sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O terror e a gratidão

A semana começou com uma cena histórica: homens das forças policiais e militares hasteando uma bandeira brasileira no alto do complexo de favelas do Alemão, no Rio de Janeiro. Para todo mundo nascido desde a década de 70, a existência de bolsões onde o Estado não existe (lugares onde a ordem é mantida por um código de valores e por leis totalmente diferentes dos que vigoram no restante da sociedade organizada) é algo natural, faz parte da paisagem. O que possibilitou a existência dessas zonas cinzentas foi uma conjugação de alguns fatores: a geografia carioca, que torna os morros inexpugnáveis e que mistura favela com as outras partes da cidade em todas as suas zonas, o descaso histórico do Estado pela população humilde que foi obrigada
a subir os morros para encontrar onde morar e a estratégia de dominação dos traficantes.

Os traficantes escolheram o caminho mais curto para garantir o exercício do poder nos seus feudos: uma mistura de terror com assistencialismo. De um lado, invadem casas, espancam, torturam, ostentam seus fuzis e metralhadoras livremente, ameaçam e matam sem pestanejar. De outro, cuidam da segurança dos habitantes da favela,
coíbem o roubo em seus domínios, exercem uma justiça paralela, distribuem presentes, trocam favores. Com isso, garantem uma fórmula infalível para ganhar respeito e obediência, manejando com uma mão o medo e com outra a gratidão.

Quando as tropas subiram o morro, contudo, viu-se que terror e gratidão, embora garantidores de obediência e servilismo instantâneos, constituem uma motivação frágil para isso. Traficantes presos foram insultados abertamente por parte da população e uma enxurrada de denúncias anônimas por telefone vinda de moradores do bairro apontou esconderijos e rotas de fuga dos marginais. Moradores aliviados foram
entrevistados.

Conhecemos bem o caminho mais fácil para a obediência. O mesmo não se pode dizer do caminho mais difícil, aquele que Jesus trilhou. Jesus sabe que a obediência que nasce do medo é precária e corrompida. “No amor não há medo, antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor“ (I João 4:18). Jesus sabe também que a obediência por simples
gratidão também não é suficiente. A gratidão é imprescindível para nossa sanidade mental, mas não é ainda o motivo correto para a obediência. Só o amor é.

Por isso é que Jesus não carrega nas cores quando fala do juízo. Ele não fica esfregando fogo e enxofre na nossa cara. Quando fala do juízo, algo que é real e que está acontecendo e que, portanto, sobre o qual seria falta de amor calar, ele enfatiza a vitória que será para os que forem aprovados. Por isso também é que Jesus não compra nossa obediência com dinheiro e saúde como os adeptos da teologia da prosperidade advogam. Em lugar disso Ele nos ama, nos pega nos braços, nos aquece, nos consola, nos dá esperança. Amor gera amor e a obediência e o respeito que nascem do amor são indestrutíveis.

Por um caminho mil vezes mais difícil do que aquele que nós escolheríamos Ele subiu e cravou sua bandeira em nosso coração. Louvado seja.

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