Deus me pede pra ser puro e fiel o tempo todo eu posso dizer que "ninguém é de ferro". 

Se Deus me pede pra honrar o sábado, eu posso dizer que "Ele certamente não quer que eu perca o emprego porque assim eu não poderia mais dar as ofertas lá na igreja".

"Deus é amor e Ele vai entender".

"É só uma fase".

"Quando Ele diz não faça isso Ele na verdade quer dizer não faça aquilo".

"Eu sou melhor que a maioria".

"Deus não leva as coisas assim a ferro e fogo".

"Ninguém é perfeito mesmo".

"Meu casamento está uma droga mesmo, eu estou carente".

"Deus sabe que isso eu herdei do meu sangue [espanhol/latino/italiano/alemão/russo/etc] e não dá pra mudar".

E aí por diante.

Eu tenho ótimos argumentos.

E, pensando bem, eles nem precisariam ser tão ótimos pra me convencer a fazer algo diferente daquilo que Deus pede. Desde que seja exatamente isso que eu queira. Desde que o que Ele pede não seja o mais conveniente e confortável.

Eu tenho ótimos argumentos e sou um grande perito em me enganar.

sexta-feira, 6 de março de 2015

O teste do discipulado, questão 3

Vamos ser bem honestos aqui: é possível que você esteja satisfeito com sua religião apenas para um belo dia descobrir que ela é mera casca, mera perfumaria, maquiagem. Você pode descobrir que não é um seguidor de Cristo como afirmou ser por anos a fio, mas apenas integrante de um clube religioso. Partilha algumas crenças, um estilo de vida, participa de alguns ritos... mas não se parece na essência com a Pessoa a Quem diz seguir.
Para fazer o teste do discipulado, para determinar se você está efetivamente seguindo a Pessoa e não o que as pessoas fizeram dEla, basta notar se hoje você é mais parecido com Ele no que Ele tem de essencial. Sugeri que esse teste começasse com a obediência. Você é hoje mais obediente à vontade de Deus do que era há algum tempo? Bem, Cristo foi “obediente até a morte”... A segunda pergunta é: você é hoje mais honestamente humilde do que era? A humildade de Jesus constrange você a ter uma noção menos inflamada de si próprio e de seus méritos pessoais?
Mas o mundo tem bastante gente obediente, pessoas que não “fazem nada errado”, e bastante gente naturalmente humilde. Tanto umas como outras podem não ter nada a ver com Jesus Cristo. É preciso continuar o teste.
Outro elemento radicalmente marcado na pessoa de Jesus que está estampada na Bíblia é sua propensão ao serviço. Nas palavras de Ellen White: “Volvendo-nos, porém, de todas as representações secundárias, contemplamos Deus em Cristo. Olhando para Jesus, vemos que a glória de nosso Deus é dar. ‘Nada faço de mim mesmo’, disse Cristo; ‘o Pai que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai’. ‘Eu não busco a minha glória’, mas a dAquele que Me enviou. Manifesta-se nestas palavras o grande princípio que é a lei da vida para o Universo. Todas as coisas Cristo recebeu de Deus, mas recebeu-as para dar” (DTN, p. 21).
Em diversos momentos nos evangelhos o dia-a-dia de Jesus é resumido com a fórmula “ensinava nas sinagogas, pregava às multidões, curava seus enfermos”. Embora cada uma dessas coisas possa ser realizada por motivos egoístas, o altruísmo de Cristo e Seu foco na solução dos problemas dos outros é evidente.
Viver para servir, contudo, não significa atender os desejos das pessoas, mas estar constantemente disposto a fazer o que for preciso para suprir suas necessidades. Jesus disse “não” para o sujeito que queria fazer dEle um juiz de uma questão civil e Se recusava a ser o que os outros quisessem que fosse. Ele não tinha medo de frustrar as expectativas dos outros, porque Seu alvo era dar o que as pessoas ao Seu redor efetivamente precisavam, e não o que achavam que precisavam.
Isso também não significa que Ele não cuidasse de Si próprio. Sabia que precisava retirar-se para a solidão para orar e meditar, mas o fazia porque sabia que a gente só pode dar daquilo que tem. Era preciso estar constantemente cheio do amor de Deus para ser o servidor que foi.
Obediência e humildade têm que ver com a negação do orgulho. Serviço tem que ver com a negação do egoísmo. Seguir a Cristo, contemplar Seu caráter dia a dia, produz uma aversão profunda a ambas as coisas.
Quem disse que seguir a Cristo seria banal? O caminho é muito alto, amigo. Alto e cheio de delícias.