sexta-feira, 17 de abril de 2015

Um conto chinês

"Um primo distante quebrou a perna num acidente de carro", me contou minha colega de trabalho de ascendência chinesa; "como sempre acontece na China, ele só foi atendido depois que depositou uma pequena fortuna. Lá os médicos não prestam qualquer satisfação ao paciente e à família e se você não paga antes de ser atendido, eles simplesmente deixam você morrer ali. Então não foi novidade quando, no dia seguinte, ligaram para a família dizendo que precisavam de mais dinheiro porque haviam detectado uma úlcera gástrica nele. A família fez um enorme esforço e conseguiu o dinheiro. Dias depois, sem ter nenhum contato com o rapaz, ligaram pedindo mais dinheiro, sem explicar porque. A família foi até o hospital buscar o paciente da perna quebrada e o encontrou com a cabeça toda enfaixada. Até hoje não sabem bem porque, mas aparentemente a úlcera gástrica encorajou um médico residente a realizar uma cirurgia cerebral. Se eles não pagarem, vão presos. Graças à intervenção de outra parente, que é casada com o filho de um prefeito de uma cidade próxima e, portanto, filiada ao Partido Comunista, o diretor do hospital admitiu que aconteceu um 'pequeno erro' do residente e foi magnânimo o suficiente para oferecer um desconto. Detalhe: meu primo terá sequelas para o resto da vida".

Vendo minha expressão de pasmo, ela acrescentou: "Coisas assim acontecem o tempo todo na China", e passou a me mostrar na Internet fotos e histórias de crianças que vendem abraços para conseguir dinheiro para pagar tratamentos bastante simples. Mostrou um homem que se fantasia de cavalo e se oferece para levar qualquer pessoa nas costas, de quatro, em troca do equivalente a R$ 2,00, na esperança de juntar dinheiro o suficiente para conseguir custear o tratamento de seu filho. Outras histórias de pessoas com nível superior de educação
que acabam na mendicância para conseguir cuidar de algum familiar, enquanto o governo do país admite haver mais de cem cidades com índice de incidência de câncer muito acima da média mundial, o que significa que para oferecer esse tênis e esse celular baratinhos que você tem aí, milhões de trabalhadores lá estão sendo expostos a condições de trabalho absolutamente insalubres. O meio ambiente então, possivelmente jamais se recupere, como um preço que alguns reputam barato pelo crescimento de 7 a 10% ao ano.

O ser humano - a classe à qual pertenço [coisa que admito não sem grande vergonha] - é capaz de muitas bizarrices. É capaz de enaltecer valores cruéis que deixam claro que a ordem do dia é o egoísmo. 

Falando de nosso contexto ocidental, é difícil afirmar o que seria de nossa sociedade corrupta não fosse a ética cristã que lhe serviu de base, mas o fato é que, à medida em que ela perde força e à medida em que cristãos com altíssima quilometragem de sermões assistidos se mostram absolutamente incapazes de perdoar seus semelhantes e de sentir compaixão pelos que sofrem, não dá para ficar muito otimista quanto ao mundo em que nossos filhos crescerão.

A pensar nisso tudo, minha oração é para que a proximidade com Deus que cada ser humano que lê esses linhas desenvolve o torne cada vez mais incapaz de bizarrices egoístas. E, claro, "ora vem, Senhor Jesus".

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