sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Jesus Cristo, ato I: incrível

Fiz uma rápida retrospectiva dos textos que escrevi este ano. Foram 44 textos em que fui impressionado a falar de coisas como confiança em Deus, a missão da igreja, autoengano e o perigo de tocar a vida sem reflexão. Minhas fontes foram a publicação de meu primeiro livro, o nascimento de meu quarto filho, a Copa do Mundo, as eleições, o noticiário do Oriente Médio, minhas leituras por aí e coisas do gênero. Mas faltam 4 sextas-feiras para o natal e eu gostaria de aproveitá-las para terminar o ano falando exclusivamente do que mais interessa, Jesus Cristo. Para isso dividi o tema emulando a divisão que Philip Yancey fez em O Jesus que eu nunca conheci; será, assim, uma breve reflexão em quatro atos e o primeiro não poderia deixar de ser seu nascimento.

Fizemos do nascimento de Jesus a principal celebração em toda a cristandade. Mesmo agora, mais de 2000 anos depois daquele dia, começamos a preparar para o dia em que celebramos o Seu nascimento muitas semanas antes, com decoração especial, comida especial e músicas especiais. Mas, se você visitar seus biógrafos encontrará relativamente pouca ênfase em seu nascimento, em comparação com seus últimos 3 anos e meio. Marcos e João não dedicam uma única linha para o evento; Mateus fala sobre a visita do anjo a Maria, sobre a visita dos Reis Magos e a fuga para o Egito, só. É Lucas quem adiciona detalhes como a visita de Maria a Isabel, o nascimento de João Batista, a oração de Maria, a oração de Zacarias, o censo, o estábulo, os pastores e a apresentação de Jesus no templo.


Sabe, por algum motivo, o nascimento de Jesus me lembra o momento em que Adão acordou da anestesia dada por Jesus e viu Eva ali. Você sabe, ele havia passado o dia admirando a criação de Deus e vendo tudo aos pares e então Deus disse: "não é bom que o homem esteja só". Eu tento me colocar no lugar dele, a partir das descrições físicas que Ellen White faz a respeito de Eva, ou seja, nada menos do que a mulher mais bonita que já andou neste planeta. 6000 anos depois, as mulheres ainda estão arrancando suspiros e exclamações de homens. Mas um outro elemento se impôs a este encantamento muito natural de Adão. Em vez de elogiar os atributos, digamos, mais estéticos de sua companheira, ele disse: "Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne". Ele havia encontrado alguém com quem ele identificou na nova criação de Deus. Sua solidão fora solucionada.

É o sentimento que parece tomar conta de todos que começam a pensar sobre a loucura que é um membro da Trindade, o agente criador de tudo que existe, reduzir a Si mesmo para o tamanho de Sua criação e nascer em um corpo frágil e vulnerável, para ser alimentado e aquecido por um par de camponeses muito jovens e sem recursos.

Em nenhuma religião no mundo, encontramos uma história de um Deus que corre consciente e deliberadamente para fora de todo o conceito de pompa e glória, e se torna vulnerável. É incrível!

Se a raça humana sofria de solidão existencial causada pelo pecado, ver o bebê Deus deitado na manjedoura lhe permitiria exclamar: sim! este é osso dos meus ossos e carne da minha carne. A nossa solidão cósmica está resolvida! Por isso, os anjos cantaram. Por isso, os pastores e os magos adoraram. Por isso fazemos isso a cada Natal, sempre.

O nome profético de Jesus, Emanuel, significa "Deus conosco" e mostra bem o caráter de Sua missão entre nós. É uma tarefa relacional. Tem a ver com a restauração de um relacionamento rompido ou sujeito a muita confusão e ruído.

Por milhares de anos depois disso, os seres humanos não precisam mais ser vítimas de depressão pela sensação de que Deus está distante e indiferente. Nós já não precisamos nos sentir sozinhos para enfrentar os desafios da vida. Jesus esteve entre nós. Jesus mostrou que Deus se importa. Jesus mostrou que Deus se inclina para nos olhar nos olhos e, para conseguir isso, ele assume os olhos exatamente como nossos olhos. É incrível!

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Eu sou um senhor de escravos

O Brasil tem 12 feriados oficiais federais, além dos estaduais, cujo número varia de nenhum (caso de Espírito Santo e Goiás) a 5 (Acre), fora os feriados municipais. Há feriados para celebrar um dentista que conspirou contra o imperialismo português, outro para celebrar o dia da independência de Portugal e mais um para celebrar a proclamação da República - como se pudéssemos honestamente nos orgulhar da República que formamos. Há uma série de feriados da religião católica, como um dia para celebrar os mortos e outro para celebrar o dia em que Jesus morreu. Há feriados para celebrar santas padroeiras e em algum lugar há até um certo "dia do evangélico". Mas nenhum feriado é tão controverso quanto o que muitos municípios comemoraram ontem (e alguns hoje): o dia da "consciência negra".

Ano após ano, a semana do feriado da consciência negra é o momento em que as pessoas desenterram nas redes sociais vídeos do Morgan Freeman se recusando a falar de questões raciais por entender que isso reforça o racismo. É a época em que outras (ou as mesmas) pessoas circulam acusações contra o Zumbi do Quilombo de Palmares, dizendo que ele também escravizava os escravos fugidos que chegavam até o Quilombo. A percepção que tenho é que, embora brasileiros gostem muito de um feriado, esse especificamente muitos de nós preferiríamos não ter. É desconfortável ter um dia para pensar na escravidão, parece coisa de esquerdopatas, aqueles sujeitos que defendem as FARCs e Fidel Castro.

Mas fico pensando se faz sentido simplesmente esquecermos que um dia escravizamos pessoas. Sim, nós, você e eu. Os judeus fazem questão de que o holocausto não seja esquecido e o argumento associado a eles nos parece muito razoável: é o preço para que uma tal ignomínia não torne a ocorrer. Será que a escravidão de negros e índios era menos ignominiosa que as câmaras de gás? Dá pra falar em gradações de ignomínia com atrocidades desse calibre?

Os judeus um dia foram escravos. E então Deus, através de seu servo Moisés, os libertou. E então eles entraram na terra prometida, Canaã. Ali eles deveriam ter se instalado porque não só o lugar era fértil e paradisíaco, mas também as rotas comerciais de todo o mundo civilizado de então passavam por ali. Israel deveria ter sido uma benção para todos os povos, propagando o conhecimento do Deus vivo e Criador.

Para Rob Bell e Don Golden (autores de "Jesus quer salvar cristãos"), o grande vilão da história de Israel é ninguém menos que Salomão. Nos dias dele Israel alcançou paz entre os povos vizinhos, se impôs como nação hegemônica em Canaã. E então o que fez? Escravos. Os que deveriam ser bençãos reproduziram o tipo de atitude que o pagãos egípcios haviam tido com eles. Eles haviam se esquecido da ignomínia de que foram vítimas, ou então, como é tão comum no coração humano, exultaram "agora é a nossa vez!" quando a primeira oportunidade apareceu. Não à toa de Salomão para frente Israel degringolou, dividiu-se em duas e viveu uma espiral descendente que terminou - onde? - em escravidão mais uma vez.

Não se ofenda quando digo isso, mas escondido no seu coração e aqui no meu existe um senhor de escravos. Aquele pecado de nossos ancestrais é nosso também. Se não o confessarmos, estaremos fadados a reproduzi-lo em alguma escala. Não houvesse tantos senhores de escravos em seus lares e em suas igrejas ao nosso redor e você poderia discordar de mim.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Eu serei sutil

Até mesmo crentes têm momentos de flerte com a dúvida. E se tudo isso é uma ilusão, um delírio, como dizem os sábios deste mundo? Dá vontade de pegar toda a bagagem religiosa, empacotar e dar um pontapé para longe a fim de que se possa dedicar tranquila e exclusivamente ao aqui e agora; a fim de que se possa cuidar sem culpas do que é fugaz. Instintivamente você pede que Deus, se está lá mesmo, seja um pouco mais... espalhafatoso.

No diálogo de Jesus com Nicodemos, registrado em João 3, e que culmina com um dos mais belos textos de toda a Bíblia (Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna), o tema principal é exatamente crer.

Jesus começa cortando o blábláblá bajulador de Nicodemos e afirmando que nascer de novo é um pré-requisito para entrar no Reino de Deus. Mais adiante Ele afirmará algo como “se você não crê quando eu falo das coisas que acontecem aqui e agora, como vai crer quando eu falar das coisas do Céu?” Por outras palavras, nascer de novo e ingressar no Reino de Deus é algo que acontece aqui e agora. Está acontecendo ao nosso redor, com outras pessoas. O Reino de Deus está instalado em nosso meio, está acessível a todos. Ele está em franca operação e só pede esse preço: nascer de novo.

Nesse ponto o cérebro de Nicodemos deu tilt: como assim, nascer de novo? Bem, no verso 11 Jesus diz que está falando daquilo que viu e ouviu e mesmo assim as pessoas não creem. No 16 afirma que quem crê não é condenado, mas quem crê já está condenado (tanto quanto um Réu que não contrata um advogado aqui na justiça dos homens não tem condições de refutar as acusações que lhe são feitas). Logo, quando Jesus está falando de nascer de novo Ele está mesmo falando é de crer.

No mesmo capítulo veremos João Batista reafirmando as mesmas coisas: Jesus fala do que viu e ouviu, mas são poucos os que creem (v. 32).

No capítulo 6 veremos Jesus alimentando uma multidão com apenas cinco pães e dois peixes e alguns dos que tiveram a barriga cheia naquele dia no dia seguinte estavam pedindo que Jesus mostrasse algum sinal para eles saberem que Ele era realmente o Messias.

Jesus está dizendo: eu não serei espalhafatoso porque a excitação que milagres provocam se dissipa muito rapidamente. Você precisa olhar para mim e ver que estou falando de coisas que vi e ouvi. Você precisa acreditar no meu testemunho, do mesmo jeito que é o seu testemunho como crente que levará outros à mesma experiência. Eu vou continuar sendo sutil porque o que Eu sou e fiz deveriam ser plenamente suficientes. E porque, longe de mim, você está dando adeus ao Reino também. Você está dando adeus ao ambiente em que não é mais necessária a alternância de poder. Está trocando vida por morte.

Porque, pela perspectiva correta, dizer que Jesus não seja o suficiente para crer é uma rematada loucura.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A festa está rolando

Enquanto nos indignamos com o juiz que, sem habilitação e sem documentos do carro, que estava sem placa, decidiu prender a policial que ousou dizer que ele não era Deus - e que depois ainda arrancou dela uma indenização por danos morais graças ao julgamento totalmente distorcido de seus coleguinhas de divindade - eu leio Lucas 14.

Jesus está comendo na casa de "um dos principais fariseus". Talvez isso fosse mais comum do que eu até há pouco tempo imaginava. A relação dessa casta ultra religiosa com o estranho Mestre era bastante dúbia. O que queriam ao convidá-lo para comer? Honrá-lO? Vigiá-lO? Se enganavam dizendo a si próprios que queriam aprender com Ele? Pelo contexto - a disputa pelos melhores lugares - minha impressão é de que convidavam a Jesus porque Ele era famoso, daria um certo glamour ter em sua festinha o homem que arrastava multidões... Independente do motivo do convite, Jesus aceitava, o que talvez seja um baita conforto para mim.

Minha colega de escritório que é filha de chineses contou esses dias que em um centro cultural chinês na Liberdade, as famílias da colônia se reúnem regularmente e o local onde se assentam no salão obedece a uma rigorosa hierarquia. Na primeira fila assentam-se as famílias com o maior número de filhos cursando USP (Medicina, Poli e Direito apenas) ou ITA. A lógica oriental dos tempos de Jesus continua a parecer lógica para algumas culturas.

Vendo aquela disputa pelos melhores lugares Jesus dá uma lição de humildade, orientando a todos a escolher os piores lugares para que o dono da casa os honre elevando sua posição e encorajando os convidados a fazerem coisas boas por pessoas que não podem devolver o favor, porque aí a recompensa na ressurreição faria tudo valer a pena.

Alguém resolve pegar esse gancho para desviar completamente o rumo da conversa exclamando: "feliz aquele que comer no banquete no Reino de Deus!" e então Jesus conta a parábola do homem que deu uma festa e cujos convidados preferiram não aparecer, de modo que ele mandou lotar o salão dos desajustados, párias e esquecidos da sociedade. Essa parábola parece ser a versão de Lucas para a parábola do casamento do filho do rei, de Mateus 22. O que pode ser melhor do que comparecer à festa de casamento do filho do Rei? Que desculpa é boa o suficiente para recusar esse convite?

A intenção de Jesus parece, então, ter sido dupla: dar uma advertência dos efeitos da rejeição futura dEle como o Messias, mas também o de dizer sutilmente: vocês já estão participando de uma festa no Reino de Deus neste exato momento e nem percebem! E, por não perceberem, não a aproveitam, por isso outros serão chamados para o seu lugar. Vou chamar quem se regozije por estar na festa agora.

Apocalipse 3:17 afirma que somos cegos. O que estamos deixando passar do Reino de Deus sem fruir agora mesmo? O que estamos desperdiçando em nossa busca desenfreada pelos melhores lugares (como se quiséssemos ser um juiz acometido de "juizite")?