sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A música

Você pode acreditar que Deus não existe. Principalmente porque, a toda evidência, se Ele existe, lhe dá esse direito. Você pode acreditar que Ele é uma invenção humana, a criação de Algo sobre o qual jogar todas as perguntas sem resposta, uma muleta psicológica ou uma ferramenta de dominação sobre as massas, qualquer coisa assim. O que fico pensando é: como optar por essa saída e ainda assim continuar dando o lugar para um velhinho que sobe no ônibus?

C.S. Lewis dá outros exemplos: por que os nazistas são vilões? Por que o que eles fizeram estava errado? Ou, por que todas as nações em guerra usam os serviços de traidores do outro lado e até os recompensam com dinheiro e outros favores mas no fundo os desprezam? Ou será que há alguma nação que tenha orgulho de seus traidores? E é normal alguém orgulhar-se de ferir, maltratar e trair aos que ama?

O fato de você se indignar ao ver um corrupto no último escândalo do noticiário ou quando alguém fura uma fila na sua frente, ou o fato de você não achar que deve quebrar a cara de alguém que acabou pisando no seu pé no metrô, ou ainda o fato de você achar que é aceitável e mesmo digno de aplausos que alguém tire algumas notas da carteira e as passe para alguém que estava em situação difícil acabam apontando para a existência de um padrão, uma regra moral que é coletiva e praticamente inconscientemente aceita. Quem gravou esse padrão no coração de todo homem? E o que você faz quando percebe que é incapaz de cumprir esse padrão todo o tempo, que de quando em vez você desliza?

Claro que algumas coisas são certas num tempo e erradas no outro, isso é dinâmico, mas de uma forma geral existem , em todos os tempos e lugares onde houver mais de um ser humano coexistindo, coisas que, mesmo sem punição ou recompensas imediatas espera-se que sejam feitas daquele jeito. Esse padrão não pode ser algo atrelado a nosso instinto de sobrevivência da raça, porque uma fila indiana para comprar ingressos pro cinema não tem nada a ver com sobrevivência da raça e ainda assim é inaceitável que alguém a fure. Vai além de sobrevivência, atinge o âmago do certo e do errado, do justo e do injusto – e, se não vem de fora, quem determina o que é justo e o que é certo?

Você pode continuar acreditando que Deus não existe, mas o que você faz quando percebe que o anseio mais profundo de seu coração não pode, simplesmente não pode, ser satisfeito neste mundo? Tornando a Lewis: “aquele anseio que nasce em nós quando nos apaixonamos pela primeira vez, quando pela primeira vez pensamos numa terra estrangeira, quando começamos a estudar um assunto que nos entusiasma, é um anseio que nenhum casamento, viagem ou estudo pode satisfazer.”

Você pode acreditar que Deus não existe, mas o que provavelmente vá acontecer é que em algum momento você vai notar que há uma música sendo tocada. É uma linda música. Tem uma melodia irresistível. E que talvez você tenha estado fora do tom ou fora do ritmo dela.

Nenhum comentário: