sexta-feira, 21 de junho de 2013

A era da insatisfação

Por sob a pele das convulsões sociais que perpassam o país feito descarga elétrica, por trás das centenas de palavras de ordem diferentes, dá pra ler uma única palavra pulsando forte: insatisfação. Às vezes é possível identificar claramente o objeto da insatisfação, mas muitas vezes ele é difuso, fugidio, impossível de precisar. Talvez essa insatisfação mais cívica, com tudo que tem de belo e justo, se mescle com a insatisfação pessoal em que estamos imersos e seja por ela turbinada.

A revista Mente & Cérebro publicou recentemente um artigo sobre o que ela chamou de "a era da insatisfação". Segundo ela, a sociedade está doente de uma insatisfação crônica que desemboca por vezes em depressão e sempre em perda da qualidade de vida. Em maior ou menor grau, a maioria esmagadora das pessoas está suspirando por algo mais ou algo diferente (pode ser por um físico mais sarado, ou uma plástica no nariz, ou um mestrado, ou um cargo mais alto, ou um carro melhor, ou uma casa, ou outro companheiro, ou mais popularidade, ou mais tempo para jogar videogame, ou mais tempo com os filhos, ou tantas e tantas outras coisas).

A igreja pode ser um fantástico catalisador de insatisfação. Certa vez perguntei para um grupo de amigos o que eles gostariam de viver ou reviver em sua experiência de igreja, do que mais eles sentiam falta em sua experiência de igreja. Eu esperava que eles falassem sobre uma igreja mais aberta a sua participação pessoal, que focasse mais fortemente nos relacionamentos, que os inspirasse a servir, coisas do gênero, mas o curioso foi que praticamente todas as respostas tinham hálito de insatisfação pessoal: eu queria estar lendo mais a Bíblia, eu queria estar testemunhando mais... Em resumo, quando eu os encorajei a pensar no que poderia melhorar em sua experiência de igreja, eles pensaram no papel que a igreja costumeiramente pede que eles exerçam e que eles falhavam em conseguir. 

Será que a igreja só serve mesmo para incutir esse complexo de culpa crônico em seus membros? 

Bem, sou o primeiro a reconhecer que nossa vocação é altíssima. Há coisas fantásticas profetizadas para a igreja. A Bíblia usa palavras como "pura", "imaculada", "sem mancha" e "irrepreensível" para descrever o que ela deve ser. Essa é nossa vocação, é para lá que devemos rumar, "crescendo mais e mais até ser dia perfeito" (Provérbios 24:18). Devemos constantemente buscar crescer, tanto na vida pessoal como na devocional. Portanto, se a insatisfação e a culpa não devem fazer parte do pacote de nossa experiência de igreja e com Cristo, isso definitivamente não significa que devemos ser acomodados e baixar a norma para qualquer coisa menor que puros, imaculados e irrepreensíveis. 

Mas a verdade é que Cristo veio para que tenhamos vida. Muita vida (João 10:10), não pouca. Também é verdade que a alegria é uma das faces do fruto do Espírito (Gálatas 5:22), de modo que todo aquele que recebe o Espírito é alegre. Pouco antes de morrer, Jesus orou pedindo por nós, "para que eles tenham a minha alegria completa em si mesmos" (João 17:13). Nada menos que isso.

O caminho é longo, mas a alegria, a satisfação, não estão apenas no final dele. Podemos ser felizes no processo de nos tornar aquilo que Deus sonhou a nosso respeito. Podemos vivenciar a vida que custou o altíssimo preço do sangue dEle. Podemos querer algo mais em nossa vida e até esbravejar palavras de ordem, mas gratos pelo que já é. Gratos pela salvação fantástica que já está consumada.

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