sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Eu sou um senhor de escravos

O Brasil tem 12 feriados oficiais federais, além dos estaduais, cujo número varia de nenhum (caso de Espírito Santo e Goiás) a 5 (Acre), fora os feriados municipais. Há feriados para celebrar um dentista que conspirou contra o imperialismo português, outro para celebrar o dia da independência de Portugal e mais um para celebrar a proclamação da República - como se pudéssemos honestamente nos orgulhar da República que formamos. Há uma série de feriados da religião católica, como um dia para celebrar os mortos e outro para celebrar o dia em que Jesus morreu. Há feriados para celebrar santas padroeiras e em algum lugar há até um certo "dia do evangélico". Mas nenhum feriado é tão controverso quanto o que muitos municípios comemoraram ontem (e alguns hoje): o dia da "consciência negra".

Ano após ano, a semana do feriado da consciência negra é o momento em que as pessoas desenterram nas redes sociais vídeos do Morgan Freeman se recusando a falar de questões raciais por entender que isso reforça o racismo. É a época em que outras (ou as mesmas) pessoas circulam acusações contra o Zumbi do Quilombo de Palmares, dizendo que ele também escravizava os escravos fugidos que chegavam até o Quilombo. A percepção que tenho é que, embora brasileiros gostem muito de um feriado, esse especificamente muitos de nós preferiríamos não ter. É desconfortável ter um dia para pensar na escravidão, parece coisa de esquerdopatas, aqueles sujeitos que defendem as FARCs e Fidel Castro.

Mas fico pensando se faz sentido simplesmente esquecermos que um dia escravizamos pessoas. Sim, nós, você e eu. Os judeus fazem questão de que o holocausto não seja esquecido e o argumento associado a eles nos parece muito razoável: é o preço para que uma tal ignomínia não torne a ocorrer. Será que a escravidão de negros e índios era menos ignominiosa que as câmaras de gás? Dá pra falar em gradações de ignomínia com atrocidades desse calibre?

Os judeus um dia foram escravos. E então Deus, através de seu servo Moisés, os libertou. E então eles entraram na terra prometida, Canaã. Ali eles deveriam ter se instalado porque não só o lugar era fértil e paradisíaco, mas também as rotas comerciais de todo o mundo civilizado de então passavam por ali. Israel deveria ter sido uma benção para todos os povos, propagando o conhecimento do Deus vivo e Criador.

Para Rob Bell e Don Golden (autores de "Jesus quer salvar cristãos"), o grande vilão da história de Israel é ninguém menos que Salomão. Nos dias dele Israel alcançou paz entre os povos vizinhos, se impôs como nação hegemônica em Canaã. E então o que fez? Escravos. Os que deveriam ser bençãos reproduziram o tipo de atitude que o pagãos egípcios haviam tido com eles. Eles haviam se esquecido da ignomínia de que foram vítimas, ou então, como é tão comum no coração humano, exultaram "agora é a nossa vez!" quando a primeira oportunidade apareceu. Não à toa de Salomão para frente Israel degringolou, dividiu-se em duas e viveu uma espiral descendente que terminou - onde? - em escravidão mais uma vez.

Não se ofenda quando digo isso, mas escondido no seu coração e aqui no meu existe um senhor de escravos. Aquele pecado de nossos ancestrais é nosso também. Se não o confessarmos, estaremos fadados a reproduzi-lo em alguma escala. Não houvesse tantos senhores de escravos em seus lares e em suas igrejas ao nosso redor e você poderia discordar de mim.

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