sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A grande tentação

O racionalismo humanista trata a fé como uma muleta psicológica, um recurso para os fracos que precisam de consolo e que só conseguem encontrar paz se acreditarem que existe um propósito maior para as vicissitudes da vida, que existe um duelo entre o bem e o mal e um Deus amoroso que no fim triunfará. Crer, dizem eles, seria ceder à tentação da solução fácil mística para o sofrimento e a angústia.

Mas eu optei por crer a despeito da identificação com os fracos e os loucos. Decidi dar créditos às placas de sinalização que a mão invisível plantou ao meu redor e essa questão já ficou superada há muito tempo (vinte anos agora, para ser mais exato). A fé, de muleta, se fez meu suplemento de ar, a fonte não de minhas fraquezas, mas de minhas virtudes. É uma convicção que o racionalismo já não consegue apodrecer, e tanto que ele já não mais me desperta qualquer atração.

Só que aí o fenômeno se inverte. Um bebê recém nascido de amigos luta numa UTI, num doloroso contraste com o que deveria ser o momento da suprema felicidade. Um casal que você tem como referência anuncia a insuspeitada separação. Uma pessoa querida e cheia de vida é diagnosticada com câncer. Enfim, qualquer desses eventos aparece como o choque elétrico que eu levava ao abrir um livro de capa promissora que aquele amigo sarrista trazia à escola na infância. Como aquelas caixas que você abre e algum boneco sinistro pula na sua cara. Surpresa! 

Quando acontece algo assim é que a verdadeira tentação se insinua. A tentação de admitir que nada disso faz sentido, que Deus não existe, que a vida não tem propósito e que estamos largados à nossa sorte. 

Mas o Autor e Consumador de nossa fé garantiu que no mundo teríamos aflições (João 16:33). Aflição, segundo o único dicionário que tenho em casa (um certo Dicionário Escolar da Língua Portuguesa), é "agonia; atribulação; angústia; ansiedade; tormento". A fé, portanto, pressupõe a certeza de que vamos tropeçar nessas coisas. Pressupõe também que Deus faz com que tudo contribua para o bem daqueles que o amam (Romanos 8:28). Que a crise contribui para um propósito que não conhecemos mas que um dia conheceremos (I Coríntios 13:12). As surpresas da vida nos jogam mais fundo nos braços de Deus, o único lugar onde estamos seguros de fato.

A tentação de descrer se torna um fortificante para a fé. Como eu aprenderia a orar não fosse ela?

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