quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Por exemplo

, eu pego metrô e trem quase todo dia em São Paulo. Às vezes, na hora de sair do vagão, o povo que está fora e quer entrar não espera quem está dentro sair; também às vezes, quando eu quero entrar, encontro uns folgadaços parados com cara de paisagem na porta. Nessas ocasiões eu geralmente me valho do fato de ter 1,92m e faço de conta que essas pessoas não estão no lugar aonde não deveriam estar, esbarrando (atropelando, melhor dizendo) sem dó. Invariavelmente me congratulo pelo fato de haver "dado uma lição" nos tais e me embalo na esperança de que eles nunca mais tomarão essa atitude no futuro.

Mas aí pode ser que eu me lembre de que um dia Jesus Cristo olhou pra mim e disse: "segue-me" e eu, supostamente, deixando tudo O segui. Ao fazer isso, me tornei um seguidor dEle, que vale como um sinônimo de "um aprendiz dEle" e que é mais comumente conhecido pela expressão "discípulo". Eu, supostamente, faço as coisas do jeito que Ele faria no meu lugar.

E aí eu me pergunto como Jesus sairia do trem metropolitano. E eu me envergonho.

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Eu sou branco, alto, advogado, heterossexual, casado, tenho dois filhos, não tenho tatuagens, sou vegetariano, adventista do sétimo dia, existe muito mais gêneros musicais que não suporto do que os que só tolero ou gosto mesmo, sou sãopaulino e adoro ler.

Meus amigos divergem pouco dessa descrição. No geral, apenas distoam em no máximo quatro ítens dessa lista.

O mundo, no entanto, é povoado de pessoas que podem muito bem divergir completamente em todos os quesitos.

Se me preocupo com o fato de haver aceitado o papel de seguidor de Jesus, deveria naturalmente me preocupar com a forma como me relaciono com esse enorme contingente de pessoas diferentes de mim, porque o relato bíblico dá conta de que meu Mestre era craque em não ligar a mínima para esses aspectos todos.

Em suma, se minha religião não transformou radicalmente a forma como enxergo pessoas, especialmente as diferentes de mim, ela não me fez bem nenhum, porque me distanciou do Autor dela.

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Se sou um seguidor, um discípulo, um aprendiz de Jesus Cristo, tudo o que faço deveria ser uma tentativa sincera de imitá-lo. Na minha prática diária, no jeito que sento, naquilo que como, no que demoro meus pensamentos. Tudo o que faço deveria ser - e aí termino como comecei - por exemplo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Morra!

Somos, em geral, criaturas muito apegadas à vida. Ainda que na maior parte das vezes, vida seja sinônimo de mera sobrevivência ou, pior, de uma sucessão infindável de pequenos ou gigantescos prazeres alinhados sem muito sentido. Não conseguimos chegar a um consenso sobre a definição da palavra vida, mas nos apegamos ao "que-quer-que-seja" com unhas e dentes.

Então Jesus chega e diz: "Digo-lhes verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto" (João 12:24). O que Jesus quis dizer?

Primeiramente, reconheço pelo Seu discurso que, para o Criador, vida é sinônimo de dar muito fruto. Viver só, viver para si, é existência, não vida de fato. Segundamente, sei que preciso, em algum ponto de minha existência (quanto mais cedo melhor), me esvaziar para poder ser cheio do que realmente interessa. Preciso cair no chão. Cair no chão e então morrer. Preciso desesperadamente tirar, ainda que com
dor, minhas unhas e dentes disso a que chamo vida.

No clássico Os irmãos Karmázovi, de Dostoievski, o padre Zózima explica assim o texto de João: "Muitas coisas na terra nos estão ocultas, mas, em compensação disso, foi-nos dado um misterioso senso interior do nosso vínculo vivo com o outro mundo, com o mundo mais alto e celestial, e as raízes dos nossos sentimentos e pensamentos não estão aqui, mas em outros mundos. É por isso que os filósofos dizem que não é possível compreender a natureza essencial das coisas da terra. Deus tomou
sementes de outros mundos e as semeou aqui nesta terra e fez a sua horta crescer, e tudo o que podia vingar vingou, mas tudo o que cresce está vivo e vive apenas por meio do sentimento do seu contato com outros mundos misteriosos: se esse sentimento se enfraquecer ou for destruído dentro de vocês, então o que dentro de vocês cresceu
também vai morrer. Então vocês ficarão indiferentes à vida e até passarão a odiá-la".


Não odeie o que é vida de verdade. Morra!