sexta-feira, 8 de julho de 2016

O mosteiro e a igreja

O mosteiro da Idade Média em que transcorre a ação de O nome da Rosa, de Umberto Eco, é liderado por um monge bastante frio. Um único assunto parece empolgá-lo e enchê-lo de santa devoção e fervor: joias. Ele usa enormes anéis com pedras preciosas (um curioso contraste com as condições de pobreza extrema que existem ao redor do mosteiro, em que aldeões se alimentam do lixo despejado pelos monges montanha abaixo). Quando fala de cada pedra preciosa, o abade revira seus olhos e parece que vai flutuar em transe místico. Segundo ele, as joias o aproximam de Deus, uma tem o vermelho do sangue de Cristo, outra é verde como sei lá o que e ele arremata seu discurso sobre cada uma afirmando "esta é a mais profunda teologia que existe".

É o tipo de coisa que acontece quando você se isola do mundo para pensar e se relacionar apenas com Deus. Você pode começar a achar qualquer bobagem como "a mais profunda teologia que existe". Você pode colocar uma interpretação profética num pináculo de superioridade monomaníaca. Você pode fazer isso com a trindade, o nome de Jesus, a postura na oração. 

Jesus chamou cada discípulo para andar e comer com Ele durante algum tempo, algo como três anos e meio, mas depois foi embora e o fez dizendo "agora vocês vão por toda parte fazendo essas mesmas coisas que Eu fiz. Vocês vão sair por aí, fazer discípulos, pregar a liberdade e mostrar ao mundo inteiro que Deus Se importa, que Deus chora com a doença e a rebelião, que Deus odeia a hipocrisia, que Deus está vendo cada lágrima. Quando vocês vestirem quem não tem um agasalho, quando derem um pão a quem não tem o que comer e quando visitarem um preso, vai ser como se vocês estivesse fazendo isso comigo mesmo, porque Eu passo frio, fome e solidão junto com cada filho meu..."

Jesus não criou mosteiros, criou a igreja, onde essa teologia realmente superior estará sendo esfregada na nossa cara de tempos em tempos. 

Philip Yancey conta, no excelente O eclipse da graça, que visitou mais de 20 igrejas diferentes em sua cidade. "Em meu tour pelas igrejas, as mais tristes que encontrei foram as que não iam além de suas dependências e estacionamentos". Essas se parecem com mosteiros, cheios de "teologias superiores" risíveis.

Esfregue isso na cara de alguém quando puder, mas o faça com amor. Esfregue isso enquanto gentilmente agasalha alguém que passa frio; possivelmente haja alguém nessas condições sentado no mesmo banco de igreja que você. Porque "a religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo" Tiago 1:27.

2 comentários:

Priscilia Amorim disse...

Nossa, muito alinhado com o que eu estava pensando esses dias. Sem mais nada a acrescentar,essa deve ser a nossa visão. Faço questão de compartilhar.

eni botelho disse...

Cristianismo sintetizado. Necessário. Feliz sábado, amigo.