sexta-feira, 8 de junho de 2012

O modelo (parte 3)


... que estás nos céus...
 Mateus 6:9

Jesus nos lembrou que nosso relacionamento com Deus pode ser como o de um filho com seu pai; ressalvou também que esse Pai não é só meu, mas nosso, convidando-me a enxergar os outros como irmãos. Na continuação da oração modelo, contudo, Ele faz questão de reconhecer um conceito aparentemente óbvio: o de 
que existe uma realidade além dessa que nós enxergamos e apalpamos.

Quando Ele afirma que o Pai nosso “está nos céus”, introduz a perspectiva de que existem céus, ou seja, existe um plano diferente deste nosso, e essa realidade paralela, ou superior, é habitada pelo próprio Deus.

Tudo bem, isso não deveria causar muito impacto para alguém que está orando, porque quem ora parte desse pressuposto. Ele reconhece a si mesmo a possibilidade, se não a certeza, de que Deus está lá e por isso se dirige a Ele, nem que seja para pedir-lhe que o ajude a crer que Ele de fato existe. Contudo, especialmente no nosso tempo, essa noção é bastante significativa, já que o racionalismo e o império da ciência a partir do século XIX consagraram a ideia de que apenas o que pode ser visto, medido, apreendido pelo método científico e dissecado na lâmina de um microscópio é digno de ser dado como real.

Ele não dá as evidências ou razões pelas quais devemos considerar como válida, se não como certa, a existência de uma realidade invisível. Apenas a posiciona como um fato e convida a crer. Ninguém captou melhor a importância disso que João. Em praticamente cada capítulo de seu evangelho você encontra a palavra “crer”. Crer é o pressuposto único para a salvação, é o que garante vida eterna através do sacrifício de Cristo, que aconteceu porque Deus amou o mundo de uma forma imensurável.

Mas você e eu não precisamos que ninguém chegue para nós, nos cutuque e diga: “escuta, considere apenas por um instante a possibilidade de Deus existir de verdade e de Ele ter uma lei”. Nós não nos surpreendemos ao dizer “Pai nosso que estás nos céus”; a realidade sobrenatural é reconhecida sem maiores conflitos.

Então, se realmente cremos que existem mais coisas do que podemos ver, por que vivemos como que negando essa crença? Por que não conseguimos ver na natureza, no prazer de uma boa comida, do sexo, da boa música, de um bom livro e de uma boa amizade ou no desfrute de cada uma dessas coisas com temperança e moderação, vestígios dessa realidade invisível*? Por que consideramos obra da sorte ou coincidência as coisas boas que nos ocorrem, algumas das quais havíamos acabado de pedir ao “Pai nosso que estás nos céus”? Por que razão nossas prioridades, a administração de nosso tempo e a forma como nos relacionamos com as pessoas à nossa volta desdizem a existência de qualquer realidade superior?

Vejo na preocupação de Jesus em localizar no “espaço” o Pai a quem oramos um lembrete constante dessas minhas incongruências e um chamado à coerência.

* G. K. Chesterton compara nossa situação à de um náufrago com amnésia que acorda confuso em uma praia e começa a colher pela areia artigos de luxo, roupas, espelhos, jóias, tudo a lembrar-lhe que existe aquela realidade da qual ele está, tomara, temporariamente separado. As coisas boas que encontramos pelo caminho são vestígios de Deus, e lenha para a fogueira de nossa esperança de que essas coisas todas sejam brevemente a ordem do dia outra vez.

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