sexta-feira, 27 de junho de 2014

Corpo vivo II

Há 20 dias escrevi aqui que a igreja é um corpo, um corpo vivo, e que corpos vivos estão constantemente mudando. Por distração não vi uma mensagem que me chegou a respeito daquele texto com um ótimo questionamento, um questionamento que me fez notar que a ideia (que a muitos parecerá perigosa, afinal a igreja é a instituição mais refratária a mudanças do mundo) precisa ser melhor desenvolvida para evitar mal-entendidos. Obrigado pela mensagem, Dida Braga!

A questão é a seguinte: "O.k., estamos em constante mudança: física (como a que citou), comportamental (à medida que amadurecemos) etc. E você se refere à mudança da igreja. Eu pessoalmente não concordo com algumas. E o texto diz que não mudar (nada) não é benéfico. Afirma ainda que devemos, na verdade, seguir a Cristo. Concordo. Mas o que fazer com o fato de que Ele não muda? Gostaria de saber seu ponto de vista! Pode ser?"

Bem, Deus nos pede para imitá-lO, mas há exceções à regra. Já observei aqui em outro texto que embora Ele ame o mundo, nos orienta a amar o próximo, já que não temos capacidade física de amar o mundo. Ele também não nos pede para imitá-lO na imutabilidade. Deus de fato não muda, a Bíblia é clara quanto a isso, mas, para nós, a ordem é "crescei na graça e no conhecimento" (II Pedro 3:18), pois "a vereda do justo é como a luz da aurora, que vai crescendo mais e mais até ser dia perfeito" (Provérbios 4:18). Para nós a regra é a mudança, desde que seja para cima e isso por uma razão muito simples: somos fracos e pequenos e nenhum pai que ama quer que o filho deixe de se desenvolver. É por isso que Ele se irrita quando vê que "vocês já deviam ser mestres, mas ainda precisam de alguém que lhes ensine as primeiras lições dos ensinamentos de Deus. Em vez de alimento sólido, vocês ainda precisam de leite" (Hebreus 5:12).

O mesmo se aplica à igreja, e a prova cabal disso é que ela jamais deixou de mudar ao longo dos últimos dois mil anos. Os pioneiros da igreja adventista eram muito apegados à ideia de "verdade presente", que indicava um aumento de compreensão constante da vontade de Deus (ver Em busca da identidade, de George Knight). O fato é: se a missão que nos foi dada (basicamente: fazer discípulos, ensinando e batizando Mateus 28:19 e 20) não está sendo cumprida com as formas antigas, é preciso que elas sejam repensadas. Não se trata de mudança por mudança. Também não gosto de qualquer mudança. 

O que quis dizer no meu texto de vinte dias atrás não é que toda mudança é boa, mas que a expectativa de que a igreja não vá mudar é ilegítima. Ela vai mudar. Para continuar relevante. Para continuar salvando. Para continuar crescendo (não em número apenas). E é preciso ter serenidade e humildade para entender que não se deve lutar pelo "meu modelo de culto". A igreja não gira em torno de mim. Gira (ou deveria girar) em torno de Cristo e Ele veio para salvar o perdido.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Filiais de Nínive

"Ai da rebelde e contaminada, da cidade opressora!", é como começa Sofonias 3. O capítulo anterior termina com profecias funestas contra vários povos, mas a tal "cidade opressora" parece ser Nínive, a grande capital do reino assírio.

Nínive, famosa entre os leitores da Bíblia por ser a cidade que se arrependeu com a pregação esquisita do profeta Jonas, era conhecida como "cidade dos ladrões", uma espécie de Brasília da antiguidade, mas alguns a mais graus na escala de barbaridades. Os assírios eram dados a empalamentos, emparedamentos, esfolamentos, argolas no nariz e olhos furados. Ser derrotado por eles deveria ser um mau negócio. Então, lógico que Deus venha e diga "ai!" dessa cidade e derrame algum castigo sobre ela.

Contudo, no verso seguinte ele enumera quatro razões porque essa cidade está na mira do juízo divino, e nenhum deles tem algo a ver com roubos, empalamentos e coisas do gênero. O profeta dá quatro razões para a desgraça de Nínive:

1 - Não escuta a voz. Esta primeira razão, assim algo enigmática na versão Almeida, está vertida como "não ouviu o chamado" na Bíblia de Jerusalém, "ela é tão orgulhosa que nem sequer ouviu o chamado do Senhor", na Bíblia Viva, e "não ouve a ninguém" na NVI. Qualquer que seja o sentido, para que "não escutar a voz" seja algo deplorável, é preciso que a voz esteja falando de forma audível e a cidade esteja escolhendo não ouvir. Essa voz pode ser a de Deus ou a dEle através dos profetas, que parece ser o caso, já que no versos seguintes a profecia fala de profetas levianos. Onde eles falam hoje? A qual voz poderíamos estar escolhendo não ouvir, talvez por termos coisas mais "importantes" para fazer, talvez porque o que eles têm a dizer nos é inconveniente?

2 - Não aceita a correção. Curioso que no episódio de Jonas Nínive foi bem propensa a ouvir a correção. Aqui, contudo, parece que aquela inclinação a reconhecer seus erros já se perdeu. Portanto, um dos pontos que faz com que Deus resolva enviar Seus juízos sobre eles está em não admitir que pode haver algo em seu estilo de vida que mereça correção. 

3 - Não confia no Senhor. Engraçado,  não? Uma atitude de reiterada desconfiança de Deus, ou confiança em outra coisa qualquer, é algo que suscita a ira dEle. E confiança é algo que se adquire pela convivência, pela proximidade, o que nos leva ao último ponto:

4 - Não se aproxima do Senhor. Porque é tudo uma questão de relacionamento, de escolher estar perto.

Duvido que você seja chegado a roubos, empalamentos e esfolamentos, mas sua casa pode ser uma pequena Nínive no que ela tem de pior aos olhos de Deus. 

Escute a voz e viva.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Pátria(s) amada(s)

Minha timeline se pinta de amarelo, mesmo fenômeno que toma as ruas. Um fenômeno que só acontece a cada quatro anos. 

Dessa vez, contudo, é uma invasão amarela um tanto envergonhada. Ninguém queria estruturas milionárias em que as luzes não funcionam direito, ou receber os visitantes com assaltos e duas horas de fila para pegar um táxi, entre outras tantas lacunas de nossa pátria. Mas nos pintamos de amarelo assim mesmo porque o futebol é nossa chance de redenção, nossa chance de ver a pátria amada no alto do pódio. O balé de equilíbrio improvável de Neymar agrega camadas de autoestima na gente.

Há quatro anos, quando o tal fenômeno se dava mais uma vez, escrevi aqui que esse tipo de patriotismo conflita com o patriotismo que me inspira minha dupla cidadania, a cidadania daquela outra pátria... Este patriotismo verde-amarelo é daquele gênero exclusivista e excludente: quero ver minha pátria incensada porque as outras todas estarão subjugadas. A minha vitória é também a derrota de todos os outros. Agora, o sentimento daquela outra pátria, a da cidade que tem fundamentos, que Deus é o arquiteto e construtor (Heb 6:11) não é nada excludente. Quando um vence, reparte a vitória com todos (Dan 7:27) e quem quiser pode vir e beber de graça da água dessa vida (Isa 55:1). 

Minha dupla cidadania me dá hoje esses sentimentos divididos. Mergulho na turba amarela e grito o gol com ela. Mas aqui no íntimo intuo que a glória da pátria que está por vir há de ser muito, muito superior. Não por tudo que ela excluirá e subjugará, mas por sua natureza ímpar: amor, e não excelência pura e simples. Assim, o dia em que tudo se pinta de amarelo me dá saudades daquela outra pátria. A pátria sem lacunas.

Ora vem, Senhor Jesus.


sexta-feira, 6 de junho de 2014

Corpo vivo

Não sei se a vida começa mesmo aos 40, mas passados seis meses já deu pra perceber que a gravidade age com muito mais força agora. Cada manhã, olhar meu rosto no espelho reserva uma nova surpresa, todas desagradáveis, infelizmente. Até começo a entender aqueles caras que pintam o cabelo, fazem malabarismos no penteado para esconder as crateras e recorrem ao botox, mas meu senso de ridículo me impede de lançar mão de qualquer desses expedientes. É mais fácil evitar olhar muito no espelho.
O fato inexorável da vida é que sou um corpo vivo e corpos vivos nunca ficam iguais. Os gregos antigos afirmavam com aquela sabedoria típica deles que nenhum homem se banha duas vezes em um mesmo rio, já que, quando da segunda imersão, nem o homem nem o rio são mais os mesmos. Estamos em constante mutação.
Talvez haja um recado interessante a esse respeito escondido na metáfora de Paulo a respeito da igreja, quando a compara a um corpo. A metáfora ajuda a entender a diversidade de dons, a complementaridade dos membros, a estreita união que deveria haver entre eles e sua sujeição à cabeça, que é Cristo, mas também deveria ajustar nossas expectativas quanto à constância da igreja. Talvez seja ridículo pretender que a igreja continue a mesma sempre, assim como é ridículo pintar o cabelo de acaju para ficar mais parecido com a pessoa que eu fui um dia.
Dany Bloye comenta de forma pertinaz* que não se deveria esperar que a igreja permanecesse inalterada para sempre, que fosse a mesma ontem, hoje e eternamente, porque o verso que afirma isso se refere a Deus, não à igreja. A igreja é um corpo vivo. Ela muda. Ela adquire nova consciência de sua missão, ela enxerga pontos a reparar e de tempos em tempos realiza correções de rumo dolorosas sob pena de perder sua relevância. E isso é chato, porque a igreja de ontem atendia a nossas necessidades sociais e espirituais... Não queremos abrir mão daquela igreja, mesmo que o Cabeça dela já o tenha feito.
É evidente que nem toda mudança é bem vinda e nem toda mudança é orientada pelo Espírito Santo, mas a ausência de mudança seguramente também não é. 
Constatar esse fato deveria nos fazer refletir um pouco em a quem seguimos. A uma ideia de igreja ou a Jesus Cristo?
Pense nisso.
*em It´s Personal