sexta-feira, 18 de março de 2016

Manifesto

Nesses dias em que a incrível abundância de fatos estarrecedores se sucede em velocidade de cruzeiro, criando um estado de excitação constante, debater política parece ainda mais espinhoso do que normalmente já é, especialmente quando se é um desiludido assumido como é o meu caso.
Essa semana compartilhei (caí na besteira de) um trecho de um texto de uma autora não confessadamente simpática ao regime de esquerda. O texto dizia que não havia justificativa plausível para Lula, mas o trecho específico que compartilhei argumentava que se a indignação das massas que invadiram as ruas no último domingo fosse realmente contra a corrupção como um mal em si, haveria bonecos de todos os corruptos envolvidos no escândalo, e não apenas da presidente e seu sucessor. Claro que isso me obrigou a passar o resto do dia respondendo a comentários odiosos ou simplesmente contrários a esse ponto de vista. Eu compreendia perfeitamente porque só havia bonecos de Lula e Dilma, mas achei que seria um bom pretexto para enfocar a relativa passividade com que engolimos outros escândalos de corrupção. 
Em 2002, discordando profundamente de certas atitudes e principalmente inércias de FHC, votei em Lula, cheio de esperança. Retirei completamente, contudo, meu apoio logo no primeiro ano de seu primeiro mandato, quando ele se despediu de Palocci, flagrado em um esquema de corrupção que envolvia prostitutas e a quebra do sigilo bancário de um caseiro de sítio, como se Palocci fosse um herói da resistência. No meu entendimento, o recado moral que ele dava à nação ali era mais desastroso do que qualquer desacerto na economia poderia ser. Não importava o quanto bem ele fizesse em qualquer campo de seu governo, aquele aspecto me parecia vital, especialmente de alguém que empunhara a bandeira da ética durante vinte anos. O que veio na esteira parece confirmar minha impressão.
Em O fiel e a pedra, o grande escritor pernambucano Osman Lins fala de outro caseiro, um homem rude incumbido de proteger uma propriedade que se torna alvo da ambição dos coronéis locais. Aquele homem tem tudo a perder, mas se mantém absolutamente fiel a sua missão. O curioso é que ninguém entende aquela atitude. Ele soa meio como louco. Parece que os latinos têm esse cinismo entranhado, essa falta de apego a valores absolutos, essa tendência a apoiar o que parece mais conveniente e a fazer pouco caso de certos deslizes dependendo de quem vêm. Àqueles que lhes soam simpáticos, todas as prerrogativas da lei, a começar pelo "in dubio pro reo", aos demais, o oposto. Ou será que não usamos de desculpas tão esfarrapadas quanto os partidários do PT para justificar os desmandos de nossos queridinhos da política e vice versa?
Fico com Cyro dos Anjos: "e no entanto, é preciso lutar pelo advento de um tempo em que a virtude dirija os homens". Fico com Jesus Cristo: "Seja, porém, seu falar sim, sim e não, não" (Mateus 5:37). Sem nenhum tom de cinza.
Meu singelo manifesto nesse momento de ebulição nacional é: vamos aprender a lição. Vamos usar essa indignação toda, por inteiro. Sem pragmatismo. E isso significa: mais do que enaltecer ideologias ou programas de governo, enalteçamos a integridade como um valor novo, como um valor supremo.
E que Deus tenha piedade deste país.

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