sexta-feira, 25 de março de 2016

Estupefato outra vez

Quando Paulo viu a Jesus naquela estrada para Damasco, ficou cego. Dias depois Barnabé orou por ele e ele sentiu como se umas escamas tivessem saído de seus olhos. Guardadas as devidas proporções, foi mais ou menos o que senti algumas vezes, sempre em relação à morte de Jesus. 

Bem distante na minha memória há fragmentos de uma exposição especialmente emocionante sobre a cena do Calvário. Eu ainda criança, impressionado com o que Jesus havia suportado. Mais tarde, escamas caíram dos meus olhos em pregações eloquentes, ou lendo livros como O desejado de todas as nações, de Ellen White, ou O Jesus que eu nunca conheci, de Philip Yancey, ou ainda lendo o texto  A morte de Jesus pelo ponto de vista de um médico, que recebi por email e que descreve com tintas vívidas os sofrimentos físicos de Jesus ou assistindo à Paixão de Cristo, de Mel Gibson.


Parece que de tempos em tempos eu preciso de um estímulo externo para considerar com a devida solenidade o gesto dEle. Isso sublinha o conselho de White a esse respeito: bom seria se passássemos uma hora por dia meditando na vida de Jesus, especialmente em seus últimos momentos. Nossa natural tendência à banalização de toda e qualquer coisa à qual estamos acostumados pode ser trágica, notadamente no que diz respeito ao Calvário e o caminho que levou até ele.

O fato é que a cruz foi a mais rasgada, a mais extrema declaração de amor da História. Uma declaração de amor tem o poder de mudar tudo. Ela pode colocar tudo em perspectiva. Se eu sigo indiferente a ela, joguei no lixo toda a carga revolucionária do amor mais puro, e tanto maior quanto improvável, ilógico, que existe.

Na primeira páscoa, a ordem era matar um cordeiro e aplicar o sangue dele nos umbrais da porta. Só isso salvaria os primogênitos de cada casa. Não adiantava, portanto, apenas matar o cordeiro. Isso de nada serviria para aqueles primogênitos caso o sangue dele não estivesse do lado de fora da casa.

Bem, a morte de Jesus, o Cordeiro que tira o pecado do mundo (e, logo, da minha vida também, que está contida no mundo), que ocupa praticamente um terço de cada uma das quatro biografias Suas que temos - os evangelhos, essa morte excepcional, surpreendente, injusta, angustiante, enternecedora, isso de nada vale se eu não pegar aquele sangue que escorre pela madeira da cruz e efetuar uma aplicação pessoal dele nos umbrais de meu coração. Se eu não refletir no que foi aquilo e responder adequadamente, se de tempos em tempos eu não sentir a falta de ar da estupefação, se tocar minha vida indiferente, se não permitir que as escamas de descaso me sejam removidas de tempos em tempos dos olhos... o cordeiro terá sido imolado em vão. Eu vou ter fechado a janela enquanto a declaração de amor mais pungente de todos os tempos estava sendo feita para mim. Vou ter saído do cinema antes do clímax do filme. Vou ter escolhido a calma quentinha da morte eterna e desprezado a emoção incomparável da Vida.

Não é isso o que quero pra mim. Ou para você.

Hoje, @migos, só me interessa o Cristo, e ele crucificado.

Feliz sábado! Feliz páscoa!


sexta-feira, 18 de março de 2016

Manifesto

Nesses dias em que a incrível abundância de fatos estarrecedores se sucede em velocidade de cruzeiro, criando um estado de excitação constante, debater política parece ainda mais espinhoso do que normalmente já é, especialmente quando se é um desiludido assumido como é o meu caso.
Essa semana compartilhei (caí na besteira de) um trecho de um texto de uma autora não confessadamente simpática ao regime de esquerda. O texto dizia que não havia justificativa plausível para Lula, mas o trecho específico que compartilhei argumentava que se a indignação das massas que invadiram as ruas no último domingo fosse realmente contra a corrupção como um mal em si, haveria bonecos de todos os corruptos envolvidos no escândalo, e não apenas da presidente e seu sucessor. Claro que isso me obrigou a passar o resto do dia respondendo a comentários odiosos ou simplesmente contrários a esse ponto de vista. Eu compreendia perfeitamente porque só havia bonecos de Lula e Dilma, mas achei que seria um bom pretexto para enfocar a relativa passividade com que engolimos outros escândalos de corrupção. 
Em 2002, discordando profundamente de certas atitudes e principalmente inércias de FHC, votei em Lula, cheio de esperança. Retirei completamente, contudo, meu apoio logo no primeiro ano de seu primeiro mandato, quando ele se despediu de Palocci, flagrado em um esquema de corrupção que envolvia prostitutas e a quebra do sigilo bancário de um caseiro de sítio, como se Palocci fosse um herói da resistência. No meu entendimento, o recado moral que ele dava à nação ali era mais desastroso do que qualquer desacerto na economia poderia ser. Não importava o quanto bem ele fizesse em qualquer campo de seu governo, aquele aspecto me parecia vital, especialmente de alguém que empunhara a bandeira da ética durante vinte anos. O que veio na esteira parece confirmar minha impressão.
Em O fiel e a pedra, o grande escritor pernambucano Osman Lins fala de outro caseiro, um homem rude incumbido de proteger uma propriedade que se torna alvo da ambição dos coronéis locais. Aquele homem tem tudo a perder, mas se mantém absolutamente fiel a sua missão. O curioso é que ninguém entende aquela atitude. Ele soa meio como louco. Parece que os latinos têm esse cinismo entranhado, essa falta de apego a valores absolutos, essa tendência a apoiar o que parece mais conveniente e a fazer pouco caso de certos deslizes dependendo de quem vêm. Àqueles que lhes soam simpáticos, todas as prerrogativas da lei, a começar pelo "in dubio pro reo", aos demais, o oposto. Ou será que não usamos de desculpas tão esfarrapadas quanto os partidários do PT para justificar os desmandos de nossos queridinhos da política e vice versa?
Fico com Cyro dos Anjos: "e no entanto, é preciso lutar pelo advento de um tempo em que a virtude dirija os homens". Fico com Jesus Cristo: "Seja, porém, seu falar sim, sim e não, não" (Mateus 5:37). Sem nenhum tom de cinza.
Meu singelo manifesto nesse momento de ebulição nacional é: vamos aprender a lição. Vamos usar essa indignação toda, por inteiro. Sem pragmatismo. E isso significa: mais do que enaltecer ideologias ou programas de governo, enalteçamos a integridade como um valor novo, como um valor supremo.
E que Deus tenha piedade deste país.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Ok, isso é um problema

[atenção: conteúdo adulto]

Uma tarde nesta semana passei um tempo em um site de garotas de programa. O site na verdade é um marketplace, com anúncios em diversas categorias, inclusive esse tipo de "serviços profissionais". Eles estão sendo acionados por alguém que teve um perfil falso criado ali e para fazer sua defesa foi que passei um bom tempo naquela sessão, analisando como ela funciona. A primeira impressão foi de profundo desconforto. Todas aquelas mulheres, algumas bem novas, com 19 anos, se expondo como pedaços de carne em um açougue e anunciando as coisas incríveis que fazem... A segunda impressão foi uma forte vontade de continuar olhando.

A psicóloga Talita Borges Castelão publicou na Revista Adventista de fevereiro uma coluna comentando os efeitos da pornografia na mente. "Há comprovação científica" ela escreve, "de que a pornografia é capaz de viciar, produzindo no cérebro um efeito similar ao do consumo de drogas. Ela atinge a região do cérebro que reconhece uma ação que gera prazer e busca repetição". Em muitos sentidos a luxúria é semelhante à gula, sobre a qual escrevi há duas semanas. 

Como qualquer vício, a pornografia pode ser destruidora. Há algumas semanas o ator Terry Crews (o eterno pai do Chris, de Everybody hates Chris) publicou um vídeo corajoso em que admitia que havia sido viciado em pornografia. "Aquilo bagunçou minha vida de muitas maneiras", ele afirma. Passava noites inteiras e entrava o dia adentro assistindo, assistindo e assistindo. Apenas quando sua esposa o deixou é que ele percebeu que tinha um problema. Ele não entra nos detalhes, mas você talvez conheça histórias de jovens casados que não procuram mais suas esposas para fazer sexo. Castelão afirma: "Algumas pessoas chega a ter comprometimento no trabalho e até param de ter relações sexuais com seus parceiros para usar o tempo com literatura e filmes pornográficos ou navegar na internet para a prática do sexo virtual". Ou seja, pessoas que juraram solenemente satisfazer seus cônjuges e serem satisfeitos apenas por eles, não conseguem mais se satisfazer com o ato despojado dos fetiches e transgressões típicos da pornografia e da prostituição.

É fácil. Para entrar no site de garotas de programa eu só precisei de dois ou três cliques, um deles num botão que dizia: "declaro ser maior de 18 anos". Simples assim. É fácil e muito, muito atraente. Precisei fazer uma breve oração para conseguir sair daquele site. É fácil, atraente, mas também viciante e destruidor. Ok, amigo, deixe me dizer com todas letras: isso é um problema.

Em I Timóteo 5:22 Paulo adverte o jovem pastor a "continuar puro". Em Filipenses 1:10 e 2:15 ele convida os crentes a se tornarem puros, o que indica que eles haviam perdido sa pureza e algum momento. Sua advertência soberana é "finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas." (Filipenses 4:8). 

Guarde sua mente. Ocupe-a com o que é puro. Você tem no coração uma fortaleza que precisa ser protegida com a própria vida. Essa é a batalha que vale a pena lutar.

sexta-feira, 4 de março de 2016

As primeiras palavras

"Deixe assim por enquanto", foram as primeiras palavras de Jesus registradas na Bíblia, "convém que assim façamos, para cumprir toda a justiça" (Mateus 3:15). João Batista dizia que não fazia sentido ele, um pecador, batizar Jesus e essa foi Sua resposta.

O pastor José Carlos Ramos ontem me chamou a atenção para as primeiras frases de Jesus registradas em cada evangelho. Esse primeiro registro das palavras de Jesus, encontrado no evangelho de Mateus, me relembra minha própria impossibilidade/incompetência/impotência para guardar "toda a justiça". Nesse tempo em que ficam escancaradas as muitas faltas de nossos líderes, sou confrontado com o fato de que, guardadas as devidas proporções, também eu tenho dificuldades com esse negócio de integridade. Está no DNA, impregnado na raça à qual pertenço. Jesus, contudo, estava desde o princípio de Sua missão focado em cumprir "toda a justiça". Toda. E isso envolvia ter a experiência que cada um de nós precisa ter, a começar pelo batismo. 

As primeiras palavras de Jesus registradas por Marcos são igualmente significativas: "O tempo é chegado... o Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas"(1:15). Notem que o tempo chegou antes do Reino. O tempo chegou quando o Reino ainda estava próximo. O Reino é precedido por um tempo para arrependimento e para exercitar a fé. E quando Jesus diz isso é olhando no fundo do seu olho, meu amigo: o tempo chegou para você também.

As primeiras palavras de Jesus registradas por Lucas acontecem antes, quando Ele tem apenas 12 anos e seus pais o encontram no templo. "Por que vocês estavam me procurando? Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai?" (2:49). Por outras palavras, Ele pergunta a José e Maria a razão de o procurarem tanto em outro lugar que não no mais óbvio.Você pode questionar se o templo da igreja hoje é o equivalente ao templo dos tempos de Jesus e eu vou dizer que não. A igreja é. Aquilo que o templo significava foi transferido para a coletividade de pessoas que manifestou crer em Jesus. Muita gente tem confessado desconforto com a igreja, mas ela continua sendo o instrumento usado por Deus para refletir Jesus e para propiciar o encontro mais substancioso com Ele. Se você quer cumprir toda a justiça através do poder dEle, se quer aproveitar o tempo que ainda lhe resta para experimentar o arrependimento e exercitar a fé, não pode ignorar a igreja.

Dois discípulos de João Batista seguiam Jesus e Ele virou-se para eles e perguntou: "O que vocês querem?" e essas foram as primeiras palavras de Jesus registradas por João (1:38).

É olhando fundo nos seus olhos que Ele hoje pergunta: o que você quer? Você quer encontrá-lO? Você quer integridade afinal? Quer aproveitar o tempo que tem?

Meu maior desejo como pai é que meus filhos queiram coisas boas. Intuo que Jesus olha para mim e para você com o mesmo tipo de desejo. O que você quer?