sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Peixes e unicórnios

Em outros tempos, nessa época do ano eu estaria acampado com meus pais e irmãos na praia da Maranduba, no litoral norte paulista. Os dias começariam com uma sinfonia de ruídos a penetrar o tecido da barraca antes mesmo de meus olhos abrirem. Vozes, risadas, passos, pássaros e, sobre tudo e por trás de tudo, o mar. Lembrei hoje desses tempos porque fechando os olhos ainda ouço aqueles ruídos e sinto aquelas sensações todas. Não sei, talvez seja o efeito natural dos excessos do natal.

Como éramos três irmãos e havia toda a tralha da barraca, nunca houve espaço para caber também uma prancha de surf, de modo que eu não passei vergonha levando caldos nas ondas. Ou, se analisar por outro prisma, eu nunca me enturmei com a enorme massa de surfistas que era a quase totalidade das pessoas da minha idade.

E aí recordo que, além dos livros que eu lia sob o guarda-sol tenda que eu mesmo montava toda manhã, eu tinha a companhia dos peixinhos.

Nos pontos em que a praia era mais plana, as ondas sempre traziam uns peixinhos minúsculos que ficavam bem na pontinha delas. Eles voltavam para o mar quando sentiam que a onda ia morrer. Era preciso ter olhos treinados para vê-los cortando a água como raios. Meu irmão desenvolveu uma técnica para pegá-los. Você precisava se posicionar entre eles e o mar e então dar um chute certeiro. Espirrava um monte de água e se você tivesse sido preciso o suficiente, veria a alguns metros, sobre a areia, o corpo brilhante do peixinho a se debater. A gente os pegava com cuidado e colocava em um balde com água, disputando quem pegava mais. Quando cansávamos da brincadeira, os devolvíamos para o mar.

Eu andava com a água pelos calcanhares buscando, ávido, pelos peixinhos. Quando não via nenhum, olhava metros à frente, porque talvez eu enxergasse algum e desse tempo de sair correndo... É claro que isso nunca deu certo e eu identifiquei como sinal de maturidade quando comecei a andar pela praia sem dar nenhuma olhada metros adiante. Me limitava ao espaço que eu de fato alcançaria.

Então os anos passaram, viraram décadas, quilos a mais, pelos faciais a mais, cabelos e períodos de praia a menos, os filhos, as surpresas da vida, os novos vislumbres de quem é Deus e das coisas incríveis que Ele guarda para mim e dessa forma me dei conta de como a maturidade pode ser chata. Sucessivas vezes e de diversas formas Ele me disse aos ouvidos que "as coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem sequer subiram ao coração do homem, são as coisas que tenho reservado para ele" (I Coríntios 2:9). Ele me convida a ir à praia e olhar metros, quilômetros à frente, e esperar encontrar não só peixinhos, mas sereias, dragões e unicórnios, e a gritar de espanto e alegria quando encontrar um deles, da mesma forma que uma criança o faria. "Espere mais de mim. Seja uma criança outra vez".

Que o ano que está por nascer lhe reserve dragões, unicórnios, sereias. 

Que você não pense que foi sorte encontrá-los. 

Que você os receba com o entusiasmo de uma criança. 

E que a gratidão seja o ruído de fundo, como um mar que não se cansa de repetir o mesmo discurso eternamente.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Jesus Cristo, ato IV: fim

Você já leu uma biografia em que 1/3 de suas páginas é dedicada à morte do biografado? Bem, Philip Yancey observa que é exatamente o que os evangelhos fazem com Jesus. 

No primeiro ato desta composição de Jesus Cristo comentei que os evangelhos falam relativamente pouco do nascimento de Jesus, mas o quadro é radicalmente diferente em relação à Sua morte, embora hoje celebremos muito mais o nascimento.

Na morte de Jesus o absurdo do Deus que se torna vulnerável atinge consequências absolutamente incompreensíveis para a razão humana: Ele não só Se torna vulnerável, mas como voluntariamente Se entrega à tortura, ao ridículo e ao próprio assassinato!
Nenhum homem poderia ter inventado essa história. É tão ilógico e absurdo que só pode ser verdade!

Entretanto, Seu sofrimento físico talvez haja sido a menor porção de Seu suplício. Ali, no monte das Oliveiras, os pecados de uma raça inteira foram subitamente descarregados sobre Seus ombros, a ponto de Ele afirmar "minha alma está triste até a morte"(Mateus 26:38)! Pela primeira vez o pecado fazia com quem não conhecia pecado sua mais amarga obra: separava Cristo de Deus.O efeito disso em Quem nunca havia experimentado o que é essa sensação de vazio que nós, pecadores contumazes, carregamos todos os dias, provocou um estresse tal que rompeu os vasos sanguíneos da fronte de Jesus e o fez suar sangue.

E então, absurda e incrivelmente voluntariamente entregue a esse tipo de sensações, Jesus é preso em plena madrugada, submetido a um julgamento carregado de irregularidades jurídicas e condenado à morte injustamente. Caminhando para o lugar onde ele seria morto, e até lá, pendurado na cruz, Jesus mostra onde Sua atenção está. No peso da cruz? Nos pregos que perfuram Sua carne? Aparentemente esses pormenores não tomam tanto Sua atenção. Em meio ao espancamento e à enxurrada de acusações falsas do julgamento, Ele olha para Pedro no momento de sua negação; pendurado na cruz, se preocupa em pedir a João para cuidar de Sua mãe e em confortar o ladrão que morre ao lado dele. Jesus viveu e morreu como uma antítese poderosa do egoísmo e focou no bem estar dos outros até o fim.

Em Isaías 53, vemos uma profecia a respeito deste momento crucial da História humana. São previstos Seus sofrimentos com tintas vivas. No versículo 11, lemos: "Ele verá o resultado do trabalho da sua alma e ficará satisfeito ..." Imagino Jesus dobrado sob o peso da cruz, caindo no chão e sentindo cada fibra do seu corpo pedindo-Lhe para não se levantar, ficar ali deitado, quando ele é assaltado por recordações da minha face. Ele me vê e, em seguida, encontra forças para continuar. E, mesmo debaixo de toda a tortura, a cada dor física e espiritual, Ele me vê e ele vê você, não como estamos hoje, mas vitoriosos como podemos ser pelo Seu nome ... Ele nos vê e sorri. É um sorriso quase imperceptível para aqueles que estão lá em torno dEle, mas um sorriso de alguém feliz com o trabalho da sua alma.

Há alguns anos, as televisões mostraram a luta de um menino que queria voltar com sua namorada. Ele alugou um helicóptero e virou sobre a casa de sua amada uma enxurrada de pétalas de rosa, enquanto um caminhão de som com a banda estava tocando sua música. Ela saiu e ele estava lá de joelhos, pedindo mais uma chance. Que é claro que ela deu. As grandes declarações de amor nunca nos deixam indiferentes.

Na cruz, Jesus fez a mais bela declaração de amor que o universo já viu. Nós podemos ficar indiferentes a ela ou nós podemos cumprir a visão que teve a nosso respeito lá na cruz. Nós podemos virar as costas para o maior amor que um dia vamos conhecr ou ser a causa do sorriso de Jesus.

O que você vai escolher?

Jesus Cristo, ato III: maravilhas

Está lá. Em cada um dos quatro evangelhos. Ele curou um homem com a mão atrofiada. Ele transformou água em vinho. Ele curou um paralítico de nascença, alguns cegos, alguns leprosos, multiplicou uns poucos pães e peixes a ponto de alimentar uma enorme multidão e sobrar comida e trouxe mortos de volta à vida. O terceiro ato desta composição sobre Jesus é refletir um pouco nos atos maravilhosos que a Bíblia diz que Ele fez, os milagres.

A modernidade não se sente confortável com milagres. Tentaram explicar o rio que se transformou em sangue como um fenômeno causado por algas, o Mar Vermelho aberto como um fenômeno meteorológico e outras coisas do gênero. O Museu Smithsonian, em Washington, DC tem o evangelho que Thomas Jefferson usava para ler. Ele é menor do que os normais, porque cada menção a um milagre havia sido removida. Jefferson gostava do mestre moral mas ficava embaraçado perante o fazedor de milagres. Há algo de profundamente perturbador em aceitar que os milagres podem ter acontecido de fato.

Existe uma discussão filosófica sobre milagres. Seriam eles subversões de leis da Física ou o emprego das próprias leis de maneiras que nós não conhecemos? Independente da ideia que lhe pareça mais adequada, o fato é que estão lá, na Bíblia toda e nos evangelhos em particular e se você não quiser usar uma tesoura, como Jefferson, se quiser ser intelectualmente honesto e aceitar a Bíblia como ela é, vai ter de refletir na razão pela qual uma das principais características do Cristo foi fazer milagres.
E apesar de serem numerosos, qualquer um reconheceria que eles são a exceção à regra, e nunca foram realizados como um show de mágica para pasmar a multidão. Como Philip Yancey escreveu em O Jesus que eu nunca conheci:

Sim, Jesus realizou milagres – cerca de três dúzias, dependendo de como os contemos – mas os evangelhos na realidade não os destacam. Com frequência Jesus pedia aos que vissem um milagre que não o contassem a ninguém mais. Alguns milagres, como a Transfiguração ou a ressurreição da menina de doze anos de idade, ele permitiu que apenas os discípulos mais íntimos presenciassem, com ordens estritas para que não os divulgassem. Embora nunca se negasse a alguém que pedia cura física, sempre se recusou a atender pedidos de demonstração para maravilhar as multidões e impressionar pessoas importantes. Jesus reconheceu logo que a empolgação gerada pelos milagres não se convertia rapidamente em fé transformadora de vida.

João, o apóstolo, apontou a razão pela qual os milagres são registrados nos evangelhos: "Jesus realizou muitos outros sinais na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (João 20:30).

O propósito dos milagres, portanto, é nos faz crer. Porque essa é a nossa principal necessidade. Crer. E então confiar nEle.
Curiosamente, crer parece ser um pré-requisito para os milagres. Cada milagre que Jesus fez foi precedido por uma demonstração de fé em relação à meta do milagre. "Vá em paz, a tua fé te salvou" - foi a fórmula que Jesus repetiu antes de quase todo milagre.
A coisa parece funcionar desta forma: nós lemos sobre os milagres que Ele fez - então nós acreditamos -, então somos capazes de ser alvos de milagres também. E o primeiro milagre é este: confiar nele, e ser salvo por Ele.

Agora mesmo você está sendo confrontado (talvez pela quingentésima vez na vida) com a pergunta: vou crer que aquele homem realmente andou sobre as águas, que Ele realmente ressuscitou mortos e multiplicou os pães?

Admitir que as maravilhas aconteceram de fato é o primeiro passo para reconhecer que Ele está vivo, interessado em você. E com o mesmo poder em Suas mãos.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Jesus Cristo, ato II: discurso

A Teologia da Libertação, com seu viés socialista, é tão sedimentada na mensagem de Jesus quanto seu perfeito oposto, o neoliberalismo norteamericano e sua sagração das liberdades individuais. Se queremos montar um quadro minimamente completo de Jesus, precisamos focar em Seu discurso. O segundo ato dessa pequena composição sobre Ele, portanto, enfoca Sua mensagem.
Qual foi a grande mensagem do Mestre?
Jesus talks
Qualquer resposta minimamente honesta a essa pergunta precisaria começar necessariamente pelo amor. "Um novo mandamento vos dou, que vocês se amem, que vivam como eu vivi, matem o egoísmo, ofereçam a outra face, vivam para servir".

Conectado e esse viés do discurso de Jesus está o grande e onipresente tema do Reino. Mateus resumiu o discurso de Jesus nos primeiros dias de Seu ministério assim: "arrependei-vos, porque o reino de Deus está próximo" (Mateus 3:2). Ao longo de todo Seu ministério Jesus Se preocupou em dar visões distintas do Reino, começando cada parábola com a expressão "o reino dos céus é semelhante a...", e é justamente a mensagem a respeito do Reino, o Reino que já está "entre nós" (Lucas 17:21) que deve terminar a história do pecado: "E este evangelho do reino será pregado... e então virá o fim" (Mateus 24:14).

Podemos afirmar, portanto, que a grande mensagem de Jesus é de que há aqui, entre nós e ao nosso redor, um outro reino. Um lugar onde Deus reina. Um lugar onde Ele é obedecido e Seu mandamento é: amem. Amem, com o tipo de amor que Eu amo. E esse reino é acessível a qualquer um, mesmo pobres de espírito, perseguidos, mansos e os que choram podem entrar nele e respirar essa outra ética, esses outros valores.

Mas na última semana de Sua vida na Terra, o discurso de Jesus mudou. Ele passou a falar não à humanidade em geral, mas a Seus discípulos em particular e aí o que Ele repetiu à exaustão foi: vigiem! Vigiem, porque Eu vou voltar e vocês não sabem quando. Vigiem, porque um dia vocês vão deixar de ser cidadãos do Reino no exílio; um dia o Reino será a única realidade. E vocês bem fariam se se ambientassem com ele, para que quando esse dia chegar, vocês se sintam em casa. Em casa comigo.

Socialismo, neoliberalismo, e qualquer outro ismo tirado da mensagem de Jesus são limitações desse discurso se eles não nos levam ao Reino. E é pra lá que eu vou. Vamos?