sexta-feira, 11 de julho de 2014

As grandes decepções II

Dickens escreveu um romance chamado "As grandes esperanças". Elas são ótimas, mas são justamente elas que às vezes conduzem às grandes decepções. Eu acho que seria de bom tom esquecer o assunto. Falar de outra coisa qualquer. Mas a humilhação futebolística se impõe, e se vira munição para muitas e ótimas piadas é porque atingiu em cheio a autoestima nacional e porque, claro, foi absolutamente surpreendente.

Esse estado de prostração generalizada, por vezes camuflada de hilaridade, me fez lembrar o texto que escrevi na semana em que meu time perdeu uma Copa do Brasil após estar com uma mão e meia na taça. O técnico fez uma alteração para retrancar um pouco a equipe e garantir o resultado e o sujeito que entrou fez duas besteiras e cedeu dois gols ao time adversário. Eu tinha grandes expectativas quanto àquele time. O jeito estúpido e dramático com que a taça foi “roubada” pelo outro time acabou com minha alegria violentamente e eu resolvi ler apenas as notícias do golfe durante algum tempo. Como eu não entendo nada de golfe, dei uma espiadinha no dia seguinte no depoimento do técnico. Ele falou qualquer coisa como: “muitas alegrias começam com uma grande tristeza, vamos torcer pra que seja assim com este time”.

Há cerca de dois mil anos o estado de prostração e tristeza de uns homens galileus era ainda mais profundo que esse nosso. Aliás, não dá pra comparar. Isso porque a expectativa frustrada deles envolvia visões de glória e riqueza no comando da nação judaica, nação triunfante sobre a tirania romana, tudo na companhia daquela Pessoa fantástica, capaz de curar qualquer doença, fechar qualquer chaga, alimentar multidões, acalmar os mares e andar sobre eles. Tudo isso foi morto e enterrado no espaço de um único dia.
Que futuro teriam eles? O que poderia ser colocado no lugar daquelas expectativas tão grandes, tão certas, tão luminosas e sedutoras?
Apesar de Jesus vir avisando de longa data que Ele deveria morrer, parece que Ele deixou complacentemente e cheio de uma esperança muda que Seus discípulos continuassem a alimentar seus sonhos equivocados. Foi depois que a tormenta passou e deixou aquele vazio doloroso nos corações dos discípulos que Ele apareceu aos dois no caminho de Emaús e explicou tintim por tintim…

Foi preciso que houvesse aquela grande decepção, que muitos que se diziam Seus seguidores rejeitassem o Caminho e que da dor florescesse um novo espírito. A terapia de choque do Mestre ajudou a preparar um grupo apto a ouvir Sua voz sem mistificações, sem tentar interpretá-la conforme seus próprios desejos pessoais.

Agora eles entendiam definitivamente o teor do reino de Deus e, consequentemente, a sua própria missão, e poderiam decidir o caminho difícil e penoso da obediência ou a apostasia fácil e cômoda. Agora eles podiam deixar que Jesus moldasse suas vidas, colocasse Suas prioridades, Sua mente, Sua vontade, Sua resignação, tudo isso no lugar dos anseios imperfeitos deles… Pela fé alguns deles entenderam que aquela grande tristeza era na verdade o nascedouro de grandes e melhores alegrias no futuro.

É que as vezes as grandes decepções são necessárias. Talvez seja terapêutico termos ilusões de glória menor para que elas sejam arrancadas com violência e possamos então focar no que realmente interessa, no que tem valor de fato. Podemos pensar nas coisas que esse país realmente precisa, e/ou pensar na esperança em que o Mestre pediu que focássemos. O que há de errado com nossa expectativa do retorno de Cristo a esse mundo não é o fato. Ele vai acontecer, independente do quanto o desejemos. Mas há algo errado: o grau. Os anjos não podem entender como no atual momento da história nossa expectativa do evento mais importante da História desde a ressurreição seja tão formal, tão fria, tão distante. Não podemos ter uma grande decepção quanto a isso porque absolutamente não temos uma grande expectativa!

E, no fim, o tipo de expectativa que alimentamos diz o grau de grandeza que temos.

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