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que estás nos céus...
Mateus 6:9
Jesus nos lembrou que nosso
relacionamento com Deus pode ser como o de um filho com seu pai; ressalvou
também que esse Pai não é só meu, mas nosso, convidando-me a enxergar os outros
como irmãos. Na continuação da oração modelo, contudo, Ele faz questão de
reconhecer um conceito aparentemente óbvio: o de
que existe uma realidade além
dessa que nós enxergamos e apalpamos.
Quando Ele afirma que o Pai
nosso “está nos céus”, introduz a perspectiva de que existem céus, ou seja,
existe um plano diferente deste nosso, e essa realidade paralela, ou superior,
é habitada pelo próprio Deus.
Tudo bem, isso não deveria
causar muito impacto para alguém que está orando, porque quem ora parte desse
pressuposto. Ele reconhece a si mesmo a possibilidade, se não a certeza, de que
Deus está lá e por isso se dirige a Ele, nem que seja para pedir-lhe que o
ajude a crer que Ele de fato existe. Contudo, especialmente no nosso tempo,
essa noção é bastante significativa, já que o racionalismo e o império da
ciência a partir do século XIX consagraram a ideia de que apenas o que pode ser
visto, medido, apreendido pelo método científico e dissecado na lâmina de um
microscópio é digno de ser dado como real.
Ele não dá as evidências ou
razões pelas quais devemos considerar como válida, se não como certa, a
existência de uma realidade invisível. Apenas a posiciona como um fato e
convida a crer. Ninguém captou melhor a importância disso que João. Em praticamente
cada capítulo de seu evangelho você encontra a palavra “crer”. Crer é o
pressuposto único para a salvação, é o que garante vida eterna através do
sacrifício de Cristo, que aconteceu porque Deus amou o mundo de uma forma
imensurável.
Mas você e eu não precisamos
que ninguém chegue para nós, nos cutuque e diga: “escuta, considere apenas por
um instante a possibilidade de Deus existir de verdade e de Ele ter uma lei”.
Nós não nos surpreendemos ao dizer “Pai nosso que estás nos céus”; a realidade sobrenatural
é reconhecida sem maiores conflitos.
Então, se realmente cremos
que existem mais coisas do que podemos ver, por que vivemos como que negando
essa crença? Por que não conseguimos ver na natureza, no prazer de uma boa
comida, do sexo, da boa música, de um bom livro e de uma boa amizade ou no
desfrute de cada uma dessas coisas com temperança e moderação, vestígios dessa
realidade invisível*? Por que consideramos obra da sorte ou coincidência as
coisas boas que nos ocorrem, algumas das quais havíamos acabado de pedir ao
“Pai nosso que estás nos céus”? Por que razão nossas prioridades, a
administração de nosso tempo e a forma como nos relacionamos com as pessoas à
nossa volta desdizem a existência de qualquer realidade superior?
Vejo na preocupação de Jesus
em localizar no “espaço” o Pai a quem oramos um lembrete constante dessas
minhas incongruências e um chamado à coerência.
* G.
K. Chesterton compara nossa situação à de um náufrago com amnésia que acorda
confuso em uma praia e começa a colher pela areia artigos de luxo, roupas,
espelhos, jóias, tudo a lembrar-lhe que existe aquela realidade da qual ele
está, tomara, temporariamente separado. As coisas boas que encontramos pelo
caminho são vestígios de Deus, e lenha para a fogueira de nossa esperança de
que essas coisas todas sejam brevemente a ordem do dia outra vez.
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