sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os crentes também amam


Há algumas semanas eu comentei aqui, partindo dos textos em que Paulo nos adverte a ter uma postura de tolerância, cuidado e paciência com os irmãos da igreja, que Deus tem um interesse curioso em manter pessoas fracas, erráticas, chatas e inconvenientes na igreja, para nossa edificação, e que não devemos tentar fugir delas. Bem, talvez tenha chegado o momento de dar um passo além.

Em João 8:35 Jesus dá o sinal distintivo da verdadeira igreja na Terra. Talvez você esteja mais afeito aos textos do Apocalipse que dizem que a verdadeira igreja é aquela que guarda os mandamentos e a fé de Jesus, mas quando Ele próprio quis destacar qual o elemento distintivo de Sua igreja verdadeira para as dos falsos profetas, Ele afirmou: “nisso conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”.

Nós gostamos de falar de amor nos meios cristãos. Falamos dele o tempo todo. Fiz uma breve pesquisa com o auxílio do site da Sociedade Bíblica do Brasil e vi que apenas o livro de Tiago não menciona a palavra amor nem uma vez no Novo Testamento. Com uma tal ênfase, é difícil fugir do tema. O curioso é que nossa forma de enfocar esse assunto é frequentemente de forma vaga, dirigindo o amor “às pessoas”. “Pessoas”, assim, essa coisa indeterminada, sem rosto e que de preferência está bem longe. Pessoas que sofrem como o homem que o bom samaritano encontrou no caminho e aí pode ser que a gente tope com alguém numa situação semelhante algum dia... Contudo, outra coisa que essa minha pesquisa pelo tema do amor no Novo Testamento me revelou é que essa palavra é empregada geralmente no contexto da própria igreja.

Jesus disse que se alguém andasse por uma rua que tem muitas igrejas e passasse olhando lá pra dentro, iria poder reconhecer a igreja verdadeira pelo grau de afeição e amor que os membros dessa igreja têm uns pelos outros. Uns pelos outros primeiro, e só depois pelas “pessoas”, aquelas sem rosto que a gente pode um dia, talvez, encontrar (mas que tomara que não encontre).

Quando introduz sua brilhante ilustração da igreja como um corpo, Paulo afirma que a coisa funciona num tal nível de organicidade amorosa que “se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (I Coríntios 12:26), e aí a gente pensa na nossa igreja e vê que ela não funciona assim. Na minha igreja muitas vezes quando alguém sofre os demais parecem agir como se ficassem aliviados porque não aconteceu com eles e às vezes até assumem um ar superior que emula a ideologia teológica dos amigos de Jó. Na minha igreja, na maioria das vezes que alguém tem uma grande vitória – um emprego novo, uma boa promoção, a compra de uma boa casa, a assunção de um posto honrado, etc – essa pessoa vai ter que comemorar sozinha, porque os demais parecem sentir uma impossibilidade absoluta de ficar feliz por ela.

Penso que quando Paulo afirmou que a igreja seria o palco onde você seria chamado a exercitar paciência, tolerância e o dom de direção e advertência, falando em outros cantos que o tipo de sentimento que deveria imperar na igreja seria o amor, ele indicava que os fracos, aqueles que invejam e não amam, seriam a exceção, e não a regra.

Existe essa peculiaridade irritante do amor: ele é princípio. Ele não espera o outro ser amável para amar. Ele não espera sentir amor para agir como se amasse. Você decide amar as pessoas que o rodeiam em sua igreja. No resto Ele age.

Um comentário:

Gabriel Henríquez disse...

Meu amigo Marcão,

A perspectiva da prática do amor dentro na igreja, isto é, na comunidade, por mais paradoxal que pareça, parece ser ofuscada pela nossa ansiedade de uma vida celestial, pelo "peso que deixaremos de carregar", e não simplesmente porque Jesus estará lá conosco.
Às vezes tenho a impressão como se inconscientemente estivéssemos esperando uma recompensa pelo "nosso esforço". E a questão do amor ao próximo, parte significativa do Grande Mandamento já conhecida pelos escribas antes mesmo de Jesus mencioná-la (veja Lev 19:18 e Mar 12:33), ficasse renegada ao segundo plano, como algo que é simples consequência da primeira parte deste mandamento, e que portanto não precisamos dar atenção ou nos preocuparmos com ela. E esta tem sido a "desculpa" que tenho ouvido diversas vezes.

E com isso, deixamos de ver que o Reino de Deus poderia estar tão próximo de nós, que já poderíamos fazer parte dele, e que nosso papel como instrumentos atrairia outros para dentro dos Seus domínios.

Não seria esta nossa prática religiosa a causadora desta distorção do que chamamos de Cristianismo? Explicando: quando dizemos "vamos ao culto" ou "assistirei ao culto", sem querer modificamos nessas palavras o real significado do que é um "culto": algo que deve ser oferecido, prestado, provido, ofertado a Deus e não algo para ser consumido como um programa de televisão ou um lugar como restaurante onde serei servido. E esta expectativa de consumo parece tão arraigada em nós que inconscientemente mudamos o sentido das palavras para que as mesmas reflitam nosso forma de pensar. E o resultado disso? Bem, se somos assíduos expectadores de programações eclesiásticas, então estaríamos cumprindo nosso papel como "cristãos atuantes".

Ás vezes penso que já estejamos tão insensibilizados pelo nosso dia-a-dia da prática da religião que conhecemos (e isto não é somente na IASD) que deixamos de ver a profundidade e a relevância para o nosso relacionamento com Deus o nosso praticar o Grande Mandamento como um todo, e conforme Francisco de Assis, sem o uso de palavras.

Aliás Marcão, acho que você quis dizer João 13:35, certo?

Um forte e grande abraço meu amigo!