sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Ninando perguntas

A Bíblia tem alguns personagens dos quais fala muito pouco, mas é um "pouco" cheio de substância. Às vezes me pego pensando naquele que reputo ser o rei dessa classe de personagens, João Batista. O aspecto "substancioso" dos poucos versos que tratam dele pode ser medido pela enorme quantidade de perguntas que eles despertam em mim.

João era o tipo de pregador que atraía multidões, e note que o local de sua pregação não era de muito fácil acesso. Ele pregava no deserto. E pregava algo que Mateus resume assim: "Naqueles dias apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia e dizia: arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mat. 3:1 e 2). Quando Jesus começou a pregar, logo após João ser preso, seu discurso era este aqui: "Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mateus 4:17). 

Entretanto, se o discurso era rigorosamente o mesmo, a forma era bem diferente. A embalagem com que Jesus apresentava o evangelho era radicalmente distinta daquela com que João embrulhava a mensagem. Até os fariseus notavam a diferença: "Os discípulos de João e bem assim os dos fariseus frequentemente jejuam e fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem" (Lucas 5:33). Talvez essa dessemelhança é que tenha inspirado a dúvida que parece haver corroído João em seus últimos dias na prisão, a ponto de ele enviar dois discípulos para perguntar a Jesus se Ele era mesmo Ele ou se deviam esperar Outro. Jesus não deu uma resposta direta e confortante, apenas pediu que os emissários de João voltassem e dessem o relatório do mesmo tipo de coisas sobre as quais João já havia ouvido falar (Lucas 7:18) e que envolvia cegos recuperando a visão, leprosos curados, mortos ressuscitados e o evangelho do arrependimento e do reino próximo sendo levado aos pobres (verso 22).

As questões que João me suscita não têm conexão com oração e jejum; sei bem da real importância que Jesus dava a essas coisas e não era pequena. Mas me pergunto coisas como: será que a mesma mensagem pode ser apresentada em roupagens diferentes, nenhuma delas "errada"? O que determina a validade da embalagem? A pessoa que a leva, o tempo em que vive, as pessoas que a recebem? Se a resposta à primeira pergunta é sim, o tempo em que eu vivo e as pessoas a quem prego deveriam receber a mensagem na roupagem sisuda de João ou na festeira de Cristo? Qual método seria mais eficaz? 

Mas há outras dúvidas: a incerteza de João quanto a Jesus ser o Messias a despeito dos milagres fantásticos que realizava indica que mesmo servos escolhidos por Deus e que desempenham sua missão com louvor podem alimentar expectativas equivocadas de como Deus deveria agir? Ou ainda: o fim trágico de João, com sua cabeça separada do corpo enfeitando uma bandeja no colo de Herodias indica que minhas visões do resultado de confiar em Deus são pueris ou distorcidas? Refraseando essa última: minha visão de uma vida confortável para mim e minha família, com filhos saudáveis, inteligentes e perfeitos estudando em ótimas escolas e se tornando pessoas bem sucedidas pode não ser a única forma de testemunho poderoso - que eu imagino e desejo que seja - dos resultados de confiar em Deus? E se não for, vou questionar e me revoltar contra Ele?

Não tenho pressa em responder a nenhuma dessas perguntas. O pouco que sei sobre meu Deus já me convenceu de que às vezes embalar uma pergunta no colo por muito tempo na presença dEle pode ser exatamente o resultado que Ele quer para ter permitido que a pergunta se levantasse...

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