sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Contagem regressiva

Tem esse amigo meu, viciado em Candy Crush. Ok, não é amigo nenhum, sou eu mesmo, que uso meu tempo em salas de espera, antes de dormir e até enquanto o computador inicializa (acredite, dá pra jogar umas duas partidas) jogando o viciante joguinho no celular. Para quem não sabe - e é muito bom que continue sem saber na prática - Candy Crush é um joguinho meio tosco em que um tabuleiro com docinhos precisa ser rearranjado de forma a juntar três doces iguais liberando espaço para que outros venham. Deve haver alguma estratégia profunda requerida, mas eu confesso que vou deslizando o dedo sem muita reflexão, mais por instinto mesmo. 

Bem, o fato é que estou há algumas semanas numa fase especialmente enervante. Além de tudo o que preciso fazer, de quando em vez caem lá uns "doces-bomba", que você precisa eliminar em x jogadas. Se a contagem regressiva dele zera, ele explode e você perde. E é esquisito que, mesmo numa tela tão pequenininha, muitas vezes eu estou tão focado num canto dela que não percebo um desses doces-bomba lá do outro lado e ele zera e eu sou surpreendido com o término do jogo.

O que me leva ao poeta Mario Quintana. Foi ele quem disse: "minha morte nasceu quando eu nasci". Como se quando cada um de nós nasceu, tenha nascido junto um cronômetro em contagem regressiva apontando para o fato mais certo dessa vida de resto incerta. Não quero parecer determinista ou passar a impressão de que estamos "fadados a morrer" num dia e hora específico, mas é razoável esperar que o que aconteceu a (quase) 100% dos membros da minha espécie antes de mim venha a acontecer comigo também. Viver como se isso não fosse acontecer seria no mínimo leviano.

Na ficção científica In Time, traduzida para o português com o "inspirado" título O preço do amanhã, todos têm um cronômetro em contagem regressiva no pulso. Nós não temos. Como as bombas do canto esquecido da tela do Candy Crush, nosso cronômetro costuma zerar em um momento que não estamos esperando. No Candy Crush, se você perde cinco vidas, precisa esperar um tempo até poder jogar de novo, o que tem seu lado bom, mas que dá nos nervos. Ainda assim, "jogar de novo" é sempre uma possibilidade. No outro cronômetro não. Se ele zera, é game over. 

O que deveria me levar a valorizar de um jeito diferente cada minuto que passa. O que deveria me levar a valorizar de um jeito diferente a vida que tenho. O que deveria me levar a entender que com a vida não se brinca. Com a vida não se brinca.

Jesus disse que Deus O deu à humanidade para que aqueles que nEle cressem tivessem vida eterna. Disse que voltaria e que quando isso acontecesse, os que morreram crendo ressuscitariam e então não haveria mais qualquer cronômetro, não haveria mais qualquer contagem regressiva. A eternidade, que foi implantada por Ele em nosso código fonte, seria alcançada. Só temos esta vida para fazer o que precisa ser feito a fim de alcançar esse ideal. Só temos esta vida para aprender o que significa crer nEle. Por isso, com essa vida não se brinca.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Isso não me representa

A ascensão do pastor Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, no começo deste ano, com suas declarações consideradas homofóbicas e racistas, gerou um enorme bafafá. De repente, essa comissão, que não havia jamais recebido mais que duas linhas no noticiário, se tornou o epicentro do cosmos. Não se falava de outra coisa: celebridades, manifestações públicas e, claro, o bordão "Marco Feliciano não me representa" virando meme nas redes sociais.

Graças à polêmica, a expressão "não me representa" entrou no cotidiano das pessoas, passando rapidamente a ser aplicada a qualquer outra coisa. Páginas no Facebook foram criadas para detratar tudo o que "não nos representa". Os presidentes da Câmara e do Senado, técnicos de futebol, times de futebol, órgãos públicos e até o Eike Batista tiveram seus nomes acrescentados com o "não me representa" postados na rede ou em matérias jornalísticas. A expressão claramente rompeu os limites da questão da representatividade parlamentar para atingir qualquer coisa que nos cause aversão.

Identificar coisas e pessoas que "não nos representam" é relativamente fácil. Determinar se os princípios e valores que alguém prega e os princípios e valores que realmente regem suas ações são condizentes com os nossos é tarefa nem tão difícil assim. Se você é tolerante com a diversidade, alguém que não seja é facilmente identificado. Se você é honesto, alguém que desvia dinheiro público e chama qualquer oposição de perseguição política não despertará nenhuma identificação com você. Se você não joga um papel no chão, alguém que o faça
não o "representará". Podemos discutir então a validade de sair tascando etiquetas com o "isso não me representa" em tudo com o quê você discorda. Talvez tenha sua utilidade, para mostrar seu caráter, já que, para Goethe, "nada prova mais o caráter de alguém do que aquilo que ele odeia", mas quando a coisa se torna uma moda, dá vontade de dizer: quem perguntou?. 

Mas acredito que o exercício mais eficaz e urgente não é esse, de identificar e rotular tudo que não nos representa, e sim pensar nas pessoas, nos valores e nas instituições que nós não "representamos". E deveríamos representar. 

Em II Crônicas 7:14 o povo de Deus é chamado de "o povo que se chama pelo meu nome". Por outras palavras, o povo de Deus é o povo que O "representa". O terceiro mandamento diz que é um pecado tomar o nome de Deus em vão, frisando a importância de representar a Deus dignamente. Jesus odeia a figueira com flores e sem frutos porque ela ostenta algo que não é. As pessoas que andam ao redor da figueira vêm as flores e acreditam que ela é do tipo que dá frutos. Mas quando chegam perto se decepcionam. E então elas passam a ter outro conceito sobre figueiras em geral, passam a desconfiar das flores.

Jesus narra o dia em que muitas pessoas vão lhe dizer tudo o que fizeram no nome dEle e, contudo, receberão um "não vos conheço" em resposta. "Não vos conheço" é o "você não me representa" de dois mil anos atrás.

Pense em como você usa seu tempo livre, no que você faz quando acha que ninguém está olhando, nas coisas que seus atos, e não suas palavras, dizem que são mais importantes para você. Pense em suas prioridades reais nessa vida e então responda: a quem você representa?


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Desproclamando a República

Hoje comemoramos o dia em que gritamos que não queríamos mais ter um rei. A ideia de monarquia começava a ficar fora de moda. Tenho lá minhas dúvidas se ganhamos muita coisa trocando a família real pelo que veio na sequência.

Mas houve um tempo em que ter um rei era algo super moderno e a teocracia de Israel quis estar antenado com os novos tempos. Exigiram um rei. Atendendo à dica de Bruce Cameron, fui a Deuteronômio 17 ler uma curiosa profecia de Moisés. No fim de sua vida, o velho líder previu que chegaria o dia em que o povo de Israel desejaria ter um rei. Veja que dicas interessantes ele deu:

"Quando vocês entrarem na terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá, tiverem conquistado aquele território, viverem nele e disserem: 'Bem que poderíamos ter um rei que nos governe, como as outras nações ao redor de nós', tenham o cuidado de proclamar rei aquele que o Senhor, o seu Deus, escolher. Esse rei terá que vir dos seus próprios irmãos israelitas... Aquele que for coroado rei não poderá adquirir para si um grande número de cavalos... Também não deverá ter muitas mulheres, para que seu coração não se desvie do Senhor. Além disso, não deverá acumular muita prata e ouro. Quando for coroado e se assentar no trono como rei, terá que fazer uma cópia desta lei, do livro guardado pelos levitas. Essa cópia da lei estará sempre junto dele. O rei precisará ler esse livro todos os dias da sua vida para aprender a respeitar o Senhor, o seu Deus, e a obedecer a todas as
palavras desta lei e todos os seus mandamentos. Isso impedirá que o rei ache que é superior aos demais irmãos israelitas. Também impedirá que ele se desvie da lei... Assim garantirá um reinado longo e feliz sobre Israelm bem como para os seus descendentes" (17:14-20).

Não dá para deixar de pensar em Salomão, lendo isso. Acumular cavalos, mulheres, prata e ouro e sentir-se superior aos demais foi tudo o que ele fez.

Interessante notar que um rei obrigado a fazer qualquer coisa (como fazer uma cópia à mão do pentateuco!) e que não se ponha numa situação de superioridade divina sobre seus súditos é uma ideia extremamente moderna, inaugurada pela noção de estado de Direito que só veio a lume com os escritos de Montesquieu e, um pouco mais tarde, com a obra do alemão Robert von Mohl, no século XIX. Moisés estava quase três milênios à frente de seu tempo, já que inspirado por Deus.

Hoje comemoramos o dia em que gritamos que não queríamos mais um rei, trocando uma servidão por outra. Nossos representantes, eleitos democraticamente ou não, raramente nos representam de fato e a lei à qual deveriam estar sujeitos raramente adere a eles. Raramente? "Nunca" seria mais adequado. Estamos prestes a ver isso acontecer pela primeira vez com o julgamento do mensalão.

Mas temos uma chance de ouro. Podemos coroar Jesus Cristo nosso rei. Ele está sujeito à lei. E está sujeito porque quando quis subvertê-la, fazendo com que o condenado de morte não morresse, Ele o fez pagando o preço no lugar dele. Ele morreu no lugar do condenado (eu!) para que a lei fosse observada e o condenado (eu!) continuasse vivo.

No dia em que gritamos que não queríamos um rei podemos comemorar o dia em que escolhemos direito. O dia em que escolhemos o rei cujo fardo é leve, que está disposto a nos ensinar a mansidão e a nos aliviar quando

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Período integral

E hoje você está ocupado com as muitas coisas que precisa resolver até o final do dia quando nota que Jesus chega. Ele olha nos seus olhos, fala o seu nome e diz: "segue-me". Aconteceu com Mateus. A Bíblia diz que ele largou tudo e O seguiu. 

As pessoas focam muito na disposição que Mateus teve de largar tudo num instante e isso acaba criando a ideia de que seguir a Jesus pressupõe largar tudo. Não é verdade. Para alguns como o cobrador de impostos Mateus, seguir Jesus implicará numa mudança radical de vida, mas para muitos outros implicará apenas numa mudança de atitude. 

Dallas Willard coloca assim: "Considere seu emprego, o trabalho do qual você tira seu sustento. Essa é uma das mais óbvias formas possíveis de focar no aprendizado de Jesus. Ser um discípulo de Jesus é, crucialmente, aprender de Jesus como fazer o seu trabalho do jeito que Ele mesmo o faria. É o que o Novo Testamento chama de 'fazer em nome de Jesus'. 

Uma vez que você pare para pensar nisso, verá que não enxergar o seu trabalho como um lugar primário de discipulado é automaticamente excluir a maior parte das suas horas acordado da vida com Ele. É decidir tocar uma das maiores áreas de seus interesses e preocupações sozinho, por sua conta, ou sob a direção e instrução de outras pessoas, que não Jesus."

Paulo foi um fabricante de tendas, mas aposto que não foi um fabricante de tendas ordinário. Ele não segmentava sua vida em uma larga porção "por minha conta e risco" e outra, menor, "imitando Jesus". Ele é o cara do "orai sem cessar" (I Tessalonicenses 5:17) justamente porque sabia que não dependia da inspiração e orientação divinas só num ou noutro momento do dia.

É isso o que cantar "estou seguindo a Jesus Cristo" implica. Numa tarefa de período integral.

E então, você está aí, preocupado em fazer as muitas coisas que tem até o final do dia e Jesus chega. Ele olha nos seus olhos e diz: segue-me. Você responde afirmativamente e volta às suas tarefas, agora para fazê-las do jeito que Ele faria.


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Enquanto Ele não vem

De tempos em tempos eu volto a Jó, porque de tempos em tempos a dor bate à porta inesperadamente. Minha, de familiares ou de amigos. Um dia ela se instala sem pedir licença. Às vezes como consequência de escolhas infelizes que fizemos, mas às vezes não, e nessas ocasiões é difícil não se perguntar por que? Por que, se há um Deus que poderia haver evitado? Por que, se Ele poderia ter traçado outra rota, outra realidade, uma em que a dor pudesse ser evitada?

Então eu volto a Jó.

E, voltando a Jó, percebo que não está errado querer saber os "por quês" da dor. Jó protesta, esperneia, se indigna. Chega ao desplante de "exigir" que Deus apareça e explique tintim por tintim a razão daquilo tudo. Seus amigos o repreendem, dizem que ele não tem o direito de perguntar por que e que decerto ele tem algum esqueleto no armário, algo que justificasse a Deus. Bem, Deus aparece, sim, e a primeira coisa que faz é mandar esses amigos ficarem quietos e dizer que Jó estava certo. Estava certo em perguntar por que. 



E, apesar de não haver problema nisso, Deus não dá as respostas. Ele desfere uma saraivada de perguntas que Jó não sabe responder. Pergunta se ele sabe qual é o método GPS de orientação das águias, se ele sabe o tempo de parto da cabra montanhesa, se ele sabe como é que o mar se mantém em seus limites.Coisas assim. E aí, vira as costas e vai embora.

Tanto quanto é possível saber, Jó termina sua vida sem entender o que tinha acontecido. Sem saber que aquilo tudo aconteceu por conta de um debate entre Deus e Satanás. Sem saber que Satanás é que tinha feito aquilo tudo, como um plano para fazê-lo descrer.

E, quando volto a Jó, noto que talvez haja uma razão mais profunda para isso tudo. Há uma razão para eu ser estimulado a perguntar por que e uma razão para Deus não responder. É que quando o sofrimento bate à porta, temos basicamente duas alternativas: descrer do Deus que não impediu a dor ou ir até Ele com nossa confusão e nossa aflição. Pressinto que Deus não está preocupado em nos dar os porquês, que não nos serviriam de nada e atrapalhariam a gente alcançar o que realmente precisamos. Deus está preocupado em se vamos ou não estar lá para conversar com Ele no momento em que Ele, em Sua soberania, decidir aparecer. Porque, se estivermos lá, se ainda estivermos lá apesar do silêncio e a despeito da dor, estaremos salvos. Satanás terá perdido o repto. E o caminho para bençãos renovadas estará aberto.

E até que chegue esse dia, portanto, estarei aqui, Senhor. Esperando para ouvir Tua voz.