sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ouse crer

Escrever para você toda semana é um ato de resistência. Primeiro, contra minha tendência natural a burocratizar e "mesmificar" minha fé, já que o hábito me impele a ruminar novas coisas sobre o reino de Deus, sempre. Segundo, contra o tempo. O tempo quer enterrar isso que um dia eu entendi ser minha vocação.

Quando me perguntam minha profissão eu respondo que sou advogado, mas dentro de mim uma vozinha baixa, daquelas bem teimosas, aparteia: "não, não. Advogado é a ocupação. A profissão de fato é escritor". Porque um dia eu sonhei em ser um escritor, sonho que, por estar num país de poucos leitores, confessei a poucos. E então veio o tempo e fez de tudo pra enterrar o sonho. O tempo preencheu todo mínimo tempo livre com a busca pelo pão de cada dia e trocou as divagações de minha cabeça, os reinos fantásticos, os diálogos imaginados e o mundo das ideias por coisas muito práticas, coisas muito pragmáticas. A corrente majoritária sobre o conceito de consumidor. Como fazer uma planilha no Excel. De quanto em quanto tempo calibrar o pneu do meu carro. Coisas assim.

Passaram-se alguns anos e vi o hábito simpático de meu amigo Neimar de escrever um texto toda sexta-feira para os amigos. Me deliciei com várias coisas que ele escreveu e acontece que ele parou de escrever. E eu escrevi um. Escrevi dois. E na terceira semana, quando não escrevi, alguém reclamou. O Neimar e esse amigo que reclamou foram agentes mandados por Deus para soprar o pó de sobre meu sonho. O sopro me animou a continuar e lá se vão quinze anos.

No filme "Carruagens de fogo", sobre atletas britânicos na Olimpíada de 1924, conhecemos a história de Eric Liddel. Ele estava a ponto de embarcar como missionário rumo a um país distante, mas decidiu disputar as Olimpíadas. Enquanto corre para ganhar o ouro, ouve-se em off um diálogo dele com sua irmã. Ele explica porque escolheu correr, e deixar para mais tarde a conversão das almas perdidas: "Eu acredito que Deus me fez com um propósito. Mas Ele também me fez rápido. Quando eu corro, eu sinto Seu prazer". Reggie MacNeal se refere a essa cena citando Provérbios 8:31, que afirma que Deus se regozija em Seus filhos, Deus fica feliz quando alguém se põe a fazer aquilo para o que Ele o vocacionou.

Eu não escrevo tão bem quando Liddel corria, mas entendo o que ele queria dizer, porque no exercício daquilo que um dia reconheci como minha vocação sinto o sorriso do Pai. Sinto que o sonho era dEle primeiro. Por isso aceitei os estímulos dEle e me recusei a deixar isso morrer. O que me levou ao ato de resistência contra o tempo semana após semana. Por isso, quando me vi desempregado, dois anos atrás, redescobri o prazer de me sentar aqui nesta cadeira e passar horas lapidando frases.

Na última segunda-feira havia um pacote me esperando na portaria do condomínio. Quando abri, uma enorme surpresa: o livro que escrevi nessa fase de incertezas estava ali, com uma capa que até então eu não conhecia, e que achei linda como qualquer pai só pode achar lindo seu filho recém nascido. A Casa Publicadora Brasileira, que tão generosamente apostou no livro, me fez essa surpresa, de enviá-lo de repente, sem aviso prévio.

O título também foi escolhido pela editora. É "Ouse crer". Ouse crer. Propício, não?

E eu só espero que a história do meu sonho quase morto e enterrado, depois ressuscitado e então feito papel e tinta, inspire você a assoprar o pó de sobre o seu sonho. Pra que Deus não apenas sorria, mas gargalhe de puro contentamento com Seus filhos fazendo as coisas que Ele os criou para fazer.

Nenhum comentário: