terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O natal e a solidão

O primeiro dia de Adão deve ter sido dos mais interessantes. Imaginar o que deve ter sido seu primeiro pensamento é tarefa complicada. O único ser humano que começou assim, adulto. O único que começou assim, abrindo os olhos e tendo como primeiro objeto de sua visão o próprio Deus. Adão passou a percorrer o Éden, nominando cada animal. Também é difícil imaginar se ele já tinha a capacidade de pasmar com a multiplicidade de cores, texturas, formatos, pelagens e plumagens que deve ter desfilado à sua frente ou se, por ser tudo novo, tratou a tudo como relativamente normal. Mas uma coisa sabemos: ele sentiu solidão, inaugurando aquele que é possivelmente o mais universal dos sentimentos humanos.

Ao final de cada dia da criação, o relato bíblico dá conta de que Deus parou para contemplar o que havia feito. E, depois da contemplação, veio o vaticínio: era tudo muito bom. Tudo agradava a Deus, tudo havia saído conforme Ele havia projetado. A primeira e única expressão distinta, de desagrado do Criador, está registrada em Gênesis 2:18: “Não é bom que o homem esteja só”. Solidão, portanto, era a primeira e única coisa que não estava bem na Criação de Deus.

Adão deve ter visto todos os animais aos pares e, assim, e deve ter pressentido que lhe faltava algo. Podemos entrever o fato pelo que ele disse quando acordou da anestesia geral aplicada por Deus e viu Eva, linda e esplendorosa à sua frente. Contrariando Freud e seu “tudo é sexo”, Adão não deixou sair nenhuma interjeição de pasmo pela beleza ou por qualquer atributo, digamos, estético de sua companheira. Sua exclamação foi de uma outra natureza. Veja: “esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne” (Gênesis 2:23)! Adão percebeu que sua solidão havia acabado, havia ali à sua frente alguém com quem podia se identificar, alguém que ele podia chamar de companheira.

De modo análogo, a solidão universal da raça humana um dia terminou. O Criador assumiu a nossa forma. Naquela estrebaria em Belém o ser humano viu que não estava sozinho, havia ali o Deus feito “osso dos nossos ossos e carne de nossa carne”. Emanuel, o Deus conosco, mesmo ali, com os olhinhos ainda fechados, o choro agudo, a pele suja de sangue, as mãos minúsculas, exalando por todos os poros uma impressionante fragilidade, era o que nos faltava. Nossa única - nossa maior - carência estava suprida.

É porque Deus não suporta nossa solidão que comemoramos o natal. E embora agreguemos à data uma porção de coisas que não têm absolutamente nenhuma relação com o que deveria ser a verdadeira fonte de nosso júbilo (presentes, comilança, enfeites), é, de modo emblemático, a época em que buscamos a todo custo não estar sozinhos, rever os que vemos pouco, sorrir – às vezes timidamente, às vezes hipocritamente – uns para os outros.

Suponho que Adão não hesitaria em apontar ao momento em que se encontrou com Eva como aquele no qual começou a viver de fato. Por que, então, não aproveitamos para, ao nos encontrar com o Deus embrulhado em humildes panos da manjedoura, imitarmos Adão?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

"Como entrar no Reino em dois dias"

Um fato que o leitor da Bíblia logo descobre é que ela é impiedosa na hora de dizer quem ele é. Não precisa chegar lá em Romanos e ler que “todos pecaram, e destituídos estão da glória de Deus” (3:23), logo nos primeiros capítulos de Gênesis fica bem claro o tipo de sujeitos que nós, como pertencentes da raça humana, somos. Mas o leitor da Bíblia consegue continuar a leitura e então descobre um outro fato: a Bíblia também carrega nas tintas na hora de descrever o tipo de pessoas que nós podemos ser. Vencedores, impolutos, justos, amorosos, benignos, fiéis, corajosos, compassivos, misericordiosos, cheios de paz e serenidade e movidos a esperança.

Em suma, o leitor da Bíblia logo descobre que há algo que ele é e algo radicalmente diferente no que ele deve se tornar. Há um abismo aparentemente intransponível entre um momento e outro. A distância é grande demais! Muitos desanimam e deixam pra lá, se conformando com alguns ajustezinhos exteriores (estilo de vida, vestuário, etc). Mas há alguns outros que querem realmente saber como sair do momento A para o momento B, aquele no qual ele se torna o que Deus sonhou para ele.

Bem, a idéia tradicionalmente pregada por aí a respeito do programa “como se tornar um cidadão do reino de Deus” envolve, basicamente, começar a freqüentar uma igreja, aonde, com alguma sorte, ele vai ser encorajado a ler alguns versos da Bíblia por dia, a orar antes das refeições e/ou antes de dormir e a prestar atenção no que um líder espiritual vai falar durante trinta ou quarenta minutos uma vez por semana. Isso, mais a participação em alguns sacramentos (que variam de igreja para igreja), seria o programa completo.

Seria esse o caminho? Bem, voltemos a nossa condição de leitores da Bíblia e aí vamos ser forçados a identificar nas biografias de praticamente todos os grandes homens ali mencionados um período em que o contato com Deus foi intenso – e não de apenas uns curtos momentos diários. Moisés passou 40 anos no deserto, Paulo passou 3 anos na Arábia, Jonas passou 3 dias no ventre de um peixe, José teve seu período decisivo enquanto era levado como escravo até o Egito. O próprio Jesus passou 40 dias no deserto e Seus discípulos, 50 dias reunidos “e perseveravam unânimes em oração” (Atos 1:14). Isso evidencia que o tempo varia de um para outro, mas o padrão é repetido vezes demais para ser negligenciado. Em suma, a conclusão é: precisamos de um período de intenso contato com Deus. Precisamos de um tempo de “deserto”.

Dallas Willard usa uma ilustração do fato que vale a pena repetir: postar-se abaixo de um chuveiro que deixa cair um pingo a cada 5 minutos, ainda que durante horas ou dias inteiros, não vai fazer você tomar banho.

Faça seus planos. Projete seu tempo de deserto. Um final de semana, um feriado. Um lugar sem televisão, sem muita gente, de preferência sem ninguém que você conhece. Tenha por companhia uma Bíblia, um hinário, talvez um bom livro. Mas o vital é não ter um programa cheio. Você precisa de tempo, muito tempo livre. E o mais importante: você precisa de sede e fome de conhecer a Deus.

Ou então, contente-se com as gotas esparsas que você tem permitido caírem sobre você.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Por exemplo

, eu pego metrô e trem quase todo dia em São Paulo. Às vezes, na hora de sair do vagão, o povo que está fora e quer entrar não espera quem está dentro sair; também às vezes, quando eu quero entrar, encontro uns folgadaços parados com cara de paisagem na porta. Nessas ocasiões eu geralmente me valho do fato de ter 1,92m e faço de conta que essas pessoas não estão no lugar aonde não deveriam estar, esbarrando (atropelando, melhor dizendo) sem dó. Invariavelmente me congratulo pelo fato de haver "dado uma lição" nos tais e me embalo na esperança de que eles nunca mais tomarão essa atitude no futuro.

Mas aí pode ser que eu me lembre de que um dia Jesus Cristo olhou pra mim e disse: "segue-me" e eu, supostamente, deixando tudo O segui. Ao fazer isso, me tornei um seguidor dEle, que vale como um sinônimo de "um aprendiz dEle" e que é mais comumente conhecido pela expressão "discípulo". Eu, supostamente, faço as coisas do jeito que Ele faria no meu lugar.

E aí eu me pergunto como Jesus sairia do trem metropolitano. E eu me envergonho.

* * * * * * * * *
Eu sou branco, alto, advogado, heterossexual, casado, tenho dois filhos, não tenho tatuagens, sou vegetariano, adventista do sétimo dia, existe muito mais gêneros musicais que não suporto do que os que só tolero ou gosto mesmo, sou sãopaulino e adoro ler.

Meus amigos divergem pouco dessa descrição. No geral, apenas distoam em no máximo quatro ítens dessa lista.

O mundo, no entanto, é povoado de pessoas que podem muito bem divergir completamente em todos os quesitos.

Se me preocupo com o fato de haver aceitado o papel de seguidor de Jesus, deveria naturalmente me preocupar com a forma como me relaciono com esse enorme contingente de pessoas diferentes de mim, porque o relato bíblico dá conta de que meu Mestre era craque em não ligar a mínima para esses aspectos todos.

Em suma, se minha religião não transformou radicalmente a forma como enxergo pessoas, especialmente as diferentes de mim, ela não me fez bem nenhum, porque me distanciou do Autor dela.

* * * * * *
Se sou um seguidor, um discípulo, um aprendiz de Jesus Cristo, tudo o que faço deveria ser uma tentativa sincera de imitá-lo. Na minha prática diária, no jeito que sento, naquilo que como, no que demoro meus pensamentos. Tudo o que faço deveria ser - e aí termino como comecei - por exemplo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Morra!

Somos, em geral, criaturas muito apegadas à vida. Ainda que na maior parte das vezes, vida seja sinônimo de mera sobrevivência ou, pior, de uma sucessão infindável de pequenos ou gigantescos prazeres alinhados sem muito sentido. Não conseguimos chegar a um consenso sobre a definição da palavra vida, mas nos apegamos ao "que-quer-que-seja" com unhas e dentes.

Então Jesus chega e diz: "Digo-lhes verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto" (João 12:24). O que Jesus quis dizer?

Primeiramente, reconheço pelo Seu discurso que, para o Criador, vida é sinônimo de dar muito fruto. Viver só, viver para si, é existência, não vida de fato. Segundamente, sei que preciso, em algum ponto de minha existência (quanto mais cedo melhor), me esvaziar para poder ser cheio do que realmente interessa. Preciso cair no chão. Cair no chão e então morrer. Preciso desesperadamente tirar, ainda que com
dor, minhas unhas e dentes disso a que chamo vida.

No clássico Os irmãos Karmázovi, de Dostoievski, o padre Zózima explica assim o texto de João: "Muitas coisas na terra nos estão ocultas, mas, em compensação disso, foi-nos dado um misterioso senso interior do nosso vínculo vivo com o outro mundo, com o mundo mais alto e celestial, e as raízes dos nossos sentimentos e pensamentos não estão aqui, mas em outros mundos. É por isso que os filósofos dizem que não é possível compreender a natureza essencial das coisas da terra. Deus tomou
sementes de outros mundos e as semeou aqui nesta terra e fez a sua horta crescer, e tudo o que podia vingar vingou, mas tudo o que cresce está vivo e vive apenas por meio do sentimento do seu contato com outros mundos misteriosos: se esse sentimento se enfraquecer ou for destruído dentro de vocês, então o que dentro de vocês cresceu
também vai morrer. Então vocês ficarão indiferentes à vida e até passarão a odiá-la".


Não odeie o que é vida de verdade. Morra!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Sugestão de resposta a uma pergunta crucial

- Quer uma carona? perguntou inclinando-se para olhar o outro pelo vidro do carro. O outro hesitou um pouco mas respondeu:

- Olha, vou ser bem sincero contigo: esta caminhadinha diária até em casa é o momento que eu tenho separado para orar. Eu tava aqui tendo uma conversa deliciosa com Deus. Acho que vou continuar na pernada mesmo, obrigado!

- E se – perguntou o motorista, depois de passada a vez dele de hesitar um pouco – eu pedisse pra você me ensinar a fazer essa coisa aí?

- Bom, acho que aí é diferente. Abriu a porta e acomodou-se apertando a mão do vizinho – O que você quer saber?

- Acho que tudo. O que é oração, como é que eu faço... tudo.

- Bom – depois de respirar fundo – sabe que tem na Bíblia, no livro de Isaías, que viveu uns mil anos antes de Jesus, uma profecia sobre o nascimento de Jesus? Há várias, aliás. É como se no ano 1000, lá antes da Idade Média, alguém escrevesse num livrinho que você ia nascer, desse o ano do seu nascimento e dissesse seu nome. Essa profecia específica que eu tô dizendo, diz que o nome da criança que ia nascer de uma virgem seria Emanuel, que quer dizer "Deus conosco". Aí a profecia não está errando o nome de Jesus, está é definindo sua missão. Jesus ser o "Deus conosco " significa que Ele veio aqui pra gente saber como é Deus de verdade. Deus conosco significa que olhando pra Jesus a gente aprende quais são as prioridades de Deus, como Ele trata as pessoas, quais os sentimentos dEle em relação a nós, o que Ele acha importante de verdade. E diz que Ele está ao alcance. Você entende o que isso significa? (olha a lombada!) Significa que Deus, embora tenha um poder absolutamente incompreensível – Ele mostrou um pouquinho nos muitos milagres que fez – resolveu Se fazer acessível a nós! Mais que isso, Ele veio atrás da gente. A gente virou as costas para Ele e Ele não deixou a coisa acabar assim. Ele fez uma loucura pra estar perto de mim, pra estar perto de você. Ele fez a coisa mais louca para garantir que você possa estar perto dEle já agora, aqui. Se você tem essa idéia de Deus na cabeça, você já pode imaginar o que é orar.

- ...

- Como você se dirige a alguém que, embora sendo muito melhor que você, é plenamente acessível? Mais que isso: seria certo você deixar de se dirigir para alguém assim?

- Mas eu não sei as palavras...

- Diz pra Ele. Diz: Deus, eu não sei como falar com o Senhor. Me ajuda. É uma bela primeira oração.

- "Diz pra Ele..." – o motorista ficou repetindo isso algum tempo depois que o vizinho se despediu prometendo continuar a conversa oportunamente. No vão entre as palavras, ele pressentia, havia uma revolução a caminho.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Uma lei universal

Você chegou da rua com muita fome e correu para a cozinha. A fome é tanta que você opta por fazer um sanduíche, mas não tanta que você não se decida a fazer “o sanduíche perfeito”. Você desce da despensa o que há de melhor e monta sua refeição com requintes de plasticidade. Depois de pronto, olhando para sua criação com orgulho e impelido por um desejo irrefreável de destruí-la imediatamente, você se senta, o pega nas mãos e abre a boca. Mas antes de morder, eis que o seu cachorro chega e senta à sua frente. Talvez até ponha uma pata sobre o seu joelho. Pode ser que você não dê uma única lasquinha do pão do seu sanduíche, mas eu duvido que você possa comer simplesmente ignorando que ele está ali, olhando pra você com olhos suplicantes. Por mais que ele faça isso toda refeição e que você tenha dito “não” milhões de vezes, o pedido sempre mexe com a gente e se não o atendemos, ele nos põe desconfortáveis.


Essa imagem foi sugerida por Dallas Willard no livro The divine conspiracy como forma de demonstrar o que ele chamou “uma lei universal”: a lei do pedido. Viver com outras criaturas é pedir e ser pedido o tempo todo. Os especialistas dizem que crianças com problemas de comportamento estão geralmente pedindo, seja atenção – por terem carência disso junto a seus pais – seja um gesto qualquer de afirmação, algo que lhes faça saber que são amadas incondicionalmente. Willard chega a sugerir que ensinamos nossos filhos a dizer “muito obrigado” e “por favor” como forma de torná-los civilizados e educados, mas, no fundo, também como uma forma de tornar mais eficazes seus pedidos, de ajudá-los a conseguir o que precisam.

Jesus insistiu muito na necessidade de pedirmos coisas a Deus e pedirmos insistentemente (Mateus 7:7, Lucas11:9) e dá até algumas interessantes parábolas para ilustrar o fato. Ele não insistiria tanto em algo que não fosse útil para nós, algo de que precisássemos, se não todas ao menos boa parte de nós. É que não pedimos. Pedimos pouco. Acho que homens, primordialmente – nós odiamos pedir informações no trânsito e ferramentas emprestadas. Deixamos de pedir porque não nos consideramos dignos - o que seria uma grande ofensa para nosso Pai - ou porque temos orgulho e não queremos reconhecer que precisamos de algo fora de nós mesmos. Podemos pedir, mas timidamente e sem insistir no pedido, ou porque achamos que Deus teria obrigação de atender ao primeiro pedido ou porque desconfiamos do amor dEle ou de Sua capacidade de atender. Não pedir a Deus o que nos vai ao coração é contrariar uma lei do universo criado por Ele. Você não se diminuirá por pedir, ao contrário, estará conectado à fonte da verdadeira grandeza.

E não se esqueça. A lei é a expressão do caráter do legislador. Pedir é uma lei do universo criada por Alguém ávido de que Lhe peçam, mas que também pede. Ele tem pedidos a você hoje. Toda relação é uma via de mão dupla, não cometa a loucura de tratar o Seu Criador como uma dessas máquinas onde colocamos uma moedinha (a oração), retiramos uma latinha de refrigerante, viramos as costas e vamos embora. Ele não hesita em pedir.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Mário Jorge Lima é autor de algumas das mais profundas letras de música que conheço. Me contou que há algum tempo sua filha encomendou uma música para o seu casamento. Ela vive nos EUA, está longe dele há muitos anos. Ele me disse que achou que teria muita dificuldade, porque falar de amor não é fácil, embora pagodeiros e sertanejos pareçam desmentir. Não desmentem o fato, pela simples razão de que eles não falam de amor. Falam de um genérico da mais alta das virtudes, muita vez confundido com um embate de hormônios.
Mário Jorge conta que orou, respirou fundo e, duma sentada, deu à luz essa obra prima. Não se engane: o tema dela é, de fato, amor. Amor que merece ser cantado, ainda.

O QUE É O AMOR ?
Letra: Mário Jorge Lima Música: Lineu Soares
I
Já muita coisa tem sido escrita, pensada e dita sobre o Amor

Muitos poemas, muitas histórias, filmes e dramas, muitas canções,
Em nome dele o mal e o bem já mediram forças, se debateram,
E ele, com freqüência, foi confundido com a loucura e as paixões.
É um sentimento de muitas formas, é o dom completo e mais profundo,
Junta as pessoas, produz amigos, está disponível para quem quiser,
Mantém os lares, forma famílias, transmite a vida e move o mundo,
E num momento mágico e belo une um homem a uma mulher.

Coro
Amar o outro e ser feliz é bem mais que música ao luar,

É mais que olhares, mais que euforia, é mais que impulso ou emoção,
É mais que festa ou mesmo um romance, mais que um ao outro se entregar,
É ter consciência, cumplicidade, é a mais pura e firme determinação.
E para quem tem o entendimento das coisas sublimes, espirituais,
E crê que o Amor teve a sua origem bem mais acima, além do céu,
Eu conto agora um grande mistério: o Amor é mais, é uma pessoa,
O Amor tem nome, Ele está vivo, o Amor é Cristo, o Amor é Deus.

II
A nossa vida segue caminhos nem sempre lógicos, ou planejados,

Causamos dores, nos afastamos do equilíbrio e da coisa certa,
Erramos muito, somos humanos, somos teimosos, atrapalhados,
Na vida a dois há que saber disso, ser tolerantes, e estar alertas.
Mas, é nessas horas de imensa crise que o Amor se mostra de forma intensa,
E a vocês, que amo, eu peço agora, guardem bem fundo no coração:
Quando o Amor resiste, quando ele espera, quando suporta, e, como Deus, esquece,
Tem um outro alcance, possui outros nomes, é chamado Graça, chama-se Perdão.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Voltando e descansando II

Não apenas contra o cansaço endêmico de nossos dias, mas contra outros males igualmente universais como solidão, desesperança, frustração, sensação de falta de sentido e angústia pelo que virá, existe salvação. “Voltando e descansando sereis salvos” (Isaías 30:15) é a garantia assinada pelo próprio Deus.

A palavra voltando me ensina uma verdade um tanto amarga: não dá para ter salvação sem uma mudança de direção. Não é possível ser salvo e continuar na mesma marcha, para o mesmo destino, seguindo a correnteza desse mundo. Escolher o remédio para todas aquelas patologias da alma implica em aceitar mudar o curso. E mudar o curso implica em, quem sabe, mudar o tipo de lazer predileto, mudar a forma de emprego do tempo, coroar outro tipo de prioridades na vida. Tudo isso seguindo orientações de Alguém, sem mais confiar no próprio coração para determinar as escolhas dessa vida. Voltando quer dizer que um retorno é necessário. Para sentimentos da infância, para valores do passado, para o ideal de Seu Criador a seu respeito.

Mas, se voltando encerra uma verdade desconfortável, descansando é um baita consolo, para contrabalançar benção e responsabilidade, um binômio sempre presente nas Escrituras. Isaías não diz que quando formos salvos descansaremos. Diz que o processo de salvação é um processo de descanso.

Assim, não precisamos espernear para sermos salvos. A salvação acontece fora da gente e só precisamos voltar, olhar para o lado de onde vem o socorro, ou seja, para o alto. Como todo pai que ama perdidamente seus filhos, Deus não gosta de vê-los estafados e sobrecarregados. "Vinde a Mim os cansados e oprimidos" foi o que disse quando chegou tão perto que não poderíamos não ouvir. Descanse – é Seu recado. Descanse enquanto é salvo. Pode haver uma tormenta enorme lá fora, as coisas podem estar escuras, o horizonte pode estar especialmente incerto nesta manhã. Pode haver coisas mal resolvidas com certas pessoas, pode haver a dor de uma injustiça. Pode haver uma cruz muito pesada para carregar ou o vão de uma ausência especialmente dolorosa. Não importa - a consciência de que o Salvador está por perto pode ser um porto seguro de descanso, mesmo aqui, mesmo antes de todas as coisas se resolverem.

Na calma e na confiança estará sua força, é o jeito que termina Isaías 30:15. Porque se minha salvação vem com um retorno e descanso, sei que fortes não são os que apregoam poder mudar as coisas, mas aqueles que aprendem a confiar.

Faz-nos fortes, Pai.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Inauguração - sobre o cansaço e o título deste blog


O planeta Terra só foi ter um bilhão de pessoas pulando em cima dele lá por 1840d.C.. Ou seja, levou quase 6.000 anos para chegarmos ao primeiro bilhão. Já estamos no sexto, contudo, e entre o quinto e o sexto foram meros 12 anos. Evidentemente estamos vivendo uma explosão demográfica impressionante.

Se engrossarmos o caldo com a noção de que até há cem anos a população no Ocidente estava concentrada 80% no campo e só 20% nas cidades, mas que a proporção se inverteu completamente agora, constataremos que esse monte de gente está empilhada nas grandes cidades, com espaços reduzidos para tudo. Com cotoveladas, pisões, puxões, empurrões, odores fétidos, irritações e quejandos.

Se adicionarmos à receita a lei da demanda e da oferta, veremos que por estarmos no coração da explosão demográfica, há muito mais gente correndo atrás do pão de cada dia, que, por sua vez, está cada vez mais longe, a não ser que você chame comida congelada de pão-nosso. E se lembrarmos que o que o homem considera “pão nosso de cada dia” hoje é muito mais do que considerava há décadas, ou seja, que inventamos necessidades que não existiam e consumimos uma montanha de lixo inútil sem pestanejar, teremos uma idéia das razões pelas quais vivemos todos cansados e estressados.

Durante boa parte da história do homem, ele viveu cansado pela busca da salvação de sua alma. Essa foi a preocupação preponderante em eras e eras. “O que devo fazer para ser salvo?”, a pergunta que o jovem rico fez a Jesus, era mais repetida que o “de onde viemos e para onde vamos?” Não à toa as mais destacadas personagens de boa parte dessas sociedades eram aqueles que detinham a resposta a essa pergunta: os sacerdotes.

Agora, contudo, que vivemos a quilômetros da horta e do pomar mais próximos, que encontrar o básico e aquilo que nós consideramos ser básico - e que não é - custa muito esforço, requer atenção a uma infinidade de coisas acontecendo ao mesmo tempo, em velocidade frenética, agora que sobreviver requer uma longa caminhada para longe das coisas da alma e das preocupações com a eternidade, o cansaço é epidêmico e mil vezes mais venenoso, porque não tem o consolo da esperança que a preocupação com a eternidade dá. Fomos longe de Deus e estamos estafados – este poderia ser o resumo do raio-X do nosso século.

Mas olhem a resposta-convite que achei. “Pois assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel: Voltando e descansando, sereis salvos; no sossego e na confiança estará a vossa força” (Isaías 30:15).

A salvação é uma volta e um descanso. Não precisamos de mais nada além disso.

* * * * * * * * *
Abro este blog para nele desaguar minhas pequenas reflexões sobre as coisas que nos bastam, que, tendo, não precisamos de mais nada. As coisas essenciais, portanto.