sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O certo e o errado

Muita gente boa acreditava, como hoje também, que Deus é do tipo “fiscal de comportamento”, sorrindo quando alguém agia certo independentemente de seus motivos para isso, e que franze o cenho e se ira quando alguém age errado. Para merecer o sorriso divino, basta agir do jeito certo, falar as palavras mágicas, vestir a roupa certa e ouvir a música certa. Aquelas pessoas, como tantas hoje, não conseguiam entender o sentimento que Deus tem quando alguém que estava longe dEle volta para Ele e não conseguiam entender por que razão Ele dedicava tanta atenção aos que estavam longe.

Para tentar explicar como as coisas realmente são, Jesus contou a história de um pai de dois filhos para quem o caçula chega e faz um pedido inopinado: pai, adianta a minha parte na herança que eu quero sair por aí e curtir a vida. No antigo Oriente, esse pedido equivalia a dizer: pai, eu preferia que você já estivesse morto. Mas o pai atende mesmo assim, respeita a liberdade de escolha do seu filho, vende algumas propriedades, ajunta o dinheiro e lá se vai o seu caçula, conhecer as delícias do mundo.

Você conhece a história e eu preciso resumi-la para caber nesses poucos parágrafos: ele gasta toda sua fortuna e de repente se vê numa situação de penúria, cuidando de porcos e tentando comer um pouco da ração deles, uma coisa abominável para um judeu, para quem o porco é um animal imundo. Ele então volta, disposto a mendigar um lugar de empregado na casa do pai. O pai estava fazendo aquilo que fazia todos os dias desde que o filho partira: estava espreitando a estrada, na esperança de ver o filho querido voltar. Quanto tempo gasto nessa expectativa! Então acontece o segundo fato estranho para aquela sociedade patriarcal do antigo Oriente: o pai corre ao encontro do filho. Senhores de vastos domínios, como parece ser o caso do pai, nunca correm. Mas esse correu. Para abraçar o filho, colocar nele seu anel e ordenar uma festa.

Então entra na história o filho mais velho. Quando ele ouve os sons de festa na casa, chegando de um dia cansativo de trabalhar na propriedade do pai (a atitude certa, a roupa certa, a música certa) e é informado da razão de tanto barulho, ele se revolta. Aquilo simplesmente não era justo. Aquele seu irmão já tinha tido a recompensa pelas suas escolhas, tinha gasto parte da propriedade do pai provavelmente em prostitutas, não era justo que agora tivesse uma festa; ao passo que ele havia ficado ali e trabalhado tanto e tão duro (a atitude certa, as palavras mágicas...), sem nunca ter recebido festa nenhuma. Ele decide não entrar na casa. O pai vem e explica pra ele que não dá para fazer cara de paisagem quando um filho perdido, dado como morto, reaparece, renasce. E insiste comseu primogênito para entrar.

Nessa história, a casa do pai é o símbolo do lugar onde nada falta. Onde a fome não grassa, onde há de tudo o que precisamos. Aquele filho mais velho não havia sentido fome. Ele estava ali o tempo todo. Mas tinha um problema: ele se achava merecedor do lugar que ocupava naquela casa. Ele cometeu o erro terrível de achar que ficar na casa e comer do pão do pai tinha que ver com merecimento. Com agir do jeito certo, estar no lugar correto, falar as palavras certas.

A grande tragédia da história do filho pródigo é que, enquanto o filho que se humilhou e arrependeu a termina com o anel do pai no dedo e experimentando as delícias de uma festa inverossímil e muito além do que ele esperaria encontrar, o filho que age certo fica longe da casa do pai. Ele se nega a entrar. Seu sendo de justiça o afasta do lugar onde nada falta para todos a quem o pai ama.

Ficar na casa pelos motivos errados significa acabar a história fora dela. Querer merecer seu lugar ali é inútil. A atitude certa, a palavra certa, a roupa e a música certas, são aquelas que aprendemos imitando o pai ao contemplar, com olhos repletos de gratidão pelo pão de cada dia que Ele dá em sua mesa, como Ele age.

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