sexta-feira, 25 de julho de 2014

Mocinhos X bandidos

Enquanto as bombas uma vez mais explodem em Gaza e minha timeline do Facebook se pinta de posts pró Israel ou pró Palestina (uma postura que particularmente me soa tão disparatada como defender incondicionalmente as cores de PT ou PSDB, já que não há nesse ringue um mocinho X um bandido, mas no máximo um bandido menos pior que o outro), me incomoda o pano de fundo do conflito. 


Você pode acreditar que a situação na Chechênia ou na Ucrânia terão solução mais cedo ou mais tarde. Você pode alimentar a esperança de que as tensões étnicas nos Bálcãs, em Ruanda ou na Cachemira vão ter fim um dia, afinal, a coisa parece ter se apaziguado um pouco em lugares parecidos, como na Irlanda e na Espanha; mas a questão do Oriente Médio parece sem remédio algum. E a culpa disso parece ser a religião.

Eu disse que parece ser porque temos explicações alternativas, uma delas exatamente na Bíblia, mas aos olhos do homem secularizado de nosso século a tensão eterna entre Israel e seus primos só é o que é porque a religião de cada um dos povos inocula no inconsciente coletivo o direito sagrado a um certo torrão de terra e a missão igualmente sagrada de exterminar os demais postulantes ao mesmo torrão. É pelo dogma da eleição divina que a guerra se sustém. É por se acreditar o povo escolhido que cada nova geração de um lado e de outro é alimentada com ódio ou com um orgulho excludente.

E aí a coisa vira para o meu lado. Afinal de contas, eu também me acredito pertencente ao povo escolhido. Pior, eu me considero pertencente ao povo realmente escolhido. E vejo no comportamento de alguns meus pares a mesma postura excludente ou um orgulho isolacionista da mesma natureza desse outro que me é mostrado a cada noticiário internacional desde que me entendo por gente.

Quem me escolheu, contudo, disse que se alguém me batesse numa face eu deveria oferecer a outra e se me pedissem o casaco eu deveria perguntar se não queria a camisa também. Quem me escolheu, me escolheu para ser mil vezes mais radical que os radicais do Hamas ou de Israel.Ele me chamou para ser um serviçal radical. Dos meus pares? Não, de qualquer um. Qualquer um que estiver próximo. Quem me chamou disse que esse comportamento radical tornaria exposta a estupidez das reivindicações de qualquer natureza. "Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo o bem, façais emudecer a ignorância dos homens insensatos" (I Pedro 2:15).

Você pode ver as crianças e mulheres inocentes exterminadas em Gaza e tentar ver quem está certo e quem está errado na história, mas eu hoje só consigo olhar para aquelas cenas horríveis e ver o quanto eu mesmo estou errado.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Juízes

Jesus está se aproximando do final do Sermão do Monte e o capítulo 7 de Mateus começa com outro daqueles desafios complicados dEle: "não julgueis para que não sejais julgados. Porque, com o juízo que julgais, sereis julgados, e com a medida com que medis, vos medirão a vós". O que exatamente significa essa orientação para não julgarmos? 

É um ensino que guarda semelhança com I Coríntios 13, quando afirma que o amor "não suspeita mal" (v. 5). Logo depois de falar para não julgarmos, Jesus dá a ilustração do sujeito que repara no cisco no olho do outro sem notar o graveto muito maior no próprio olho, de modo que esse contexto sugere que não devemos julgar os outros porque não estamos em condições de o fazer com justiça. Também temos lacunas e falhas, algumas das quais sequer percebemos. Quem já confrontou sua própria justiça com a de Cristo é constrangido a adotar uma postura humilde em relação aos demais irmãos. Não é porque o pecado do outro é diferente do meu que ele é digno de apedrejamento.

Contudo, se Mateus 7 começa ordenando não julgar, ele praticamente termina nos incitando a o fazer, ao menos em relação a uma certa classe de pessoas: Jesus nos orienta a estar alertas contra os falsos profetas, aqueles cujos frutos (ou seja, as obras) desdizem seu discurso (versos 15 a 23). Ora, então é preciso exercitar algum julgamento das atitudes dos outros, correto? Dos que se apresentam como profetas, ao menos. Dos que querem liderar o rebanho. Dos que se posicionam como guias espirituais. Contra esses é preciso exercitar algum julgamento, o julgamento da coerência entre atos e palavras, sob pena de ser guiado para longe do aprisco do bom pastor que é Jesus.

Alguns esfregariam as mãos acreditando ver nisso a concessão para descer o lenho nos pastores e ministros religiosos, mas em nenhum lugar eu vejo a orientação para descer o lenho em quem quer que seja. Jesus diz "guardai-vos dos falsos profetas". Protejam-se. Estejam alerta. Defendam-se deles! E, considerando que "vocês são a raça escolhida, os sacerdotes do Rei, a nação completamente dedicada a Deus, o povo que pertence a ele. Vocês foram escolhidos para anunciar os atos poderosos de Deus, que os chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz" (I Pedro 2:9), guardar-se dos falsos profetas significa se guardar inclusive do mau sacerdote e arauto dos atos poderosos de Deus que é você mesmo. Julgue a si próprio constantemente. Veja se seus atos estão em harmonia com seu credo, sob pena de estar agindo entre aqueles que você influencia como um lobo devorador.

Assim, não julgue os outros. Mas esteja alerta quando o assunto é a eternidade. Porque com esta vida não se brinca.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

As grandes decepções II

Dickens escreveu um romance chamado "As grandes esperanças". Elas são ótimas, mas são justamente elas que às vezes conduzem às grandes decepções. Eu acho que seria de bom tom esquecer o assunto. Falar de outra coisa qualquer. Mas a humilhação futebolística se impõe, e se vira munição para muitas e ótimas piadas é porque atingiu em cheio a autoestima nacional e porque, claro, foi absolutamente surpreendente.

Esse estado de prostração generalizada, por vezes camuflada de hilaridade, me fez lembrar o texto que escrevi na semana em que meu time perdeu uma Copa do Brasil após estar com uma mão e meia na taça. O técnico fez uma alteração para retrancar um pouco a equipe e garantir o resultado e o sujeito que entrou fez duas besteiras e cedeu dois gols ao time adversário. Eu tinha grandes expectativas quanto àquele time. O jeito estúpido e dramático com que a taça foi “roubada” pelo outro time acabou com minha alegria violentamente e eu resolvi ler apenas as notícias do golfe durante algum tempo. Como eu não entendo nada de golfe, dei uma espiadinha no dia seguinte no depoimento do técnico. Ele falou qualquer coisa como: “muitas alegrias começam com uma grande tristeza, vamos torcer pra que seja assim com este time”.

Há cerca de dois mil anos o estado de prostração e tristeza de uns homens galileus era ainda mais profundo que esse nosso. Aliás, não dá pra comparar. Isso porque a expectativa frustrada deles envolvia visões de glória e riqueza no comando da nação judaica, nação triunfante sobre a tirania romana, tudo na companhia daquela Pessoa fantástica, capaz de curar qualquer doença, fechar qualquer chaga, alimentar multidões, acalmar os mares e andar sobre eles. Tudo isso foi morto e enterrado no espaço de um único dia.
Que futuro teriam eles? O que poderia ser colocado no lugar daquelas expectativas tão grandes, tão certas, tão luminosas e sedutoras?
Apesar de Jesus vir avisando de longa data que Ele deveria morrer, parece que Ele deixou complacentemente e cheio de uma esperança muda que Seus discípulos continuassem a alimentar seus sonhos equivocados. Foi depois que a tormenta passou e deixou aquele vazio doloroso nos corações dos discípulos que Ele apareceu aos dois no caminho de Emaús e explicou tintim por tintim…

Foi preciso que houvesse aquela grande decepção, que muitos que se diziam Seus seguidores rejeitassem o Caminho e que da dor florescesse um novo espírito. A terapia de choque do Mestre ajudou a preparar um grupo apto a ouvir Sua voz sem mistificações, sem tentar interpretá-la conforme seus próprios desejos pessoais.

Agora eles entendiam definitivamente o teor do reino de Deus e, consequentemente, a sua própria missão, e poderiam decidir o caminho difícil e penoso da obediência ou a apostasia fácil e cômoda. Agora eles podiam deixar que Jesus moldasse suas vidas, colocasse Suas prioridades, Sua mente, Sua vontade, Sua resignação, tudo isso no lugar dos anseios imperfeitos deles… Pela fé alguns deles entenderam que aquela grande tristeza era na verdade o nascedouro de grandes e melhores alegrias no futuro.

É que as vezes as grandes decepções são necessárias. Talvez seja terapêutico termos ilusões de glória menor para que elas sejam arrancadas com violência e possamos então focar no que realmente interessa, no que tem valor de fato. Podemos pensar nas coisas que esse país realmente precisa, e/ou pensar na esperança em que o Mestre pediu que focássemos. O que há de errado com nossa expectativa do retorno de Cristo a esse mundo não é o fato. Ele vai acontecer, independente do quanto o desejemos. Mas há algo errado: o grau. Os anjos não podem entender como no atual momento da história nossa expectativa do evento mais importante da História desde a ressurreição seja tão formal, tão fria, tão distante. Não podemos ter uma grande decepção quanto a isso porque absolutamente não temos uma grande expectativa!

E, no fim, o tipo de expectativa que alimentamos diz o grau de grandeza que temos.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Hora da luta

O clima de expectativa do jogo e as provocações entre torcidas me fizeram lembrar da primeira aula do curso de Negociações Complexas, da FGV. O professor dividiu a turma em duplas e disse que deveríamos disputar quedas de braço. O objetivo era fazer o maior número de pontos em dois minutos. Ele cronometrou os dois minutos enquanto nós, muitos de terno e gravata, nos digladiávamos rangendo os dentes em nossas disputas de força. Ao final, ele anotou os placares das duplas: 5x0, 4x3, 6x2 e por aí adiante.


- Em dois minutos é possível fazer até uns 30 pontos, vocês pontuaram muito pouco - ele disse por fim, instalando uma interrogação em nossa mente - O objetivo não era ganhar do outro, mas fazer o maior número de pontos possível. Se vocês tivessem combinado de não opor resistência ao outro, e cada um ganhar uma vez intercalado, era possível chegar e até passar dos 30 pontos. Como eu disse, vocês pontuaram muito, muito pouco...

A moral era clara: condicionados à disputa como somos, enxergamos no outro um oponente e com isso lucramos muito menos do que seria possível. Trata-se de uma constatação que emerge da teoria dos jogos mas cuja lógica irrefutável tem pouquíssima penetração no mundo real. Esse condicionamento para enxergar tudo e todos como concorrentes e potenciais oponentes parece estar entranhado em nosso DNA. 

Muito antes dos teóricos da teoria dos jogos formularem seus axiomas e teoremas Paulo já havia advertido que "não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais" (Efésios 6:12). Por outras palavras, o inimigo de verdade é invisível. O inimigo de verdade se combate com armas espirituais, e não com nossa pífia força. 

Mas não queremos isso. Queremos lutar. Queremos sentir que o oponente foi derrotado pela força de nossa mão, pela nossa habilidade, sentir o gosto de sangue, suor e lágrimas em nossa boca, nem que, para isso, tenhamos que tratar como oponentes aqueles que não são. Seu cônjuge não é o inimigo. Seu chefe não é o inimigo. Seu vizinho não é o inimigo. Seu inimigo de verdade está em outro lugar, rindo de suas investidas contra a pessoa errada.  

Contra quem e com que ferramentas você vai lutar hoje?