sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Aquela glória

Se eu pedir para você dizer os nomes que lhe vêm à cabeça quando eu digo a palavra "glória", talvez você diga Ayrton Senna (empunhando uma bandeira brasileira de dentro do cockpit), Cafu (levantando a taça, chuva de papel picado atrás), Cesar Cielo (no alto do pódio). Talvez você se lembre de Lula ou Collor no dia da posse (multidões na esplanada dos ministérios). Talvez lhe ocorra algum prêmio Nobel, um vencedor do Oscar. Se sua formação é mais clássica, talvez você pense em Ulisses e Aquiles (os gregos fazem mesmo todo sentido, já que eles lutavam pela glória, para ter seu nome eternizado em canções). Bem, você provavelmente não pensará em Gilliatt.
Gilliatt é o protagonista de "Os trabalhadores do mar". Dos três romances mais famosos de Victor Hugo, este é o último que foi escrito. Gilliatt é um sujeito sem o mínimo traquejo social, que vive isolado e sozinho na ilha de Guernsey, um recanto de pescadores no Canal da Mancha e não fala com ninguém a ponto de ser tratado como um débil mental ou um sujeito ruim, com ligações com o Diabo. Mas ele nutre uma paixão secreta pela filha do pescador mais rico da cidade, um homem que sofre um terrível revés: seu barco a vapor, em que havia investido tudo o que tinha, naufragou em um rochedo a alguns quilômetros. Em desespero ele promete a mão da filha a quem recuperasse o motor do seu barco.
Sem falar nada a ninguém, Gilliatt navega até aquele rochedo e pelo restante da obra inteira vamos acompanhar passo a passo o incrível feito daquele rapaz. Ele precisa lidar com a fome, com tempestades, com o peso descomunal do objeto que teria de transportar em seu barco rústico, com o fato de estar absolutamente solitário e, por fim, até com um polvo gigante.
Quando Gilliatt completa sua obra incrível, não havia ninguém vendo. Nenhum aplauso. Nenhum prêmio.
Gilliatt não traduz bem o que entendemos por glória.
Em Romanos 2:7 Paulo afirma que Deus reserva a vida eterna aos que procuram glória, honra e incorrupção. Possivelmente as mesmas coisas que Aquiles perseguia. Possivelmente a mesma coisa que Eike Batista persegue. Possivelmente a mesma coisa que eu persigo, seja no meu trabalho, seja por insistir em assinar meu nome ao final destas palavras.
Mas eis que esses dias me deparo com a forma como a Bíblia Viva traduz esse texto: "ele dará vida eterna àqueles que pacientemente fazem a vontade de Deus, procurando a glória invisível, e a honra e a vida eterna que ele oferece".
Uau.
Glória invisível.
Pode algo invisível ser glória? Não é um contrassenso?
Essa tradução me reabriu os olhos para o fato de que a glória que vale, a glória que pesa, depende de quem ela vem. Se a glória vem do apupo de seres corruptos como eu, ela é vã. Meu nome pode até entrar pra História, mas isso vai ser tudo que eu vou ter conseguido.
Se meu objetivo é dinheiro e conforto, vou alinhar minha moral a isso. Se meu objetivo é notoriedade, vou alinhar minha moral a isso. Se o que eu quero é prazer e a sensação de satisfação, vou alinhar minha moral a isso.
Se, contudo, eu exercitar minha paciência em subordinar meus atos, pensamentos, desejos, planos e sonhos a alguém infinitamente melhor do que eu... Se eu me contentar em que minha glória neste mundo seja invisível a olho nu, seja imperceptível para o resto do mundo todo... Se minha busca for vertical, e não horizontal...
Vida eterna, meu amigo. Vida eterna!

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