Não sei ainda se essa é apenas uma marca da meia-idade ou se é uma marca específica de nosso tempo. Nos amigos meus contemporâneos e até em gente dez anos mais nova identifico esse descontentamento meio generalizado. Entre os que alcançaram sucesso em suas carreiras, noto uma insatisfação com o preço que foram forçados a pagar por isso; aos que não tiveram sucesso o descontentamento do confronto dos sonhos juvenis e da realidade é evidente. As primeiras marcas da decrepitude física são um cruel lembrete de que já não temos mais todo tempo do mundo e nenhuma das coisas nas quais depositávamos nossos afetos parece satisfazer aquela sede... Para piorar, somos brasileiros, com tudo o que isso tem se mostrado de isento de perspectivas.
A insatisfação pode ser boa. Pode ser a mola propulsora para fora da zona de conforto e é nesse sentido que o livro de Hybels anda. O problema é que os efeitos desse descontentamento em muitos amigos parece ser altamente prejudicial. Vejo gente fomentando mudanças radicais de vida pelo simples fato de mudar, como se querendo sentir a adrenalina da montanha russa (esquecendo que essa adrenalina é sempre passageira e fugaz por definição). Rasgam o casamento como se fosse papel. Mudam para outro país atrás de não sabem o quê. Descartam a fé da juventude, que em algum momento deixou de ser alimentada, com indisfarçada vergonha de um dia haverem crido em Deus ou talvez com uma leve nostalgia do tempo em que a crença era um elemento importante de sua identidade, de sua noção de mundo, de sua percepção de propósito para a existência e de sua felicidade. Enfim, vejo pessoas queridas impulsionadas pela insatisfação com surpreendente facilidade descartando partes de si mesmas, e o triste é que, em lugar de descartar aquilo que as faz infelizes, elas optam por descartar justamente aquilo que as faz feliz ou que um dia foi a fonte de sua felicidade. Só pra ver o que acontece.
Não me entenda mal, também tenho meu descontentamento. O cabelo que se foi e a barba branca que chegou, os óculos de leitura, a distância entre o que gostaria de estar fazendo e o que faço e as dificuldades financeiras também pesam sobre mim, também inquietam e fazem querer respirar outros ares com frequência. Não me coloco acima de minha geração na mínima coisa. Só queria consignar minha preocupação e contar para você a saída que encontrei.
Aprendi com os salmistas. Nem gosto muito do livro de Salmos para ser bem sincero, mas me encanta ver o que aquela gente faz com cada emoção, as positivas e as negativas. Eles levam todas a Deus. As vitórias para louvá-lO, as derrotas para perguntar "por que?!" Assim fazendo, na maior parte das vezes sem resposta a essa pergunta, testemunho maravilhado o renascer de certas coisas dentro de mim. O amor e a confiança nEle. O amor e a atração por minha esposa. A vontade de fazer um bom trabalho e de ser um bom pai. As coisas de onde tantas vezes extraí a mais pura felicidade, enfim. E o leão do descontentamento fica domado e já nem macula a paz do espírito.
A paz que lhe desejo, a você, que sente o leão rugir dentro de si.
5 comentários:
Obrigado por dividir conosco os caminhos de semelhante inquietação, descontentamento. Obrigado por apontar o caminho sálmico. Obrigado pela paz. Obrigado, Marco Aurélio.
Muito bom Marcão! Texto inspirador, que Deus te abençoe sempre com sabedoria.
Grande Marcão... Compartilho dos descontentamentos e da inquietação causada, mas Deus me trouxe o consolo a partir das experiências desesperadas e da realidade final desolada de alguns amigos, e como disse Salomão... Tudo na vida é vaidade... Procuro encontrar motivação na simplicidade ao perceber a satisfação dos meus filhos com tão pouco que proporcionamos e me lembro... Como é simples estar contente.
I'm appreciate your writing skill. Please keep on working hard. Thanks
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