sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Uns aos outros

Quando leio aqueles livros ingleses ou franceses do século XIX, me espanto com a forma como aquelas pessoas viviam. Aquela forma devagar. Não me ocorre outra palavra para ilustrar o ponto que me causa espanto. As pessoas iam passar semanas, às vezes um mês ou dois, na casa de outras pessoas e aquela estada parecia repleta de... nada. Liam livros. Conversavam. Ocasionalmente caminhavam. Nada de uma agenda abarrotada de atividades, nada de tarefas a desempenhar.
O contraste com a minha geração é tão gritante. Hoje tudo precisa ser completamente cheio de afazeres e tudo precisa ter uma utilidade. 
Essa visão utilitária de tudo alcançou níveis impensáveis para as gerações anteriores. Até o sofrimento precisa ter uma utilidade. Nós afirmamos que Deus deve ter algum plano quando permite que uma pessoa morra, sem levar em conta que a morte é a regra no ambiente que O expulsou. Até a fé precisa ter uma utilidade. Pergunte a um adventista porque ele gosta do sábado e ele vai responder que é porque no sábado ele “recarrega suas baterias espirituais”. Isso virou um chavão e parece camuflar o fato de que ele acha que o sábado está a serviço dele. Não foi isso o que Jesus disse? Que o sábado foi criado para o homem e não o contrário? Então é isso. O sábado tem uma utilidade individual. E pergunte a um cristão que frequenta uma igreja porque ele faz isso e talvez ele responda que é porque na igreja “ele se encontra com Deus”.
Portanto, o sábado serve para recarregar suas baterias de modo que você possa tocar sua vida centrada em você mesmo. A igreja serve para você ter seu momento de espiritualidade e assim poder continuar tocando o barco nos muitos momentos em que você não está em um “encontro com Deus”.
Essa visão utilitária de tudo (que chega até aos relacionamentos afetivos. Quanto divórcio não tem acontecido porque uma pessoa não vê mais uma utilidade na relação?) tem um nome mais antigo, tão antigo quanto o primeiro pecado, e se chama egoísmo. A gente busca o sentido e o propósito para a existência pensando apenas em nós mesmos.
No livro “O eclipse da graça”, Philip Yancey transcreve expressões das Escrituras. Leia comigo e me diga se você enxerga um certo padrão aqui: “Amem-se uns aos outros. Perdoem uns aos outros. Orem uns pelos outros. Levem os fardos pesados uns dos outros. Dediquem-se uns aos outros. Considerem os outros superiores a si mesmos. Não falem mal uns dos outros. Não julguem uns aos outros. Suportem-se uns aos outros. Sejam bondosos uns para com os outros. Falem a verdade uns para os outros. Edifiquem-se uns aos outros. Consolem-se uns aos outros. Tenham igual cuidado uns pelos outros. Incentivem-se uns aos outros”.
Sim, existe um padrão.
Talvez a maior evidência de que o mundo invadiu a igreja não esteja nas roupas ou nas músicas como muitos gritam inutilmente. Esteja no fato de que até o remédio maior para o egoísmo, a fé, está sendo encarada sob um viés estritamente utilitário e individualista, do jeitinho que o mundo trata tudo o mais.
Se as suas atividades religiosas não o fazem perceber o outro e focar sua existência nele, ao invés de em si próprio, sinto muito. Você inconscientemente trocou o padrão inaugurado por Cristo pelo padrão reinante desde o primeiro pecado. E tornou o sacrifício dEle vão.

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