Há diferenças enormes entre a
forma como a cultura ocidental, judaico-cristã encara os crimes sexuais e a
forma como eles são vistos no mundo islâmico. Se aqui o estupro é o pior de
todos os crimes, lá é a sedução que é vista como a maior das atrocidades. Por
trás dessa disparidade está o entendimento dos muçulmanos de que o estupro, a
rigor, não passa pela tomada de uma decisão pela vítima, ao passo que a sedução
sim. A sedução seria uma forma de levar o outro a tomar uma decisão pecaminosa,
uma forma de quebrar a virtude alheia.
É claro que isso acaba
gerando distorções estranhas. Por exemplo, não faz muito tempo que o Irã
condenou à forca uma moça de 19 anos que admitiu haver esfaqueado e matado um
dos três homens que tentaram estuprá-la. O pensador esloveno Slavoj Zizek
comentou assim o caso: “Eis o impasse: qual seria o resultado se ela decidisse
não se defender? Se tivesse permitido que os homens a estuprassem, seria
submetida a cem chicotadas pela lei de castidade; se fosse casada na época do
estupro, provavelmente seria considerada culpada de adultério e condenada à
morte por apedrejamento”.
E como atingiram esse nível
absurdo de distorção da realidade que faz com que a mulher seja sempre culpada?
Zizek lembra outros dois fatos que talvez ajudem a explicar. Em um deles, uma
mulher muçulmana matou-se após haver ficado por algumas horas presa em um
teleférico quebrado com um homem que não era seu marido, isso porque ninguém acreditaria
ser possível um homem e uma mulher terem ficado em circunstâncias assim e “nada
ter acontecido”. O outro fato foi a declaração de um líder religioso muçulmano
da Austrália, em 2006, a respeito de um grupo de muçulmanos presos por estupro
coletivo: “Quando se leva carne descoberta para a rua e a deixa lá... os gatos
vêm e a comem... de quem é a culpa, dos gatos ou da carne descoberta?”
Ou seja: ao
demonizar a sedução, a cultura machista islâmica encontrou uma fácil válvula de
escape moral: eu só estuprei porque fui seduzido. Aí está a razão de, nos
círculos mais radicais, obrigarem as mulheres a estar cobertas da cabeça aos
pés, sempre, porque qualquer parte do corpo à mostra pode levar um homem a não responder por seus atos...
Ao invés de simplesmente
balançar a cabeça e dizer tsc, tsc pela forma como esses “bárbaros” tratam a
mulher, deveríamos tentar aprender alguma coisa sobre as desculpas que nós
mesmos costumamos dar para o nosso pecado. Se você ligar a TV em qualquer
capítulo de qualquer novela vai provavelmente se deparar com situações em que
algum personagem é levado a fazer alguma loucura pela paixão, como se houvesse
tentações irresistíveis. Essa mentalidade tem dado cara, cor e cheiro à
sociedade em que vivemos e a assim chamada ciência tem tentado dar um verniz de
verdade suprema a ela dizendo que não podemos reprimir nossos instintos, que
devemos fazer o que o nosso coração manda sempre e que se agirmos de outra
forma não atingiremos o objetivo máximo desta vida, que é sermos felizes. É
como se fôssemos estupradores muçulmanos apontando para o nosso pecado e
dizendo: a culpa é só dele, que atravessou o meu caminho.
É verdade que a tentação é
irresistível, mas só para quem está distante de Deus. “Quem está em Cristo,
nova criatura é”, e “tudo posso nAquele que me fortalece” (II Coríntios 5:18 e
Filipenses 4:13). A tentação, qualquer uma, é resistível, porque “não vos
sobreveio tentação senão humana” (I Coríntios 10:13).
Mais do que a certeza da
vitória, estes textos nos relembram de nossa responsabilidade pessoal pelos
nossos atos. Não adianta querer encontrar desculpas que justifiquem agir de
forma contrária ao “Assim diz o Senhor”. Se isso acontecer, a única alternativa
é pedir perdão, porque o pedido de perdão não traz atrelado a si nenhuma dessas
desculpas esfarrapadas, mas reside unicamente na confiança na misericórdia do
Pai. Se você o fizer, Ele vai dizer: vá, e não peques mais. Eu vou dar o poder
para que você consiga!