sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um banho de sangue, por gentileza

Minha leitura da Bíblia esta manhã me brindou com esta epifania: falta sangue no meu pé, falta sangue no meu polegar e falta sangue na minha orelha.

Eu explico. Um belo dia Deus separou Arão para ser sumo sacerdote e seus filhos para serem sacerdotes em Israel. Eles deveriam comandar o ritual que tinha o santuário como palco, santuário que deveria ser criado conforme o modelo que foi mostrado a Moisés no Monte Sinai para que Deus habitasse no meio dos israelitas (Êxodo 25:8, 29:46).


A dedicação demandava um ritual especial (Êxodo 29). Moisés precisava lavar Arão e seus filhos com água, uma linda metáfora da justificação pela fé: Moisés representava a Deus e era Deus quem os lavava. A gente não pode pretender se lavar para então se aproximar de Deus, porque a gente não consegue se lavar. A obra é dEle. A nossa é se submeter à lavagem, como Arão e seus filhos fizeram. 

Então ele os vestia com as roupas sacerdotais. Seguiam-se alguns sacrifícios e o sangue de um cordeiro recolhido em uma vasilha era tomado por Moisés, que, com o dedo, o passava numa das pontas do altar do santuário, e então os passava na orelha, no polegar e no pé direitos de cada um dos sacerdotes.

A igreja Adventista colocou os escritos de M. L. Andreasen de escanteio, mas gosto da explicação dele para esse gesto um tanto nojento para nossa mente do século XXI (em Ritual do Santuário): o sacerdote deveria dar ouvidos à Palavra de Deus (sangue no ouvido), deveria ser consagrado em todas as suas obras (sangue no polegar) e em todos os seus caminhos (sangue no pé). Lembrando que aquele sangue simbolizava o que seria derramado por Cristo, o significado daquele ritual era mostrar primeiramente ao próprio sacerdote que ele estava banhado pela vida do Filho de Deus. E que isso tinha efeitos práticos visíveis no tipo de coisas a que ele deveria dedicar tempo a ouvir, no tipo trabalhos que desenvolveria e no tipo de rumos que tomaria para sua vida. As outras pessoas deveriam reconhecer esse fato. Bonito, isso.

Bem, o sacerdote atuava como um intermediário/intercessor entre o homem e Deus. Ele deveria ser uma ponte entre as pessoas e o Senhor. Eu não sou (pelo menos não sei que sou) descendente de Arão, mas esse papo é comigo desde que, na nova aliança, fui constituído sacerdote. Como escreveu Pedro (na versão de A Mensagem): "Mas vocês são os escolhidos de Deus, escolhidos para a alta vocação do trabalho sacerdotal, e para serem um povo santo. São instrumentos de Deus para fazer sua obra e falar por ele, e para contar a todos quanta diferença ele fez na vida de vocês - de nada para alguma coisa, de rejeitados para aceitos" (I Pedro 2:9 e 10). Ecoando as palavras que escrevi há algumas semanas ao falar da tentação de Moisés pelo anonimato e a zona de conforto, você não foi salvo apenas do seu passado; foi salvo do seu futuro também. Você e eu não fomos salvos para continuar no anonimato da condição de só membro de uma igreja. Você e eu somos os sacerdotes desse mundo caído. E o número de sacerdotes é proporcionalmente cada vez menor. 

Por outras palavras, há cada vez menos pontes entre as pessoas e Deus por aí. 

E se eu não tenho o sangue do Cordeiro sobre minha orelha, meu polegar e meu pé, há ainda uma a menos.

Lava-me, Senhor. Insiste mais um pouco com esse sacerdote relutante.

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