Em meio à cadeia infindável
de tumultos ocasionados pelo filmeco caseiro americano anti-islâmico e às
charges de Maomé publicadas na França, um interessante debate sobre os limites
da liberdade de expressão se levantou no Ocidente. Devemos ofender
declaradamente apenas para reafirmar nossa liberdade de poder fazê-lo? Agir de
outra forma seria capitular à barbárie absolutista do fundamentalismo islâmico?
E as vidas que foram e serão ceifadas pela fúria islâmica, não são um preço
alto demais a pagar por esse valor principiológico da liberdade?
A reação mais diplomática do
mundo islâmico foi o anúncio de que tentarão inscrever a blasfêmia como um
crime nos Tratados Internacionais do gênero para, assim, conseguir uma
ferramenta legal de repressão a expressões que os mais exacerbados muçulmanos
reputam como ofensivas.
Este seria um caminho
bastante perigoso, contudo, ao menos para uma importante parcela de muçulmanos
ao redor do mundo. Reconhecer os axiomas desta ou daquela religião como sendo
aplicáveis e oponíveis universalmente poderia desencadear um regime de reciprocidade
altamente desvantajoso para o mundo muçulmano, já que é possível exercer essa
fé com relativa tranquilidade em praticamente todos os países em que a maioria
professa outra religião, mas a recíproca não é verdadeira. Assim, já que o
Ocidente teria que entender ser um crime fazer uma caricatura de Maomé,
estaria, por outro lado, liberado para proscrever a religião muçulmana como o
cristianismo o é em diversos países islâmicos. É dizer mais ou menos o
seguinte: você quer que eu engula esse preceito que você diz ser essencial na
sua fé mas você não tolera o preceito essencial de liberdade da minha; nesse
caso, você não faz jus à liberdade também.
Atrair a religião ao Estado,
dar ferramentas de repressão legal por motivos religiosos, poderia dar ensejo a
uma espiral de intolerância que colocaria em risco o processo de globalização
ou, estressando ao máximo a situação, a própria vida como a conhecemos. E, no
entanto, nossa Bíblia avisa que é exatamente um estado de coisas assim que será
instaurado brevemente.
Para nós, que não saímos por
aí ofendendo o Profeta mas que também custamos a entender a fúria que move as
multidões ofendidas, esses eventos nos ajudam a lembrar de um princípio
essencial: tolerância exige tolerância. Se você quer que as excentricidades de
sua fé sejam toleradas pelos outros, precisa tolerar as bizarrices deles
também. Não devemos ter medo de pensar assim, porque “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (I Coríntios
3:19), assim, nada mais natural que os sábios deste mundo nos vejam como
excêntricos. Não é, contudo, agindo como se a nossa excentricidade fosse
superior às dos demais que o evangelho da salvação será pregado. Jesus não
forçou nenhuma porta, ao contrário, bateu suavemente em cada uma torcendo para
ela ser aberta por dentro.
O cristão é um multiplicador
de tolerância e compreensão. Missão cada vez mais complicada de se desempenhar,
mas quem disse que seria fácil?
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