sexta-feira, 17 de maio de 2013

É lógico (ou não)

Decartes era um apaixonado pela lógica, tanto que seu nome virou um quase sinônimo dela. Os termos "lógica" e "cartesiana" andam de mãos dadas por aí. A pretensão dele era eliminar subjetivismos e criar aforismos blindados à refutação que seriam capazes de conduzir o pensador à verdade. Aplicando seu método, escreveu uma série de raciocínios que pretendia serem realmente irrefutáveis, entre os quais um pelo qual "provava" a existência de Deus. Seu método foi importantíssimo para o aparecimento da ciência moderna, que, contudo, refuta a existência de Deus. A ciência alcançou entender um ou dois fenômenos químicos, físicos e biológicos e assim a hipótese Deus se tornou obsoleta e evoluiu até mesmo para "delírio".

Os que creem tendem a se defender dizendo que Deus é uma questão de fé e fé seria algo que acontece fora dos domínios da lógica. Porque, sim - dizem eles - existe uma área que a lógica não alcança; ela não é onipresente. Eu confesso que oscilo entre Decartes e a moderna fé. Há dias em que minha razão grita que Deus existe. Há dias em que a dúvida se insinua e aí sou convidado a crer somente. A dúvida tem enfraquecido muito ao longo dos anos, mas ainda está lá, marcando presença, obstinada, e de quando em vez coloca sua cabeça para fora. Aprendi a conviver bem com ela. Aprendi a ver que Deus parece gostar dela.

Digo isso porque Ele me diz que eu preciso de fé para ser salvo e fé é algo que pressupõe dúvida, já que ela nasce quando há coisas que não vimos, quando há coisas que esperamos acontecer (Hebreus 11:1) e, portanto, quando o método científico não pode ser aplicado. Mas digo isso também pela forma como Deus gosta de zombar de minha lógica.

Tome-se o exemplo do pródigo. Philip Yancey narra em Maravilhosa Graça a reação que alguns camponeses do Oriente Médio, que viviam em estilo e valores ainda muito semelhantes aos dos contemporâneos de Jesus, ao lerem a história do filho pródigo, estranharam duas coisas: um patriarca, rico, que corre (essa atitude era inadequada para um homem respeitável) e um filho que pede a herança com o pai ainda em vida. Pedir a herança ainda em vida era como dizer ao pai: "pra mim você já poderia estar morto", uma ofensa terrível, que revelaria um caráter abjeto. Bem, séculos antes, o homem tido como o mais sábio de todos os tempos, Salomão, escreveu este provérbio: "O filho revoltado que exige do pai uma parte da herança antes da hora certa não será abençoado no final" (Prov. 19:21, Bíblia Viva). É claro que não. É o resultado lógico, é a consequência de se ter um caráter abjeto. Jesus, contudo, narra um pai humilhado que assim mesmo perscruta o horizonte à espera do filho desgarrado e assim mesmo corre em direção ao filho quando o vê. Para abençoá-lo no final. "Veja o que eu faço com sua lógica", Ele está dizendo. 

Quando meu Deus afirma que deixa 99 para buscar só uma que se perdeu, que os trabalhadores da última hora recebem tanto quanto os da primeira, que vale a pena vender tudo por uma única pérola e sobretudo quando Ele Se identifica comigo, Se rebaixa e coloca Sua cabeça na guilhotina que estava preparada para mim, eu vejo que Ele está rindo de minha lógica. E eu rio junto. Porque a ilógica dEle labora em meu favor.

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