sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Diferentes classes de monstros

Por alguma estranha razão lembrei esses dias de um filme que a Globo reprisava insistentemente na Sessão da Tarde nos anos 80, um filme acho que francês sobre um homem com uma deficiência mental que era rejeitado e ridicularizado por todos da vila, mas que tinha um coração enorme. O filme era triste até o osso. Por lembrar dele, me ocorreu que é fácil simpatizar com os rejeitados quando eles protagonizam filmes; por que será que é tão difícil fazer o mesmo com os de carne e osso que vivem à nossa volta?

Durante séculos uma pessoa com alguma deformidade física era retratada sempre como vilã nas histórias, como o corcunda traidor de 300 de Esparta, de Frank Miller. As deformidades do físico eram sempre reflexo de deformidades de caráter. A Revolução Francesa, contudo, trouxe a ideia dos direitos inalienáveis da pessoa humana. O Direito, que até então era excessivamente patrimonialista, começou a reconhecer os direitos da personalidade, direitos que são inerentes a todo ser humano, tais como o direito à honra, direito à imagem, direito à intimidade, etc., processo este que chegou ao ponto de fazer inserir no coração da nossa Constituição
o princípio maior da dignidade humana, um princípio ao qual todas as leis brasileiras devem respeitar. Foi essa verdadeira revolução civilizatória que mudou o status das pessoas que carregam alguma diferença estética, funcional ou de capacidade intelectual relevante. A civilização não compactua mais com a discriminação a essas pessoas. 

O problema é que a civilização é uma casca fina e frágil que tenta manter domesticada uma fera selvagem que habita em nós.

Foram necessários séculos de civilização para desembocar na Revolução Francesa, que tentou, de um lado, queimar a Bíblia e extirpar a religião e, de outro, reconhecer o princípio religioso cristão mais basilar que existe: o de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Reconhecer esse fato impresso logo na primeira página da Bíblia deveria ser suficiente para não se admitir bullying e discriminação e para se incensar o apoio e a inclusão dos párias. Deveria. Mas a besta que mora dentro quer negar a humanidade do outro para poder esmagá-lo sem culpa como se faz com uma formiga. A besta que mora dentro quer negar a humanidade do outro para poder usá-lo como se usa um cavalo ou um boi.

Não estou falando exclusivamente da forma como tratamos os deficientes. Estou falando também da forma como homens tratam mulheres, como nações tratam estrangeiros, como torcidas rivais se tratam. "Quando um ser humano é desprezado, tratado como um objeto, ou negligenciado, quando eles são tratados como menos do que humanos, essas ações são ações contra Deus. Porque como você trata a criação reflete o que você sente sobre o Criador" (Rob Bell, em Sex God).

Agredir, coisificar ou desprezar quem quer que seja é uma forma de abrir mão da sua própria humanidade, porque quando você subtrai a humanidade de alguém, quando você despreza o fato de que um ser humano, seja ele quem for, carrega um reflexo, inda que embaçado, da imagem divina, alguma coisa aconteceu com a sua imagem divina. Você se torna menos humano e mais parecido com um monstro. Quem você acha que eram os verdadeiros monstros, os nazistas ou aqueles que eles chamavam de monstros e mandavam para os fornos?

Valorize a imagem divina que há em você. Esforce-se para enxergá-la no outro.

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