sexta-feira, 25 de maio de 2012

Utopias


Os capítulos 2 a 4 de Atos são realmente empolgantes. Descrevem um grupo de pessoas vivendo unidas, reunindo-se todos os dias, comendo juntas, louvando a Deus, vendendo seus bens e dividindo irmãmente o resultado da venda, alcançando assim enorme simpatia entre todas as pessoas, a ponto de seu número crescer aos milhares. Fenômeno parecido houve uma única vez, nos Estados Unidos em meados do século XIX, quando centenas de milhares de pessoas, inflamadas pela pregação de William Miller, esperavam Jesus voltar em 1844. A dinâmica encontrada no comecinho da igreja cristã, portanto, é uma evidente exceção à regra. A regra é a opressão de uns pelos outros e o apego doentio à propriedade privada.

John Lennon convida as pessoas a imaginarem como seria um mundo diferente, com todos vivendo como irmãos, sem mais barreiras a nos separar, sem igrejas ou religiões. A utopia de “Imagine” não é exclusividade dele, como a própria canção diz (“you may say I´m a dreamer/but I´m not the only one...”). Ao longo da História milhões sonharam com isso.

No começo do século XX, não sonhar com isso era um terrível defeito de caráter. Pregava-se a revolução que subverteria a regra da opressão. As ideias de Marx e Engels abriam o caminho para a reedição da dinâmica da igreja cristã primitiva, mas tirando Deus da equação. Deus, aliás, era um entrave à consecução desse sonho.

Estou lendo “Sussurros”, de Orlando Figes, um fantástico estudo sobre como era a vida privada na União Soviética de Stalin. É praticamente uma colagem de centenas de histórias de pessoas de todos os tipos e de como suas histórias, sua psicologia, seus hábitos sociais e sua visão de mundo foram impactados pela soberania bolchevique. O título do livro vem do fato de as pessoas terem aprendido a só falar aos sussurros e mesmo assim apenas entre quatro paredes, o que nem era tão fácil assim, já que três, quatro, às vezes mais famílias tinham que dividir uma mesma casa ou apartamento.

As crianças nascidas na década de 20 foram ensinadas a absolutamente não falar nada, cresceram em silêncio quase sepulcral, porque qualquer coisa poderia ser interpretada como uma atitude antirrevolucionária. Qualquer pessoa, mesmo altos membros do Partido, caíam em desgraça da noite para o dia, justa ou injustamente, acusados de serem “inimigos do povo”. Reclamar quanto a uma prisão arbitrária, geralmente ocorrida durante a madrugada, era fatalmente pedir para ter o mesmo destino do preso e então encarar os campos de trabalho forçados na Sibéria ou o pelotão de fuzilamento. Tudo é de todos e o povo é que manda? Longe disso. Alguns animais são mais iguais do que outros, como advertiu o brilhante George Orwell.

A experiência comunista, sobre a qual sabemos relativamente muito pouco, é um recado eloquente para o homem que sonha com as promessas do cristianismo à parte do Cristo. Ele promete um ambiente de justiça e harmonia eternos, mas tem que ser do jeito dEle e na hora dEle. Meras promessas, portanto? Não! Só Ele conseguiu inspirar ambientes de justiça e harmonia neste contexto de pecado. Só Ele tem currículo para merecer confiança.

Com Cristo não há utopias. Há promessas e certeza.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não entendi qual a vantagem prática do "comunismo com Cristo" sobre o o stalinismo. Sei lá, olhando para a experiência cristã ao longo de milhares de anos, o que foi que alcançamos? A idade média, o capitalismo selvagem. Eu sei, você dirá que é porque abandonamos a Cristo. Ok, bem como o povo foi traído por Stalin que subverteu o comunismo. Seria um caso de empate talvez?

Marco Aurelio Brasil disse...

Rafa, não creio que o povo tenha sido traído por Stalin. Possivelmente ele tenha feito tudo para salvar a revolução e fazê-la eterna. Seu discurso e provavelmente sua ideologia era limpar a Rússia dos "inimigos do povo", pessoas descrentes, descontentes e comunistas impuros. Tudo para lançar longe a opressão fascista e, mais tarde, a capitalista. Advogo em relação ao cristianismo por haver mostrado exceções a essa regra. Alguns poderão apontar para certas comunidades indígenas como sendo exemplos disso também, reverberando o mito do bom selvagem de Rousseau. Minha fé, contudo, aponta em outra direção: o cristianismo tem não apenas o exemplo de sucesso na utopia, mas a explicação sobre porque ele não pode ser perene neste contexto de pecado. A volta de Cristo porá um fim nesse ambiente avesso à solidariedade e à harmonia. Vale a pena advogar a superioridade dessa ideologia.