sexta-feira, 9 de maio de 2014

Com as próprias mãos

Não existe assunto neste mundo que mais excite meu pai e o faça falar com energia e pura raiva do que o Judiciário brasileiro. Para ele, o Judiciário é a pior de todas as péssimas instituições que temos. Nesses momentos, como advogado, sinto um dever de ofício de defender (mas sem nem 1/10 da energia dele) os juízes, argumentando que o problema também é das leis, mas nenhum argumento aplaca a ira dele. Ele não entende como alguém que pode fazer algo para melhorar o país, deixe de o fazer, e não puna (e rápido) quem o mundo inteiro está vendo que é culpado.

A impunidade é universalmente apontada como sendo um grande mal do Brasil. Existe aquela sensação geral de que, dependendo de quem é seu amigo, o crime compensa. Talvez essa frustração latente que o noticiário nosso de cada dia não faz senão atiçar esteja na gênese de acontecimentos como a tragédia do momento: Fabiane Maria, mãe de duas meninas, saía da igreja quando foi cercada por uma multidão enfurecida e linchada até a morte no Guarujá. Circulavam boatos na Internet de que ela (ou alguém muito parecido com ela) sequestrava crianças para rituais de magia negra. Mas havia anos que nenhum caso de sequestro de crianças era registrado no Guarujá. Boato. Mentira. Uma inverdade sem qualquer fundamento.

Tribute-se o fato, ao menos em parte, ao efeito turba, aquilo que leva uma pessoa pacata a agir como um animal quando está inflamado pela coletividade. Lembro de um fato parecido ocorrido no Rio de Janeiro muitos anos atrás, quando dois meninos foram espancados até a morte após alguém gritar que eles eram ladrões. Não eram, mas quando a multidão se levantou para fazer justiça com as próprias mãos era tarde demais e as testemunhas relatavam a atitude de uma velhinha que quebrou um cabo de vassoura e fez questão de usá-lo nos olhos das vítimas. 

Ok, em parte isso aconteceu pela influência da multidão, mas a parte maior da culpa pela tragédia de Fabiane Maria acredito que seja mesmo a desconfiança nas instituições e o desejo de fazer alguma coisa para reparar esse déficit. Cercado pela multidão até o mais pacato cidadão resolve fazer o que polícia e Judiciário não conseguem fazer: nos dar segurança. Ora, um dos primeiros e importantes passos civilizatórios da humanidade foi abdicar à justiça com as próprias mãos e agora estamos regredindo até mesmo nisso. 

Podemos explicar o absurdo, mas jamais o justificar. Nada muda o fato de que uma mãe de família foi espancada até a morte por uma multidão engodada por uma mentira. Nada vai mudar o fato de que mentiras acontecem o tempo todo e não somente a respeito de pessoas que sequestram criancinhas. 

"Não julgueis" é o mandamento de Deus, que não é sinônimo de "não tenhais espírito crítico", mas simplesmente abstenha-se de julgar e sentenciar o próximo. "Minha é a vingança" (Romanos 12:19). "O amor não suspeita mal" (I Coríntios 13:5). 

O evangelho nos quer manter civilizados. Não permita que nada o faça regredir.

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