sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O semeador que ficou assistindo TV

O evangelho de João é o único que não registra as parábolas de Jesus. Nos outros três, a primeira parábola registrada é sempre a do semeador que jogou a semente a esmo e uma parte dela caiu à beira do caminho, onde os pássaros a comeram, outra em solo pedregoso, sem chance para vicejar, outra parte em meio a espinhos e a última na boa terra. Essa parábola tem um destaque todo especial, foi objeto de uma conversa à parte dos discípulos com Jesus, onde Ele a explicou, e isso está repetido em três evangelhos, como que a reforçar sua relevância.


Se pudéssemos dividir quantos tipos de pessoas existem segundo essa parábola alguém mais apressado poderia falar em quatro grandes grupos:1. o da beira do caminho, ou seja, pessoas que não entendem a semente, que é a mensagem de salvação em Jesus; 2. o das pedras, pessoas que recebem a mensagem com alegria mas à primeira angústia mostram que não deixaram a semente geminar e voltam a seus velhos mecanismos de solução de problemas; 3. o dos espinhos, pessoas que deixam a planta do evangelho ser sufocada por preocupações, correria e pelos eloquentes apelos da vida por conforto e prosperidade; e 4. a boa terra, aqueles que recebem a palavra, a entendem e a regam com cuidado e diligência até que a semente frutifique. Alguém observaria que há um quinto grupo: o daqueles que semeiam a palavra.

Eu digo que há mais dois grupos escondidos aí, infelizmente: o do solo que, independentemente de sua constituição, jamais recebeu a semente, e o dos semeadores que jamais saíram a semear. Nunca saberemos que tipo de solo é a maior parte das pessoas porque alguns portadores de semente simplesmente não saíram a semear. Como o próprio Jesus afirma em Lucas 10:2, grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos.

E a culpa não é dEle. Sua ordem clara e universal para todos os discípulos foi: vão e façam discípulos pregando a todo o mundo. Como comentou Ellen White, "salvar almas deve ser a obra vitalícia de todo aquele que professa seguir a Cristo. Somos devedores ao mundo pela graça que nos foi dada por Deus, pela luz que brilhou sobre nós, e pela beleza e poder que descobrimos na verdade" (Serviço Cristão, p. 10). E quando ela diz "TODO aquele que professa...", isso significa TODO mesmo, 100%. Eu e você. Todos nós. Não é à toa que, no evangelho de Lucas, logo depois dessa parábola Jesus afirma: "ninguém acede uma candeia e a cobre com um vaso, ou a põe debaixo da cama..." Ter recebido a mensagem é ser uma lâmpada acesa e lâmpadas acesas devem estar no alto, de modo a iluminar o máximo possível. Lâmpadas escondidas equivalem a semeadores que sentam indolentemente sobre os bornais cheios de sementes quando deveriam estar jogando essa semente por onde andam.

Vivemos num mundo que odeia o proselitismo, onde ninguém deveria falar de sua própria fé porque isso é chato, mas a ordem do Mestre é que falemos. Certamente precisamos ajustar a forma como o fazemos, mas o silêncio não é uma opção válida.

Se você ainda não orou perguntando a Deus de que forma Ele quer que você semeie, ou seja, de que forma Ele quer que você fale, e para quem, se você não orou pedindo que Ele o faça capaz disso... então você andou fazendo as orações erradas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Ninando perguntas

A Bíblia tem alguns personagens dos quais fala muito pouco, mas é um "pouco" cheio de substância. Às vezes me pego pensando naquele que reputo ser o rei dessa classe de personagens, João Batista. O aspecto "substancioso" dos poucos versos que tratam dele pode ser medido pela enorme quantidade de perguntas que eles despertam em mim.

João era o tipo de pregador que atraía multidões, e note que o local de sua pregação não era de muito fácil acesso. Ele pregava no deserto. E pregava algo que Mateus resume assim: "Naqueles dias apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia e dizia: arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mat. 3:1 e 2). Quando Jesus começou a pregar, logo após João ser preso, seu discurso era este aqui: "Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mateus 4:17). 

Entretanto, se o discurso era rigorosamente o mesmo, a forma era bem diferente. A embalagem com que Jesus apresentava o evangelho era radicalmente distinta daquela com que João embrulhava a mensagem. Até os fariseus notavam a diferença: "Os discípulos de João e bem assim os dos fariseus frequentemente jejuam e fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem" (Lucas 5:33). Talvez essa dessemelhança é que tenha inspirado a dúvida que parece haver corroído João em seus últimos dias na prisão, a ponto de ele enviar dois discípulos para perguntar a Jesus se Ele era mesmo Ele ou se deviam esperar Outro. Jesus não deu uma resposta direta e confortante, apenas pediu que os emissários de João voltassem e dessem o relatório do mesmo tipo de coisas sobre as quais João já havia ouvido falar (Lucas 7:18) e que envolvia cegos recuperando a visão, leprosos curados, mortos ressuscitados e o evangelho do arrependimento e do reino próximo sendo levado aos pobres (verso 22).

As questões que João me suscita não têm conexão com oração e jejum; sei bem da real importância que Jesus dava a essas coisas e não era pequena. Mas me pergunto coisas como: será que a mesma mensagem pode ser apresentada em roupagens diferentes, nenhuma delas "errada"? O que determina a validade da embalagem? A pessoa que a leva, o tempo em que vive, as pessoas que a recebem? Se a resposta à primeira pergunta é sim, o tempo em que eu vivo e as pessoas a quem prego deveriam receber a mensagem na roupagem sisuda de João ou na festeira de Cristo? Qual método seria mais eficaz? 

Mas há outras dúvidas: a incerteza de João quanto a Jesus ser o Messias a despeito dos milagres fantásticos que realizava indica que mesmo servos escolhidos por Deus e que desempenham sua missão com louvor podem alimentar expectativas equivocadas de como Deus deveria agir? Ou ainda: o fim trágico de João, com sua cabeça separada do corpo enfeitando uma bandeja no colo de Herodias indica que minhas visões do resultado de confiar em Deus são pueris ou distorcidas? Refraseando essa última: minha visão de uma vida confortável para mim e minha família, com filhos saudáveis, inteligentes e perfeitos estudando em ótimas escolas e se tornando pessoas bem sucedidas pode não ser a única forma de testemunho poderoso - que eu imagino e desejo que seja - dos resultados de confiar em Deus? E se não for, vou questionar e me revoltar contra Ele?

Não tenho pressa em responder a nenhuma dessas perguntas. O pouco que sei sobre meu Deus já me convenceu de que às vezes embalar uma pergunta no colo por muito tempo na presença dEle pode ser exatamente o resultado que Ele quer para ter permitido que a pergunta se levantasse...

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

De guerreiros e batalhas

Outro dia estava na igreja com Pedro, meu pequeno furacão de cachos dourados de 1 ano e 10 meses, quando chegaram umas crianças um pouco mais velhas que haviam ganhado pirulitos de alguém. Ele se postou à frente de uma menina com seu gesto característico, com as duas mãos para trás, se tocando no meio das costas, e o nariz a dez centímetros (se tanto) do pirulito que ela chupava feliz. Seus olhinhos até envesgaram de desejo e ele teria ficado ali não sei quanto tempo mais se eu não houvesse interrompido o feitiço ao chamá-lo.

A engraçadíssima expressão de seu rosto por alguma razão me fez lembrar de guerreiros. Todo menino adora guerreiros. Alguns anos atrás estava de novo em uma igreja quando meu cunhado achou curioso o jeito que o Dudu, então com cinco ou seis anos, brincava com bonecos de personagens da Bíblia. Eles voavam e, pela sonoplastia com que ele acompanhava as piruetas, soltavam raios ou algo que o valha. "Quem são esses aí, Dudu?", ele perguntou e a resposta foi: "Ah, esse é Moisés e esse é Elias. Mas eu finjo que eles são alienígenas". Era o clamor dos guerreiros se impondo.

Batalhas épicas, heroísmo. Ser mais hábil que o oponente, arriscar a vida e por fim derrotá-lo. Todo menino adora guerreiros, todo menino quer ser um guerreiro. Está incrustado no nosso DNA masculino. 

E o que isso tem a ver com o pirulito? É que fico pensando no esforço do Criador, que gravou a paixão por batalhas épicas em nosso peito, por apontar às batalhas certas. A atração magnética do pirulito sobre o Pedro miniaturiza a atração doentia de Sansão (o melhor guerreiro de todos os tempos) por mulheres como Dalila. Posso imaginá-lo com suas tantas tranças, as mãos para trás, flutuando de desejo. Eu quero aquela mulher, então vou tê-la. Nossos exemplos de guerreiros ganham as batalhas físicas contra os inimigos e cedem a seus desejos primais (Conan, o Bárbaro, James Bond, e a lista é longa), mas Deus aponta a outro tipo de guerreiros como exemplo.

Ele me diz que a batalha mais épica acontece dentro de mim todo santo dia. "Porventura", pergunta Deus a Caim, "se procederes bem não se há de levantar o teu semblante? e se não procederes bem, o pecado jaz à porta e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves dominar" (Gênesis 4:7). Se você decide se lançar a essa batalha, saiba que "sem mim nada podeis fazer" (João 15:5), mas "posso todas as coisas naquele que me fortalece" (Filipenses 4:13).

Você é um guerreiro. Levante-se e lute como um homem. Lute a batalha que vale a pena ser ferida.


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Um pouco mais pessoal

Hoje é dia de celebrar coisas como os sábados da Cidade Dutra, quando, com minha mãe e irmão, caminhávamos cruzando um campinho de futebol de várzea até a igrejinha simples, às vezes com lama até os calcanhares ou quando passávamos as tardes deitados nos colchões que mamãe colocava no quintal e ficávamos cantando e olhando as formas das nuvens ao som de fundo dos motores do autódromo de Interlagos. Coisas como os jacarés que pegava na praia de Maranduba, os almoços de família em Hortolândia, a sensação quente que me subia pela pele enquanto lia "Os três mosqueteiros" ou "Rei Arthur e seus cavaleiros". Coisas como o rubor na face quando aquela menina falava comigo, a vontade louca de conseguir comunicar minha frustração por alguma injustiça sofrida e também a vontade de mudar o mundo quando o César Augusto da minha classe do pré primário sofria bullying. Celebro as férias em Itapecerica da Serra, lendo Tintin e Asterix na barraca que meus amigos fizeram com as próprias mãos. Hoje celebro coisas como a descoberta do humor, a primeira vez que vi "Conan o Bárbaro" e fiquei impressionado por dias, as espinhas que começaram a surgir, o pasmo e a admiração que sentia quando terminei a primeira parte de "Olhai os lírios do campo", a sensação de desajustamento entre os surfistas da praia, os jogos de War e Scotland Yard e truco e os ensaios do coral jovem do IAE. Coisas como a sensação de completude na colportagem gelada de Novo Hamburgo-RS, o primeiro namoro, o primeiro rompimento dois meses depois, as tardes e às vezes dias inteiros jogando basquete, a vontade de explodir o mundo durante as aulas de Física do cursinho, o alívio do meu nome na lista de aprovados da faculdade e o discurso de formatura. Celebro a sensação de coração queimando enquanto estudava a Bíblia com amigos queridos, o grupo que liderei, a primeira vez que me deram um microfone e eu tremi feito celular em modo vibratório e a primeira vez que peguei na mão da Tatiana. As portas que não se abriram e as que se abriram convidando a passar por elas nos momentos que eu era mais hesitante. O choro de meu primeiro filho. Os primeiros sorrisos, os primeiros passos, os primeiros tudo e a história se repetindo e adquirindo novas tintas e camadas de profundidade uma, duas, três vezes! Os enormes olhos de minha filha, quando sorriem cheios de graça, o orgulho pelo que essas pessoinhas podem vir a ser. Celebro os outros livros que li e os que escrevi, os países em que pisei, os alimentos que provei, as coisas que já esqueci e aquelas que carrego com força por onde vou. 

Hoje celebro essas coisas e as milhões de outras que estão entre elas, nas lacunas.

Porque a vida é um presente tão fantástico que, se enfocada da perspectiva correta, nos faz perceber que com ela não se brinca. É um cristal delicado, uma coisa para segurar com as duas mãos, algo a ser protegido, velado, acalentado, cuidado.

Com o tipo de paixão que Aquele que me deu esse presente mostrou ao Se entregar para que eu vivesse essas coisas todas e, quiçá, algumas mais altas.

Obrigado, Senhor!