sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Diferente

Escravidão. Uma das piores formas de violência. Um escravo não tem amor próprio, não lhe é permitido fazer a mínima escolha a respeito de sua própria vida. A escravidão mostra da forma mais explícita o supremo desejo humano: pisar o pescoço de um semelhante e dizer-lhe o que fazer, subjugar o outro e fazê-lo atender aos seus desejos e necessidades. A escravidão é o egoísmo humano em sua forma mais brutal.

O povo de Deus sentiu o gosto amargo da escravidão muito cedo. Os egípcios se transformaram de ótimos anfitriões em senhores de escravos. Mais tarde vemos o mesmo povo escravo de novo, em Babilônia, mas sabemos que isso aconteceu como consequência dos repetidos pecados: da rejeição dos profetas que apontavam o caminho certo, da insistência em adorar a ídolos e da adoção dos hediondos costumes pagãos. Mas por que razão foram escravizados pelo Egito? A Bíblia não aponta algo que eles tenham feito para receber a escravidão como punição ou consequência.

Fiquei com essa dúvida muito tempo, até que a leitura da história de Salomão me apontou uma sugestão interessante de resposta. Sabemos que o reino de Salomão era tão rico que a prata se tornou “tão comum como
as pedras” (I Reis 10:27). Riqueza e o temor dos povos vizinhos, que lhe garantiu paz. O que o rei rico e em paz fez? Construiu obras magníficas. Um templo, um palácio, os muros de Jerusalém e outras tantas obras. Mas como ele fez isso? Ora, com escravos.

A forma corrente de fazer as coisas era assim. Fora assim que os faraós egípcios haviam construído aquelas coisas fantásticas que até hoje nos encantam. Era natural recorrer aos escravos. O problema é que não há nada mais repulsivo para Deus do que o desejo humano de subjugação do semelhante. Ele havia colocado Seu povo ali naquele lugar geograficamente privilegiado para ser uma benção para as nações, e não para ser uma nação como todas as outras. Uma nação que, quando tem uma oportunidade, pisa o pescoço do vizinho.

Talvez os hebreus tenham sido escravizados no Egito e sentido o peso do chicote nos lombos para, quando chegasse a hora, eles fazerem diferente. Mas eles fizeram igualzinho. Eles tinham prata como pedras,
poderiam haver pago os trabalhadores. Mas eles fizeram aquilo que parecia normal fazer.

Jesus Cristo veio e fez diferente. Ao invés de fazer descer fogo do Céu, ofereceu a outra face. Ao invés de forçar uma adoração calcada no medo, abaixou-Se, tocou as feridas, olhou nos olhos e, abrindo mão do próprio conforto, serviu.

Você decerto tem muitas razoáveis justificativas para agir do jeito que todo mundo age. Jesus aponta à cruz e diz que não pagou a sua pena para você ser medíocre, ser igualzinho todo mundo. Ele quer que você vá e faça diferente.

Feliz sábado, @migos!

Marco Aurelio Brasil, 25/02/2011

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Visões de futuro

Quando pensamos na palavra profecia geralmente vêm à nossa mente visões estranhas sobre o fim do mundo ou sobre um futuro distante. Na Bíblia, contudo, profecia é qualquer mensagem vinda da parte de Deus. As Escrituras estão coalhadas de relatos de previsões do futuro mas em geral se trata de assuntos imediatos, coisas que aconteceriam naquela mesma geração ou num futuro próximo, como a pregação de Jonas para Nínive, que antecipava algo que aconteceria dali a quarenta dias apenas.

É curioso notar que nos anos de ouro de Israel não tenha existido nenhum profeta muito proeminente. Lemos sobre Natã, mas só o vemos atuar em um assunto imediato, fazendo o rei Davi se dar conta do tamanho do pecado que havia cometido com Bate Seba e Urias. Vemos o ainda jovem e recém ungido rei Saul profetizando, mas aparentemente não havia nenhuma visão de futuro distante ali e o mesmo acontece na atuação de Samuel.

É quando a coisa começou a degringolar que os profetas aparecem com maior presença. A maioria dos que deixaram registros que hoje integram a Bíblia apontavam para um tempo em que o povo de Israel seria dominado por um povo estrangeiro e viveria no exílio. Esta, diziam eles, seria a consequência da desobediência e da adoração dividida (uma vela para Deus e outra para os ídolos cananitas).

Bem, esse dia chegou. Primeiro para Israel, pela mão dos assírios, e depois para Judá, pela mão dos babilônios. É durante os dias desse primeiro evento terrível que aparece um tipo ainda desconhecido de profeta: Isaías começa a prever coisas num futuro muito mais distante. Isaías é quem praticamente inaugura a figura dos profetas conforme a ideia que as pessoas hoje têm. Ele fala da vinda do Messias e aponta para um ponto muito além no futuro, onde Deus criaria “novos céus e nova terra” (66:17).

Mas é durante o exílio dos judeus em Babilônia que aparece o maior de todos os profetas apocalípticos (forma como os teólogos designam esse tipo raro de profeta): Daniel. Todas as profecias dos demais profetas haviam se cumprido, já. O povo escolhido por Deus estava humilhado, reduzido a um remanescente insignificante, com a autoestima quebrada, tão destruída quanto o templo e os muros da sua adorada Jerusalém, sendo obrigados a servir um povo pagão. É só nesse contexto que Deus abre a cortina do que aconteceria ao mundo até o seu final. Ele mostra a Daniel que Babilônia seria sucedida pelos persas na hegemonia da mesopotâmia, e que os persas seriam suplantados pelos gregos; descreve com detalhes o reinado dos romanos, mostra a transmutação desse reino para a igreja católica, dá um vislumbre na situação geral do mundo depois disso e enfim mostra Jesus Cristo voltando à Terra em glória e majestade para colocar fim ao império do pecado e inaugurar um Reino que jamais passará (leia Daniel 2 para mais detalhes).

Não é curioso que é só quando o povo de Deus atinge o fundo do poço que Ele lhes revela a razão e a fonte de sua maior esperança? Será que isso não é por acaso? Será que, quando as coisas vão bem, uma visão de glória resplendente não parece tão resplendente assim? Será que menosprezamos o ideal de felicidade divino quando temos uma imitação barata dele vendida aqui mesmo? Será que nossa capacidade de olhar mais além e mais longe se enfraquece quando estamos confortáveis e descansados?

Responda você.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Para que se prolonguem os teus dias

Qual é a frase que você mais ouviu na infância? O que você gostaria de dizer aos seus pais e nunca disse? Perguntas delicadas, não?

O quinto mandamento diz que devemos honrar o pai e a mãe. Curiosamente, é o único dos dez que vem acompanhado de uma promessa: “para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá” (Êxodo 20:12). A leitura tradicional desse mandamento vê nele a imposição de um comportamento baseado em uma hierarquia indiscutível; pais e mães têm prevalência e precisam ser honrados pelos filhos porque Deus disse que assim tem que ser e ponto final. Mas, se é assim, qual seria a relação do mandamento com a promessa embutida nele?

Salomão escreveu que “O coração alegre serve de bom remédio; mas o espírito abatido seca os ossos” (Provérbios 17:22). Ou seja, a mágoa e o ressentimento minam a energia vital, nos fazem murchar e secar. Poderíamos dizer que a mágoa e o ressentimento encurtam os dias que temos, interferem negativamente em nossa longevidade.

Talvez, então, eu não estivesse lendo o 5º mandamento da forma correta. Se a atitude de honrar o pai e a mãe é uma ferramenta para o prolongamento dos dias do filho, a razão de ser do mandamento pode estar na proteção desse contra os muitos traumas que comumente florescem da conturbada relação de pais e filhos. Não se trata, assim, da formação de uma hierarquia para benefício dos pais, mas de uma estratégia terapêutica para os filhos.

A responsabilidade de ser pai é avassaladora e a verdade é que nem sempre se acerta a mão. Os pais são as figuras mais importantes na mais importante das fases da vida, quando se delineia o caráter e a personalidade de cada criança. Como somos naturalmente falhos e imperfeitos, daí decorre uma série interminável de traumas e bloqueios psicológicos que muita gente carrega pelo resto da vida. Por isso é comum haver desconforto e até explosões emocionais quando perguntados sobre a frase mais comum da infância ou o que diríamos aos pais ou qualquer outra coisa do gênero.

Honrar pressupõe perdoar e respeitar. Se você tem cicatrizes e barreiras construídas em seu peito há muito, muito tempo, saiba que Deus não está sugerindo apenas; ele está mandando que você perdoe, que honre. Porque Ele quer que você viva mais e melhor.